O primeiro discute–se assim. – Parece que Túlio enumera inconvenientemente as partes da temperança, dizendo serem a continência, a clemência e a modéstia.
1. – Pois, a continência entra, por oposição, na mesma divisão que a virtude. Ora, a temperança está incluída na virtude. Logo, a continência não faz parte da temperança.
2. Demais. – Parece que a clemência mitiga o ódio ou a ira. Ora, a tal não respeita a temperança, cujo objeto são os prazeres do tato, como se disse. Logo, a clemência não faz parte da temperança.
3. Demais. – A modéstia supõe atos exteriores; por isso diz o Apóstolo: A vossa modéstia seja conhecida de todos os homens. Ora, os atos exteriores são matéria da justiça, como se estabeleceu. Logo, a modéstia é, antes, parte da justiça do que da temperança.
4. Demais. – Macróbio enumera muitas mais partes da temperança; assim, diz, que da temperança resultam a modéstia, a vergonha a abstinência, a castidade, a honestidade, a moderação, a parcimónia, a sobriedade, a pudicícia. E Andronico também diz que são próximas da temperança a austeridade, a continência, a humildade, a simplicidade, a boa ordem e a auto–suficiência. Logo, Túlio enumerou insuficientemente as partes da temperança.
SOLUÇÁO. – Como dissemos, qualquer virtude cardeal pode ter três partes: integrantes, subjetivas e potenciais.
Partes integrantes de uma virtude se chamam as condições, que devem concorrer para a existência dela. E, assim sendo, são duas as partes integrantes da temperança, a saber a vergonha, que nos faz evitar a desonestidade, contrária à temperança: e a honestidade, pela qual amamos a beleza da temperança. Pois, como do sobredito resulta, a temperança, dentre as outras virtudes, é sobretudo, a que exige uma refulgência particular; e os vícios dá intemperança são particularmente desonestos.
As partes subjetivas de uma virtude são as suas espécies. E, as espécies das virtudes hão de necessariamente diversificar–se pela diversidade da matéria ou do objeto. Ora, o objeto da temperança são os prazeres do tato, divididos em dois gêneros. Assim, uns se ordenam à nutrição. E destes, os que respeitam à comida são regulados pela abstinência; os que respeitam à bebida, propriamente, pela sobriedade. Outros se ordenam à potência geradora. E destes, o que se refere ao prazer principal do coito, em si mesmo, é regulado pela castidade; os que se referem às deleitações circunstantes, por exemplo, às consistentes na vista, nos contatos e nos abraços, são regulados pela pudicícia.
As partes potenciais de uma virtude principal se chamam virtudes secundárias, que observam, em certas outras matérias, que não oferecem dificuldade, o mesmo modo, que a virtude principal observa relativamente a uma principal matéria. Ora, é próprio da temperança moderar os prazeres do tacto, dificílimos
de o serem. Por onde, qualquer virtude, que introduz uma certa moderação, numa determinada matéria, e refreia o apetite tendente a um certo objeto, pode ser considerada parte da temperança, como virtude que lhe é adjunta.
O que de três modos pode dar–se: de um modo, quanto aos movimentos exteriores da alma; de outro, quanto aos movimentos exteriores e atos do corpo; de terceiro modo, quanto às causas exteriores.
Mas, além do movimento da concupiscência, refreado e moderado pela temperança, há na alma três movimentos com tendências determinadas. – O primeiro é o movimento da vontade impeli da pelo ímpeto da paixão. E esse movimento o refreia a continência; donde resulta que, embora o homem sofra concupiscências imoderadas, a vontade, contudo não é vencida. – O outro movimento interior com uma determinada tendência, é o da esperança e da audácia, dela resultante. E esse movimento o modera ou refreia a humildade. – O terceiro movimento é o da ira, que tende para a vindicta; e esse o refreia a mansidão ou a clemência.
Quanto aos movimentos ou atos corpóreos é a modéstia, que os modera e refreia. A qual Andronico divide em três partes. –– A primeira, delas é próprio discernir o que deve ser feito e o que não o deve; e a ordem em que devemos agir e a firme persistência no ato. E a isto chama a boa ordem. – A outra é a pela qual observamos a conveniência no que agimos. E a essa chama ornato. A terceira enfim é a que respeita à nossa sociedade com os amigos ou com quaisquer outros. E a essa chama austeridade.
Quanto às coisas exteriores devem elas ser reguladas por uma dupla moderação. – A primeira faz–nos não buscar o supérfluo. E a essa parte, chamada por Macróbio parcimónia, o é auto–suficiência, por Andronico. – A segunda faz–nos não buscar coisas demasiado esquisitas. – E a essa Macróbio chama–lhe moderação e Andronico, simplicidade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A continência difere da virtude, como o imperfeito, do perfeito, segundo a seguir se dirá. E, deste modo, entra na mesma divisão que a virtude. Mas, convém com a temperança pela matéria, porque versa sobre os prazeres do tato; e pelo modo, porque consiste em refreá–los. Por isso, é considerada convenientemente como parte da temperança.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A clemência ou mansidão não é considerada parte da temperança, pela conveniência de matéria, mas, por convir com ela no modo de refrear e moderar, como se disse.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Nos atos exteriores, a virtude considera o devido a outrem. O que a modéstia não considera, senão só uma determinada moderação. Por isso não é tida como parte da justiça, mas, da temperança.
RESPOSTA À QUARTA. – Túlio compreende na modéstia tudo o que pertence à moderação dos movimentos corporais e das coisas exteriores; e também à moderação da esperança, que dissemos pertencer à humildade.