O primeiro discute–se assim. – Parece que o respeito não é uma virtude especial distinta das outras.
1. – Pois, as virtudes se distinguem pelos seus objetos. Ora, o objeto do respeito não difere do da piedade filial, conforme diz Túlio: Pelo respeito prestamos um certo culto e uma certa honra aos que nos são superiores pela dignidade. Ora, o culto e a honra também a piedade filial os Presta aos pais, que tem maior dignidade que os filhos. Logo, o respeito não é uma virtude distinta da piedade.
2. Demais. – Assim como devemos honrar e cultuar às pessoas constituídas em dignidade, assim também às excelentes pela virtude e pela ciência. Ora, não é por causa de nenhuma virtude especial que honramos e cultuamos aos que tem a excelência da ciência ou da virtude. Logo, também não é por causa de nenhuma virtude especial que cultuamos e honramos aos superiores a nós em dignidade.
3. Demais. – A lei nos obriga a pagar o muito que devemos aos homens constituídos em dignidade conforme aquilo do Apóstolo: Pagai a todos o que lhes é devido: a quem tributo, etc. Ora, os deveres a que a lei obriga são de justiça legal ou especial. Logo, o respeito não é, em si mesmo, uma virtude especial diversa das outras.
Mas, em contrário, Túlio coloca o respeito na mesma divisão em que entram as outras partes da justiça, que são virtudes especiais.
SOLUÇÃO. – Como do sobredito resulta, as virtudes devem distinguir–se, numa certa ordem descendente, conforme à excelência das pessoas para com as quais temos algum dever. Pois, assim como o nosso pai carnal participa, de maneira particular, da natureza de princípio, que Deus tem de modo universal, assim também, a pessoa, que de algum modo exerce a providência para conosco, participa particularmente da propriedade do pai. Porque o pai é o principio da geração, da educação, do ensino e de tudo o que constitui a perfeição da vida humana. Ora, uma pessoa constituída em dignidade é como um princípio do governo, relativamente aos mais; assim, o chefe do Estado, em relação à ordem civil, o chefe do exército, nas causas da guerra, o mestre, em matéria de ensino e assim por diante. Por isso essas pessoas se chamam pais, por semelhança de ofício. Assim, os escravos de Naaman lhe disseram: Pai, ainda quando o profeta te houvesse ordenado uma causa muito difícil, etc. E portanto, assim como à religião, pela qual cultuamos a Deus, pertence, numa certa ordem, à piedade filial, pela qual cultuamos aos pais; assim: também a piedade filial inclui o respeito, pela qual prestamos culto e honra às pessoas constituídas em dignidade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Como dissemos, a religião, por uma certa sobreeminência, se chama piedade filial; e contudo esta, propriamente falando, se distingue daquela. Assim também, a piedade filial, por uma certa excelência, pode chamar–se respeito, e contudo o respeito propriamente dito distingue–se da piedade.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Quem está constituído em dignidade não só se acha num estado de excelência, mas, tem um certo poder de governar a súblitos. Por isso, exerce a função de princípio, enquanto governador dos antros. Ora, quem possui a perfeição da ciência ou da virtude nem por isso exerce o papel de princípio em relação aos outros, mas, tem apenas uma excelência só para si. Por onde, é uma virtude especial a que determina prestemos honra e culto aos constituídos em dignidade. Mas, como a ciência, a virtude e outros atributos semelhantes nos tornam capazes de um estado de dignidade, a reverência que nos prestam por qualquer excelência se funda numa mesma virtude.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A justiça especial propriamente dita, nos manda dar uma parte igual ao que alguma causa é devida. O que não pode dar–se para com os virtuosos ou os que usam bem do seu estado de dignidade, como também não o pode para com Deus e os pais. Por isso, aí intervém uma virtude adjunta à justiça, mas não, à justiça especial, que é uma virtude principal. E quanto à justiça legal, ela se estende aos atos de todas as virtudes, como dissemos antes.