O primeiro discute–se assim. – Parece que a gula não é pecado.
1. – Pois, diz o Senhor: Não é o que entra pela boca o que faz imundo o homem, – Ora, a gula concerne à comida, que nos entra pela boca. Logo, como todo pecado torna imundo o homem, parece que a gula não é pecado.
2. Demais. – Ninguém peca fazendo o que não pode evitar. Pois, diz Gregório: No comer o prazer se mistura com a necessidade, e não sabemos com certeza o que a necessidade pede e o que o prazer sugere. E Agostinho: Quem há Senhor, que por vezes não tenha comido mais do que o exige a necessidade? Logo, a gula não é pecado.
3. Demais. – Em todo gênero de pecado o primeiro movimento é pecado. Ora, o primeiro movimento, que nos leva a tomar comida, não é pecado; do contrário, a fome e a sede o seriam. Logo, a gula não é pecado.
Mas, em contrário, Gregório diz, que não podemos empreender o combate espiritual, se primeiro não domarmos o nosso inimigo interior, o apetite da gula. Ora, o nosso inimigo interior é o pecado. Logo, a gula é pecado.
SOLUÇÃO. – A gula não designa senão o apetite desordenado de comer e de beber. Ora, chama–se apetite desordenado o que se afasta da razão reta, no qual consiste o bem da virtude moral. Pois, denomina–se pecado o que contraria à virtude. Por onde, é claro que a gula é um pecado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O que nos entra pela boca como alimento, não nos torna imundo, espiritualmente, pela sua substância e natureza. Mas os Judeus, contra quem fala o Senhor, e os Maniqueus opinavam, que certos alimentos nos tornam imundos, não em sentido figurado, mas, pela natureza mesma deles. Contudo, a concupiscência desordenada de comer nos torna imundos espiritualmente.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Como dissemos, o vício da gula não consiste na substância do alimento, mas, na concupiscência não regulada pela razão. Por onde, quem se exceder na quantidade do alimento, não por concupiscência dele, mas por julgar que isso lhe é necessário, não cai em a gula, mas apenas numa inexperiência. Pois, só constitui gula o excedermos cientemente a medida no comer, pela concupiscência da alimentação agradável.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Há duas espécies de apetite. – Um, natural, concernente às potências da alma vegetativa; aí não pode haver virtude nem vício, porque elas não podem sujeitar–se à razão. Por isso, a virtude apetitiva se divide em retentiva, digestiva e expulsiva. E a esse apetite pertencem a fome e a sede. – Mas, há outro apetite sensitivo, na concupiscência do qual consiste o vício da gula. Por isso, o primeiro movimento da gula implica a desordenação do apetite sensitivo, o que não vai sem pecado.