(I Sent., dist. XXIII, a. 2; De Pot., q. 9, a. 3).
O terceiro discute-se assim. — Parece que não deve ser aplicado a Deus o nome de pessoa.
1. — Pois, Dionísio diz: Universalmente falando, não devemos ousar dizer ou pensar nada, a respeito da divindade oculta e supersubstancial, exceto o que nos foi divinamente revelado pelas Sagradas Letras. Ora, o nome de pessoa não nos é expresso, na Sagrada Escritura, nem em o Novo nem no Velho Testamento. Logo, não se deve aplicar a Deus o nome de pessoa.
2. Demais. — Boécio diz: O nome de pessoa originou-se das pessoas que representavam certos homens, nas comédias e nas tragédias. Pois pessoa vem de personar, porque necessàriamente numa concavidade o som se desenvolve mais intenso. Os Gregos, porém, chamavam a tais pessoas – prósopa(máscaras), por se colocarem na face e, estando diante dos olhos, ocultarem o vulto. Mas tal nome só metaforicamente talvez possa convir a Deus. Logo, o nome de pessoa só metaforicamente se aplica a Deus.
3. Demais. — Toda pessoa é hipóstase. Ora, o nome de hipóstase parece não convir a Deus; pois, ela é, segundo Boécio, o que substá aos acidentes, que em Deus não existem. E Jerônimo também diz que o nome de hipóstase esconde o veneno debaixo do mel. Logo, o nome de pessoa se não deve aplicar a Deus.
4. Demais. — Ao que não convém uma definição também não convém o definido. Ora, a definição referida de pessoa parece não convir a Deus. Quer por importar a razão o conhecimento discursivo, que, não convindo a Deus, como se demonstrou, não pode Deus ser dito de natureza racional. Quer também porque Deus se não pode chamar substância individual; pois, de um lado, o princípio de individuação é a matéria e Deus é imaterial; e, de outro, Deus, não substando aos acidentes, não se pode chamar substância. Logo, o nome de pessoa não se deve aplicar a Deus.
Mas, em contrário, o símbolo de Atanásio diz: Uma é a pessoa do Pai, outra á do Filho, outra a do Espírito Santo.
Solução. — Pessoa significa o que há de mais perfeito de toda a natureza, i. é, o que subsiste em a natureza racional. Donde, como se devem atribuir a Deus todas as perfeições, pois a sua essência as contêm todas, devemos aplicar-lhe o nome de pessoa. Não porém do mesmo modo pelo qual o aplicamos à criatura, mas de modo mais excelente, como se dá com os outros nomes impostos à criatura e atribuídos a Deus, conforme demonstramos quando tratamos dos nomes divinos.
Donde a resposta à primeira objeção. — Embora a Escritura, tanto no Velho como no Novo Testamento, não aplique a Deus o nome de pessoa, contudo, o que o nome significa muitas vezes nela o encontramos, aplicado a Deus, a saber, que é por excelência o ser existente por si mesmo e perfeitíssimamente inteligente. Pois, se a Deus somente devêssemos aplicar necessariamente as palavras que dele diz a Sagrada Escritura, seguir-se-ia que nunca poderíamos falar de Deus em língua diversa daquela em que primeiro foi transmitida a Escritura do Velho e do Novo Testamento. Ora, a necessidade de disputar com os heréticos obrigou a fé antiga a buscar novos nomes aplicáveis a Deus. E nem tal novidade se devia evitar, que não é profana, por não se desviar do sentido das Escrituras. Pois, o Apóstolo ensina que devemos evitar as palavras de novidade profana (1 Ti 6, 20).
Resposta à segunda. — Embora o nome de pessoa não convenha a Deus, considerando-se a origem desse nome, contudo convém-lhe soberanamente pelo seu conteúdo. Pois, de serem representados nas comédias e nas tragédias certos varões famosos, veio a usar-se o nome de pessoa para significar os homens revestidos de certa dignidade; e dai o costume de se chamarem pessoas, nas igrejas, aos que têm alguma dignidade. Por isso certos definem como pessoa a hipóstase com propriedade distinta pertencente à dignidade. E como muito digno é o subsistir em a natureza racional, por isso se chama pessoa todo individuo de natureza racional, como vimos. Ora, a dignidade da natureza divina, excedendo toda dignidade, também, a esta luz, convém a Deus o nome de pessoa, por excelência.
Resposta à terceira. — O nome de hipóstase, considerada a causa que deu origem a esse nome, não convém a Deus, pois, não é substância de acidentes. Mas, lhe convém se considerarmos o seu conteúdo, pois, foi imposto para significar um ser subsistente. E Jerônimo diz que nesse nome se oculta o veneno, porque antes de claramente conhecida a sua significação, entre os latinos, os helênicos dele usavam para enganar os simples e os levar a admitir várias essências, desde que admitiam várias hipóstases, pois o nome de substância, ao qual corresponde em grego o de hipóstase comumente é tomado, entre nós, no sentido de essência.
Resposta à quarta. — Deus pode chamar-se natureza racional, enquanto razão não implica discurso, mas a natureza intelectual em geral. Mas ser indivíduo não pode convir a Deus, considerada a matéria como princípio de individuação, senão somente enquanto implica a incomunicabilidade. A substância, porém, convém a Deus, por significar ela o que existe por si. Alguns, contudo, dizem que a referida definição de Boécio, não é definição de pessoa no sentido em que dizemos haver pessoas em Deus. E por isso Ricardo de São Vitor, querendo corrigir essa definição, disse que a pessoa, quando se trata de Deus, é a existência incomunicável da natureza divina.