O primeiro discute–se assim. – Parece que a matéria própria da sobriedade não é a bebida.
1. – Pois, diz o Apóstolo: Não saibam mais do que convém saber, mas que saibam com sobriedade. Logo, a sobriedade também tem como matéria a sabedoria e não somente a bebida.
2. Demais. – A Escritura diz, que a sabedoria de Deus ensina a temperança e a prudência, a justiça e a fortaleza; onde a sobriedade é tomada pela temperança. Ora, a temperança tem como objeto não só a bebida, mas também a comida e os atos venéreos. Logo, a sobriedade não tem como matéria só a bebida.
3. Demais. – O nome de sobriedade parece derivado de medida. Ora, em tudo o que nos concerne, devemos observar a medida, como diz o Apóstolo: Vivamos neste século sóbrio, justa e piamente; ao que diz a Glosa: Sobriamente, no que nos concerne. E noutro lugar, ainda o Apóstolo: As mulheres em traje honesto, ataviando–se com modéstia e sobriedade; e assim, parece que a sobriedade concerne não só ao nosso interior, mas também ao que respeita ao habito exterior. Logo, a matéria própria da sobriedade não é a bebida.
Mas, em contrário, a Escritura: O vinho bebido com sobriedade é uma segunda vida para os homens.
SOLUÇÃO. – As virtudes, que recebem o nome de alguma condição geral da virtude, têm como objeto especial aquilo em que é muito difícil e ótimo observar essa condição; assim, a fortaleza, , os perigos mortais; e a temperança, os prazeres do tato. Ora, o nome de sobriedade é derivado de medida; pois, chama–se sóbrio quem observa a medida (em latim, bria). Por onde, a sobriedade tem especialmente como matéria aquilo em que é por excelência louvável observar a medida. Ora, tal é a bebida, capaz de embriagar; pois ao passo que o seu uso comedido aproveita muito, em pequeno excesso muito prejudica, porque impede o uso da razão, mais ainda que o uso dos alimentos. Por isso diz a Escritura: A bebida sóbria é a saúde da alma e do corpo. O vinho bebido com excesso traz consigo irritação e ira e muitas ruínas. Por onde, a sobriedade tem por objeto especialmente a bebida, não qualquer, mas aquela que pela sua fumosidade é de natureza a conturbar a cabeça, como o vinho e tudo o que pode embriagar. –– Mas, tomado em geral, o nome de sobriedade pode se aplicar a qualquer matéria, como dissemos acima, ao tratarmos da coragem e da temperança.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Assim como o vinho, embriaga o corpo, materialmente falando, assim também, em sentido metafórico, a contemplação da sabedoria é comparada à bebida inebriante, por nos atrair a alma com o seu prazer, conforme à Escritura: O meu cálice que embriaga, quão precioso é! Por isso por uma certa semelhança, a contemplação da sabedoria chama–se sobriedade.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Tudo o que propriamente respeita à temperança é necessário à vida presente e todo excesso é nocivo. Por isso, a tudo é preciso impor uma medida, sendo esse o papel da sobriedade. Daí o designar–se com o nome de sobriedade, a temperança. Mas, um pequeno excesso na bebida prejudica mais do que em outras matérias. Por onde, a sobriedade tem especialmente como objeto a bebida.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Embora a medida seja necessária em tudo, entretanto, não é em relação a tudo que tem propriamente lugar a sabedoria, mas, em matéria em que a medida é sobretudo, necessária.