O primeiro discute–se assim. – Parece que a verdade não é uma virtude.
1. – Pois, a primeira das virtudes é a fé, cujo objeto é a verdade. Ora, sendo o objeto anterior ao hábito e ao ato, parece que a verdade não é uma virtude, mas, algo de anterior a ela.
2. Demais. – Como diz o Filósofo, a verdade consiste em afirmarmos a realidade a respeito de nós mesmos, nem mais nem menos. Ora, isto nem sempre é louvável, tanto em relação aos nossos bons atos, como diz a Escritura – Seja um estranho o que te louve e não, a tua boca; quanto relativamente aos maus, pois, contra certos diz ainda a Escritura – Fizeram, como os de Sodoma, pública ostentação do seu pecado e não no encobriram. Logo, a verdade não é uma virtude.
3. Demais. – Toda virtude é teologal, intelectual ou moral. Ora, a verdade não é uma virtude teologal, porque tem corno objeto, não, Deus, mas os bens temporais. Pois, segundo Túlio, pela verdade diremos, sem nenhuma alteração. o que é, o que foi ou o que será. Nem tão pouco é uma das virtudes intelectuais, mas, o fim delas. E enfim não é uma virtude moral, por não ser uma mediedade entre um excesso e um defeito; pois, quanto mais dissermos a verdade tanto melhores seremos. Logo, a verdade não é uma virtude.
Mas, em contrário, o Filósofo a coloca entre as outras virtudes.
SOLUÇÃO. – A verdade pode ser tomada em duplo sentido. Primeiro, enquanto torna um dito verdadeiro. E então não é virtude, mas, o objeto ou o fim da virtude; pois, tomada nesse sentido, a verdade não é hábito, que é um gênero de virtude, mas, uma relação de igualdade entre o intelecto, ou o sinal, e a coisa interligada, ou a significada; ou ainda, entre a coisa e a sua regra, como dissemos na Primeira Parte. – Noutro sentido, pode chamar–se verdade o que nos leva a falar verdade, e faz com que nos chamem veraz. E tal verdade, ou veracidade, necessariamente é uma virtude; pois; o mesmo falar verdade é uma boa ação, porque a virtude nos tornam bons e boas as nossas obras.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A objeção colhe quanto à verdade tomada no primeiro sentido.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A confissão da verdade, a nosso respeito, corno tal, é um ato genericamente bom. Mas, isto não basta para esse ato ser virtuoso, que, além disso, deve revestir–se das circunstâncias devidas, a falta das quais torná–la–á vicioso. E, assim sendo, é mau louvarmo–nos a nós mesmos sem causa justa, mesmo se for verdade o que dissermos. E também o é manifestarmos o nosso pecado, como para nos gabarmos dele, ou de qualquer modo revelá–lo inutilmente.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Quem fala verdade usa de certos sinais – palavras, atos ou quaisquer manifestações exteriores conforme à realidade. Ora, tudo isso é objeto das virtudes morais, a que é próprio usar dos membros, em obediência ao império da vontade. Por onde, a verdade não é uma virtude teologal, nem intelectual, mas, moral. Pois, é uma mediedade entre um excesso e um defeito, de dois modos: quanto ao objeto e quanto ao ato. Em relação ao objeto, porque a verdade, por natureza, implica uma certa igualdade. Ora, esta é uma mediedade entre o mais e o menos. Por onde pelo fato mesmo de falarmos verdade, a nosso respeito, estamos num meio termo entre os que a dizem de si mesmo, mais e menos do que o deveriam. Quanto ao ato, estamos num meio termo, dizendo a verdade quando e como devemos. No excesso cai quem manifesta os seus atos inoportunamente: e peca por defeito quem os oculta quando devia manifestá–los.