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Art. 4 — Se Deus pode tornar o passado inexistente.

(IIa IIae, q. 152, a 3, ad 3; I Sent., dist. XLII, q. 2, a. 2; II Cont. Gent., cap. XXV; De Pot., q. 1, a. 3, ad 3; Quodl., V, q. 7, a. 1; VI Ethic., 1ecl. II).
 
O quarto discute-se assim. — Parece que Deus pode tornar o passado inexistente.
 
1. — Pois, o impossível por si é mais impos­sível que o por acidente. Ora, Deus pode fazer o impossível por si, como, dar vista a um cego ou ressurgir um morto. Logo, com maior ra­zão, pode fazer o impossível por acidente. Ora, o passado não ter sido é impossível por aciden­te; por ex., só por ser já passado, é acidental­mente impossível Sócrates não correr. Logo, Deus pode tornar o passado inexistente.
 
2. Demais. — Como o seu poder não dimi­nui, tudo o que Deus pôde fazer ainda o pode. Ora, antes de Sócrates ter corrido, Deus podia fazer com que não corresse. Logo, depois que correu, pode fazer com que não tenha corrido.
 
3. Demais. — A caridade é maior virtude que a virgindade. Ora, Deus pode reparar a ca­ridade perdida. Logo, também a virgindade. E, portanto pode fazer com que não seja corrupta aquela que o foi.
 
Mas, em contrário, Jerônimo: Deus, que pode tudo, não pode tornar virgem uma corrupta1. Logo, pela mesma razão, não pode fazer com que o passado não seja.
 
Solução. — O poder de Deus, como disse­mos2, não abrange o que implica contradição. Ora, o passado não ter sido implica contradição. Pois, assim como a implica dizer que Sócrates está e não está sentado, assim também que esteve e não esteve sentado. Porque, se dizer que esteve sentado é enunciar um passado, dizer que não o esteve é enunciar o que não se deu. Por onde, não está no poder divino tor­nar inexistente o passado. E é o que diz Agos­tinho: Quem diz: se Deus é onipotente torne o feito não feito, não vê que diz: se é onipotente torne falso o que em si é verdadeiro3. E o Filósofo: Deus só está privado de tornar o feito não feito4.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — É impossível, por acidente, o passado não ter sido, considerando-se o passado, i. é, a corrida de Sócrates. Contudo, considerando o passado, como tal, é impossível a inexistência, não só em si mesma, mas absolutamente, por implicar con­tradição. E assim, é mais impossível do que ressurgir um morto, que não a implica, e se chama impossível relativamente ao poder natu­ral. Ora, impossíveis como este estão no poder de Deus.
 
Resposta à segunda. — Deus, pela perfeição do seu poder, pode tudo, mas lhe escapa à po­tência o que não tem natureza de possível. Assim também, se atendermos à imutabilidade do seu poder, Deus pode tudo o que pôde; porém, certas coisas que, antes quando eram factíveis, tinham a natureza de possível, já não a têm quando feitas. E, então dizemos que não as pode, por não poderem elas ser feitas.
 
Resposta à terceira. — Embora Deus possa remover toda corrupção da alma e do corpo da mulher corrupta, todavia, não pode fazer com que não tenha sido corrupta; como também não pode fazer com que um pecador não o tenha sido e que não tivesse perdido a caridade.

  1. 1. De Custodia Virginit., ad Eustoch., ep. 22.
  2. 2. Q. 25, a. 3.
  3. 3. Contra Faustum, lib. XXVI.
  4. 4. VI Ethic.
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