O segundo discute–se assim. – Parece que a matéria da continência não são as concupiscências dos prazeres do tato.
1. – Pois, como diz Ambrósio, o belo em geral consiste em nos contermos em todos os nossos atos para observarmos em tudo a equidade e a honestidade. Ora, nem todos os atos humanos dizem respeito aos prazeres do tato. Logo, a matéria da concupiscência não são somente os prazeres do tato.
2. Demais. – O nome de continência deriva de nos contermos nos limites do bem da razão reta, como se disse. Ora, há certas paixões, que, mais veementemente que as concupiscências dos prazeres do tato, nos desviam da razão reta. Assim o temor dos perigos de morte, que estupidifica o homem; e a ira, semelhante à insânia, na expressão de Séneca. Logo, a matéria própria da continência não são as concupiscências dos prazeres do tato.
3. Demais. – Túlio diz, a continência é a que rege a cobiça pelo governo do conselho. Ora, a cobiça é assim chamada quando tem por objeto as riquezas, mais que as deleitações do tato, conforme aquilo do Apóstolo: A raiz de todos os males é a cobiça. Logo, a continência não tem como sua matéria própria as concupiscências dos prazeres do tato.
4. Demais. – Os prazeres do tato não recaem só sobre matéria venérea, mas também, sobre o uso dos alimentos. Ora, costuma–se chamar continência só o que versa sobre a prática dos atos venéreos. Logo, a sua matéria própria não é a concupiscência dos prazeres do tato.
5. Demais. – Dentre os prazeres do tato, uns são, não humanos, mas bestiais: Tal o caso de quem se deleitasse comendo carne humana, como o de quem praticasse atos venéreos pervertidos, com animais ou com meninos. Ora, esses vícios não constituem matéria da continência, como diz Aristóteles. Logo, a matéria própria da continência são as concupiscências dos prazeres do tato.
Mas, em contrário, diz o Filósofo, que a continência e a incontinência têm o mesmo objeto que a temperança e a intemperança. Ora, a temperança e intemperança têm como sua matéria a concupiscência dos prazeres do tato segundo se demonstrou. Logo, também essa mesma é a matéria da continência e da incontinência.
SOLUÇÃO. – A continência, pela sua própria denominação, implica em, de certo modo, refrearmos as paixões, para não nos deixarmos arrastar por elas. Por onde, a matéria própria da continência são aquelas paixões que nos impelem a buscar certos prazeres, que em obediência à razão e meritoriamente, não devíamos buscar. Mas, ela não tem como matéria própria as paixões que operam de certa maneira em nós uma retração, como o temor e outras semelhantes; pois, em tais casos, é meritório buscar com firmeza o que a razão ordena que busquemos, segundo estabelecemos. Ora, devemos considerar, que as inclinações naturais são os princípios de todas as nossas ações, como dissemos Por onde, as paixões tanto mais veementemente nos arrastam quanto mais seguem a inclinação da natureza. Ora, esta, sobretudo nos inclina ao que lhe é necessário, isto é, à conservação do indivíduo, pela alimentação, ou à da espécie, pelos atos venéreos. E estes prazeres pertencem ao tato. Portanto, a continência e a incontinência versam propriamente sobre as concupiscências dos prazeres do tato.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A denominação de temperança pode, em geral, se aplicar a qualquer matéria, embora tenha como Sua matéria própria, aquela na qual é excelente nos refrearmos. Assim também, a continência tem como sua matéria própria aquela em que é excelente e dificílimo nos contermos, isto é, as concupiscências dos prazeres do tato. Mas, em geral e relativamente, pode recair sobre qualquer outra matéria. E neste sentido é que Ambrósio emprega a palavra continência.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A continência, em matéria de temor não é propriamente louvável, pois, o temor exige, antes, a firmeza de ânimo, que a coragem. A ira, por seu lado, imprime–nos um ímpeto em vista de um certo fim; esse ímpeto, porém, resulta, antes, da apreensão da alma de que fomos ofendidos por outrem, do que da inclinação natural. Por isso, quem se contém e não cede à ira, chama–se continente, de certo modo, mas não, absolutamente falando.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Esses bens exteriores, como as honras, as riquezas e outros são, no dizer do Filósofo, em si mesmos elegíveis, não porem como necessários à conservação da natureza. E por isso, em relação a eles, não consideramos ninguém continente ou incontinente, absolutamente falando, mas, relativamente, acrescentando–se, que são continentes ou incontinentes em matéria de ganho, de honras ou de coisas semelhantes. Por onde, ou Túlio usou em sentido comum da denominação de continência, como compreendendo em si também a continência em sentido relativo; ou tomou a cobiça em sentido estrito como a concupiscência dos prazeres do tacto.
RESPOSTA À QUARTA. – Os prazeres venéreos são mais veementes que os da mesa. Por isso, consideramos a continência e a incontinência como os tendo por matéria; mais do que os prazeres da mesa; embora, segundo o Filósofo, possam elas ter como matéria tanto uns corno outros.
RESPOSTA À QUINTA. – A continência é um bem da razão humana e por isso versa sobre as paixões, que podem ser conaturais ao homem. Por isso, diz o Filósofo, que não se considera continente, propriamente falando, senão só em sentido relativo, aquele que, tendo em seu poder um menor, deseje comê–lo ou abusar dele torpemente, quer realize o seu desejo, quer não.