O terceiro discute–se assim. – Parece que a verdade não faz parte da justiça.
1. – Pois, é próprio da justiça dar a outrem o que lhe é devido. Ora, parece que quem fala verdade nem por isso atribui a outrem o que lhe pertence, como se dá com todas às referidas partes da justiça. Logo, a verdade não faz parte da justiça.
2. Demais. – A verdade é o objeto elo intelecto. Ora, a justiça tem na vontade o seu sujeito, como se estabeleceu. Logo, a verdade não faz parte da justiça.
3. Demais. – Segundo Jerônimo, a verdade é susceptível de tríplice distinção: a verdade da vida, a da justiça e a da doutrina. Ora, nenhuma delas faz parte da justiça. Pois, a verdade da vida contém em si todas as virtudes, como se disse. Por seu lado, a verdade da justiça é o mesmo que a justiça e, portanto não faz parte dela. E enfim a verdade da doutrina constitui antes matéria das virtudes intelectuais. Logo, a verdade de nenhum modo faz parte da justiça.
Mas, em contrário, Túlio coloca a verdade entre as partes da justiça.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, é anexa à justiça, como uma virtude secundária à principal toda virtude que em parte convém com ela e em parte aparta–se–lhe da noção perfeita. Ora, a virtude da verdade convém com a justiça de dois modos. Primeiro, por ser relativa a outrem; pois, a manifestação do nosso pensamento, que dissemos ser um ato de verdade, é relativa a outrem, por manifestarmos a outrem aquilo que nos concerne. Segundo, porque a justiça estabelece uma certa igualdade real; o que também o faz a virtude da verdade, pois, adota os sinais às causas existentes, no concernente a cada um. Mas, não realiza a noção própria da justiça, quanto à ideia de débito. Pois, o objeto dessa virtude não é o débito legal, como o é da justiça, mas antes, o débito moral; enquanto que a honorabilidade de cada um de nós obriga–nos a falar verdade. Por onde, a verdade faz parte da justiça e lhe está anexa como virtude secundária à principal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Sendo o homem um animal social, naturalmente tem um homem os deveres para com outro sem os quais não pode a sociedade humana subsistir. Pois, os homens não poderiam conviver em sociedade se não acreditassem uns nas palavras· dos outros, como manifestativas da verdade do pensamento. Por onde, a virtude da verdade de certo modo implica a noção de débito.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A verdade, quando conhecida, é objeto do intelecto. Ora, o homem pela mesma vontade com que usa dos seus hábitos e dos seus membros, emprega sinais externos para manifestar a verdade. E sendo assim, a manifestação da verdade é ato da vontade.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A verdade de que agora tratamos difere da verdade da vida, como se disse. – E quanto à verdade da justiça, ela é susceptível de dupla acepção. A primeira, no sentido em que a justiça, em si mesma considerada, é de certo modo uma retidão regulada pela regra da lei divina. E neste sentido, a verdade da justiça difere da verdade da vida, pois, ao passo que esta é a que nos faz viver com retidão, relativamente a nós mesmos, a da justiça é a que nos leva a observar a retidão da lei ao julgar os outros. E, a esta luz, a verdade da justiça nada tem que ver com a verdade de que agora tratamos, como não o tem a verdade da vida. Noutro sentido, podemos entender a verdade da justiça, enquanto que, movidos pela justiça, manifestamos aos outros a verdade; por exemplo, quando confessamos a verdade em juízo ou depomos um testemunho verdadeiro. E a verdade neste sentido, é um ato particular de justiça. E não concerne diretamente à verdade de que agora tratamos, porque, nessa manifestação da verdade o que sobretudo visamos é dar a outrem o seu direito. Por isso o Filósofo, tratando dessa virtude diz: Não nos referimos ao que confessa verdade, nem ao que, em juízo, concerne à justiça ou à injustiça. – Quanto à verdade da doutrina, ela consiste, de certo modo, na manifestação da verdade que é objeto da ciência. Por isso, a verdade, neste sentido, constitui diretamente objeto dia virtude de que agora tratamos, mas só aquele pela qual nos manifestamos tais quais somos, em nossa vida e nossas palavras, não dizendo nem mais nem menos do que realmente somos. Contudo, como a verdade cognocível, quando por nós conhecida, nos concerne e nos diz respeito, por isso, a verdade da doutrina pode ser o objeto da verdade de que agora tratamos como o pode qualquer outra verdade pela qual manifestamos o que conhecemos, por palavras ou por obras.