O segundo discute–se assim. – Parece que nenhum ato venéreo pode–se praticar sem pecado.
1. – Pois, só o pecado é obstáculo à virtude. Ora, todo ato venéreo é por excelência obstáculo à virtude; assim, diz Agostinho: Penso que nada é mais capaz de expulsar a alma viril da sua fortaleza do que as blandícias femininas e o contato sexual. Logo, parece que nenhum ato venéreo pode praticar–se sem pecado.
2. Demais. – Todo excesso é vicioso, que nos priva do bem da razão, pois, tanto o excesso como o defeito destroem a virtude, diz Aristóteles. Ora, todo ato venéreo implica um excesso de prazer, que absorve a razão a ponto de ela não poder exercer–se, como ensina o Filósofo; e, adverte Jerônimo, no momento desse ato o espírito de profecia ausentava–se do coração dos profetas. Logo, nenhum ato venéreo pode deixar de ser pecado.
3. Demais. – A causa é superior ao efeito. Ora, o pecado original se transmite às crianças pela concupiscência, sem a qual não pode existir o ato venéreo, como claramente o diz Agostinho. Logo, nenhum ato venéreo pode existir sem pecado.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Respondemos suficientemente aos heréticos, se contudo compreenderem não ser pecado o ato que não colide com a natureza, nem contra os costumes, nem contra a lei. E se refere ao ato venéreo, pelo qual os antigos Patriarcas usavam de várias mulheres. Logo, nem todo ato venéreo é pecado.
SOLUÇÃO. – É pecado o ato humano contrario à ordem da razão era, a ordem racional exige, que tudo se ordene convenientemente para o fim. Logo, não há pecado quando racionalmente o homem usa de certas coisas, de acordo com o fim para o qual existem, de modo e em ordem convenientes, contanto que esse fim seja verdadeiramente bom. Ora, como é um verdadeiro bem conservar a natureza corporal de cada indivíduo, assim também é um bem excelente conservar–se a natureza da espécie humana. Ora, assim como para a conservação da vida individual é ordenado o uso da comida, assim, para a de todo o gênero humano a prática do ato venéreo. Donde o dizer Agostinho: O que é a comida para a vida individual é o ato venéreo para a vida do gênero humano. Portanto, como pode não haver pecado no uso dos alimentos, se procedermos do modo e na ordem devidos, como o exige a vida do corpo, também pode não haver pecado na prática dos atos venéreos se o fizermos do modo e na ordem convenientes, como o exige o fim da geração humana.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – De dois modos pode à virtude se opor um obstáculo. – Primeiro, quanto ao estado geral da virtude. E, então, só o pecado é obstáculo à virtude. – De outro modo, quanto ao perfeito estado virtuoso. E, então, o ato virtuoso pode ficar impedido por um ato, que não é pecado, mas é menos bom. E, neste sentido, o uso da mulher, nos priva a alma, não da virtude, mas da fortaleza, isto é, da perfeição virtuosa. Por isso diz Agostinho: Assim como era bom o que Marta fazia, ocupada no ministério dos santos, melhor porém procedia Maria, ouvindo a palavra de Deus; assim, louvamos o bem de Susana, na castidade conjugal, mas lhe antepomos o bem da viúva Ana e muito mais o de Maria Virgem.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Como dissemos, a mediedade virtuosa não se funda na quantidade mas, na conveniência com a razão reta. Por onde, a veemência do prazer, que existe no ato venéreo, ordenado pela razão reta, não contraria o meio termo da virtude. E, além disso, à virtude não concerne o quanto do prazer, que goza o sentido exterior, resultante da disposição do corpo, mas o quanto o sentido interior se apega aos prazeres. Nem o fato de a razão não poder coexistir e considerar as coisas espirituais, com os prazeres da carne, prova que esses prazeres contrariem à virtude. Pois, não é contrário à virtude deixarmo–nos às vezes nos privar do ato da razão por causa de outro ato que praticamos racionalmente; do contrário, quem se entregasse ao sono iria contra a virtude. E o não sujeitarem–se a concupiscência e os prazeres venéreos ao império e ao governo da razão, provém da pena do primeiro pecado: pois, a razão rebelando–se contra Deus, mereceu que a carne se rebelasse contra ela, como está claro em Agostinho.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como diz Agostinho no mesmo lugar, da concupiscência da carne, que aos regenerados não se lhes impute como pecado nasce, como filha dele, a prole, sujeita ao pecado original. Donde não se segue que o referido ato seja pecado nosso, mas que há nele algo de penal, derivado do primeiro pecado.