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Art. 1 – Se irar–se pode ser lícito.

O primeiro discute–se assim. – Parece que irar–se não pode ser justo.

1 – Pois, Jerônimo, expondo aquilo do Evangelho – Todo o que se ira contra seu irmão – diz: Certos códices acrescentam – sem causa; e demais, o princípio estabelecido é verdadeiro e a ira é absolutamente proibida. Logo, de nenhum modo é lícito irar–se.

2. Demais. – Segundo Dionísio, o mal da alma consiste em desobedecer à razão. Ora, a ira é sempre contrária à razão; pois, ensina o Filósofo, a ira não obedece perfeitamente à razão. E Gregório diz: A ira destrói a tranquilidade da alma, que era de certo modo dilacera e despedaça. E Cassiano: O movimento da iracúndia, que referve por qualquer causa, cega os olhos da alma. Logo, irar–se é sempre mau.

3. Demais. – A ira é o desejo da vindicta, como diz a Glosa àquilo da Escritura: Não aborrecerás a teu irmão no teu coração. Ora, desejar a vingança não parece lícito, a qual só a Deus é reservada, conforme a Escritura: Minha é a vingança. Logo, parece que irar–se é sempre pecado.

4. Demais. – Tudo o que nos impede de imitar a Deus é mau. Ora, a ira sempre nos impede de imitar a Deus; pois, Deus julga com tranquilidade, segundo a Escritura. Logo irar­se é sempre mau.

Mas, em contrário, diz Crisóstomo: Quem se ira sem causa será réu, quem o fizer com causa não será réu – pois, sem a ira não aproveita a doutrina, a justiça não triunfa nem se reprimem os crimes. Logo, irar–se nem sempre é mau.

SOLUÇÃO. – A ira, propriamente falando, é uma paixão do apetite sensitivo, e dela é que tira a sua denominação o apetite irascível, como dissemos quando tratámos das paixões. Ora, devemos considerar, em matéria de paixões. da alma, que de dois modos elas podem implicar o mal. – Primeiro, pela espécie mesma da paixão; e essa espécie é considerada segundo o objeto da paixão. Assim, a inveja, pela sua espécie mesma, implica um certo mal, pois, é a tristeza causada pelo bem de outrem, o que por si repugna a razão. Por isso, a inveja basta nomeá–la para despertar a ideia do mal, como diz o Filósofo. Ora, tal não se dá com a ira, que é o desejo da vingança; pois a vindicta podemos desejá–la como um bem ou como um mal. – De outro modo, há mal numa paixão, quantitativamente, isto é, por excesso ou defeito da mesma. E assim, a ira pode ser má, quando alguém se ira mais ou menos do que o exigiria a razão reta. Mas, o irar–se de acordo com a razão reta é meritório.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os Estóicos consideravam a ira e todas as paixões como uns afetos existentes em desacordo com a ordem da razão; e, assim, tinham a ira e todas as demais paixões como más, como dissemos quando tratamos das paixões. E é nesse sentido que Jerônimo considera a ira, pois, ele se refere àquela pela qual nos iramos contra o próximo, querendo–lhe mal. Mas, segundo os Peripatéticos, cuja doutrina é sobretudo a que segue Agostinho, a ira e as outras paixões consideram–se movimentos do apetite sensitivo, quer moderados pela razão, quer não. E, neste sentido, a ira nem sempre é pecado.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A ira pode se relacionar de dois modos com a razão. Primeiro, antecedentemente e, então, a desvia da sua retidão e por isso constitui um mal. De outro modo, consequentemente, quando o apetite sensitivo move–se contra os vícios segundo a ordem da razão. E esta ira é boa e se chama ira por zelo. Por isso, diz Gregório: Devemos ter sumo cuidado para que a ira, tomada como instrumento da virtude, não nos domine a alma nem tome a dianteira como senhora, mas que seja como uma escrava, pronta para servir, e nunca se ajuste da submissão à razão. Ora, esta ira, embora na execução mesma do ato impida de certo modo o juízo da razão, não lhe elimina contudo a retidão. Donde o dizer Gregório, no mesmo lugar, que a ira por zelo turva a vista da razão, mas, a ira por vício, cega–a. Nem é contra a sua essência que a deliberação racional sofra um eclipse na execução do que foi por ela determinada; pois, do contrário, também a atividade artística ficaria impedida se, devendo agir, tivesse que deliberar sobre o que devia fazer.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Desejar a vingança como um mal daquele a quem infligimos um castigo, é ilícito. Mas, desejar a vingança, para corrigir um vício e salvar o bem da justiça, é meritório. Ora, tal pode ser o fim do apetite sensitivo, enquanto movido pela razão. E quando a vindicta se realiza segundo a ordem racional, ela vem de Deus, de quem é ministro o poder de castigar, como diz o Apóstolo.

RESPOSTA À QUARTA. – Devemos imitar a Deus e o podemos, pelo desejo do bem; mas, não o podemos de nenhum modo, pelo modo de desejar; porque em Deus não há apetite sensitivo, como o há em nós, cujos movimentos devem obedecer à razão. Por isso, diz Gregório, que tanto mais fortemente a ira se levanta contra os vícios, quanto mais o faz em obediência à razão.

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