O terceiro discute–se assim. – Parece que a piedade filial não é uma virtude especial distinta das outras.
1. – Pois, o amor é que nos leva a prestar serviço e culto a certas pessoas. Ora, esse é o objeto da piedade. Logo, a piedade não é uma virtude distinta das outras.
2. Demais. – Prestar culto a Deus é próprio da religião. Ora, também a piedade presta culto a Deus, como diz Agostinho. Logo, a piedade não difere da religião.
3. Demais. – A piedade, que presta culto e serviços à pátria, parece ser o mesmo que a justiça legal, que tem por objeto o bem comum. Ora, a justiça legal é uma virtude geral, como diz o Filósofo. Logo, a piedade não é uma virtude especial.
Mas, em contrário, Túlio a considera uma parte da justiça.
SOLUÇÃO. – Uma virtude é especial quando recai sobre um objeto, segundo uma noção especial. Ora, a justiça, mandando, por natureza, dar a outrem o que lhe pertence, é uma virtude especial sempre que é especial a noção de débito para com outrem. Ora, devemos certas coisas especialmente a alguém, como ao princípio conatural que nos deu o ser e nos governa. E esse princípio é o objeto da piedade, enquanto presta serviço e culto aos pais e à pátria e a tudo o que a eles se refere. Logo, a piedade é uma virtude especial.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Assim como a religião é manifestação da fé, da esperança e da caridade, pelas quais o homem primariamente se ordena para Deus, assim, a piedade é manifestação da caridade que temos para com os pais e a pátria.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Deus é, de modo muito mais excelente que os pais ou a pátria, o princípio que nos deu o ser e nos governa. Por isso, a religião, que presta culto a Deus, é uma virtude diferente da piedade, que o presta aos pais e à pátria. Ora, o que é próprio à criatura se transfere a Deus, por superexcelência e causalidade, como diz Dionísio. Por isso, piedade se chama por excelência o culto de Deus; assim como Deus é chamado por excelência nosso pai.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A piedade se estende à pátria, enquanto esta é princípio da nossa existência; ao passo que a justiça legal visa o bem da pátria, enquanto bem comum. Logo, a justiça legal tem, mais que a piedade, a natureza de virtude geral.