O primeiro discute–se assim. – Parece que no estado de inocência, não havia geração.
1. – Pois, como diz Aristóteles, a corrupção é contrária à geração. Ora, os contrários não podem recair sobre o mesmo objeto. Logo, no estado de inocência não havia corrupção e, portanto nem geração.
2. Demais. – A geração tem por fim fazer com que seja conservado, na espécie, o que não pode ser individualmente conservado; e por isso não há geração para os indivíduos que duram perpetuamente. Ora, no estado de inocência o homem viveria perpetuamente, sem morrer. Logo, nesse estado não havia geração.
3. Demais. – Os homens se multiplicam pela geração. Ora, entre muitos donos é necessário fazer–se a divisão das propriedades para se evitar a confusão de domínio. Logo, tendo o homem sido instituído senhor dos animais, daí resultaria, multiplicado o gênero humano pela geração, a divisão do domínio. O que é contrário ao direito natural, pelo qual, como diz Isidoro, todas as coisas são comuns. Logo, não havia geração no estado de inocência.
Mas, em contrário, diz a Escritura: Crescei e multiplicai–vos e enchei a terra. Ora, essa multiplicação não podia dar–se sem nova geração, pois, foi criado no princípio só um casal. Logo, no primitivo estado havia geração.
SOLUÇÃO. – No estado de inocência haveria geração, para a multiplicação do gênero humano; do contrário o pecado do homem, de que resultou tão grande bem, teria sido muito necessário. Por onde, devemos considerar que o homem, pela sua natureza, foi constituído um como meio entre as criaturas corruptíveis e as incorruptíveis; pois, ao passo que a sua alma é naturalmente incorruptível, o corpo é naturalmente corruptível. Mas devemos atentar em que uma é a intenção da natureza, em relação às coisas corruptíveis, e outra, em relação às incorruptíveis, Ora, o que é da intenção da natureza é sempre e perpetuamente; ao passo que o que existe só temporariamente não é da intenção dela, principalmente, mas é ordenado para outro fim; pois, do contrário, a intenção ficaria anulada, Com a corrupção do que é temporário. Como, pois, das coisas corruptíveis, nada é perpétuo e permanece sempre, salvo a espécie, o bem desta está na intenção principal da natureza, e para a conservação dele se ordena a geração natural. As substâncias incorruptíveis, porém, permanecendo sempre, não só específica, mas ainda individualmente, nelas os próprios indivíduos estão na intenção principal da natureza. Assim pois o homem, em relação ao corpo corruptível por natureza, tem a geração; quanto à alma incorruptível, porém, a multidão dos indivíduos é em si, da intenção da natureza, ou antes, do autor da natureza, que, só, é o Criador das almas humanas. Por isso, para a multiplicação do género humano ele estabeleceu a geração, mesmo no estado de inocência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O corpo do homem, em si, no estado de inocência, era corruptível; mas, podia ser preservado da corrupção, pela alma. Por onde, não devia ser subtraída ao homem a geração, devida aos seres corruptíveis.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A geração, no estado de inocência, embora não fosse por causa da conservação da espécie, seria, todavia, por causa da multiplicação dos indivíduos.
RESPOSTA À TERCEIRA. – No estado atual, multiplicados os donos, necessário é que se faça a divisão das propriedades, pois, como diz o Filósofo, a comunidade da propriedade é ocasião da discórdia. Mas no estado de inocência, as vontades dos homens seriam ordenadas de modo tal, que sem nenhum perigo de discórdia usufruiriam em comum, na medida em que coubesse a cada um, das coisas que lhes estivessem sujeitas ao domínio; pois que, ainda agora, tal se observa entre muitos homens bons.