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Art. 1 — Se se devem admitir várias pessoas em Deus.

(I Sent., dist. II, 4; dist. XXIII, a. 4; De Pot., q. 9, a. 5; Compend, Theol., cap. L, LV; Quold. VII, q. 3, a. 1).
 
O primeiro discute-se assim. — Parece que não se devem admitir várias pessoas em Deus.
 
1. — Pois, pessoa é uma substância individual de natureza racional. Ora, se em Deus há várias pessoas, segue-se que há várias substâncias, o que é herético.
 
2. Demais. — A pluralidade das propriedades absolutas não gera distinção de pessoas, nem em Deus nem em nós. Logo, com muito maior razão, a pluralidade de relações. Ora, em Deus não há outra pluralidade além da das relações, como antes se disse1. Logo, não se pode dizer que há em Deus várias pessoas.
 
3. Demais. — Boécio, falando de Deus diz que é verdadeiramente uno o que não é susceptível de número nenhum2. Ora, a pluralidade implica o número. Logo, não há várias pessoas em Deus.
 
4. Demais. — Onde quer que haja número, aí haverá todo e parte. Ora, se em Deus há número de pessoas, será preciso nele introduzir o todo e a parte, o que repugna à divina simpli­cidade.
 
Mas, em contrário, Atanásio: Uma é a pes­soa do Padre, outra a do Filho, outra a do Espí­rito Santo3. Logo, Padre, Filho e Espírito Santo são várias pessoas.
 
Solução. — Do que já estabelecemos4, resulta haver em Deus várias pessoas. Pois, foi demons­trado que o nome de pessoa significa, em Deus, relação, como realidade subsistente na divina natureza. Ora, já provamos5 que há várias re­lações reais em Deus. Donde se segue a exis­tência de várias realidades subsistentes na divina natureza, e isto é o mesmo que existirem nela várias pessoas.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Na definição da pessoa não se introduz a subs­tância como significando essência, mas como suposto; o que é manifesto por se lhe acrescen­tar individual. E para exprimir a substância, com tal significação, os Gregos têm o nome de hipóstase; por isso, como nós dizemos três pes­soas, dizem eles três hipóstases. Nós, porém, não nos acostumamos a dizer três substâncias para se não entenderem três essências, por causa da equivocação do nome.
 
Resposta à segunda. — As propriedades absolutas em Deus, como a bondade e a sapiên­cia, mutuamente se não opõem e por isso nem realmente se distinguem. Embora, pois, lhes convenha o subsistir, não são por isso três reali­dades subsistentes, por onde seriam várias pes­soas. Mas, nas coisas criadas, as propriedades absolutas, como a brancura e a doçura, não subsistem, embora realmente entre si se distingam. Em Deus, porém, as propriedades relativas sub­sistem, e realmente se distinguem umas das outras, como antes se disse6. Donde, a plurali­dade de tais propriedades basta para causar a das pessoas divinas.
 
Resposta à terceira. — A suma unidade e simplicidade de Deus excluem toda a plurali­dade das atribuições absolutas; não porém a das relações. Porque estas se predicam de uma coisa dependentemente de outra, e assim não importam composição na coisa a que se atri­buem, como ensina Boécio no mesmo livro7.
 
Resposta à quarta. — Há duas sortes de número: o simples ou absoluto, como dois, três, quatro; e o existente nas coisas numeradas, como dois homens e dois cavalos. Se, pois, con­siderarmos o número absoluta ou abstrata­mente, nada impede existir em Deus todo e parte; mas isto só se dá na acepção do nosso intelecto, pois só neste existe o número absoluto, separado das coisas numeradas. Se, porém, considerarmos o número enquanto nestes exis­tente, então, no mundo das criaturas, um é parte de dois, e dois, de três; e um homem, de dois, e dois, de três. Mas em Deus não é assim porque tanto é o Pai quanto toda a Trindade, como a seguir se demonstrará8.  

  1. 1. Q. 28 a. 3.
  2. 2. De Trin., c. 3.
  3. 3. In Symb. Quicumque.
  4. 4. Q. 29, a. 4.
  5. 5. Q. 28, a. 1, 3, 4.
  6. 6. Q. 28, a. 3; q. 29, a. 4.
  7. 7. Cap. 6.
  8. 8. Q. 42, a. 4 ad 3.
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