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Art. 6 – Se a Imagem de Deus está no homem só quanto à alma.

O sexto discute–se assim. – Parece que a imagem de Deus não está no homem só quanto à alma.

1. Pois, como diz a Escritura o homem é a imagem de Deus, Ora, o homem não é somente. Logo, a imagem de Deus não está só na alma.

2. Demais. – A Escritura diz: Criou Deus o homem à sua imagem, ele o criou à imagem de Deus; macho e fêmea os criou. Ora, a distinção entre macho e fêmea é corporal. Logo, a imagem de Deus está no homem também corporalmente e não só quanto à alma.

3. Demais. – A imagem é considerada, principalmente, em relação à figura. Ora, esta diz respeito ao corpo, Logo, a imagem de Deus está no homem também corporalmente, e não só quanto à alma.

4. Demais. – Como diz Agostinho, há em nós tríplice visão: a corporal, a espiritual, ou imaginária, e a intelectual. Se pois, relativamente à visão intelectual, que pertence à mente, há alguma trindade em nós, enquanto somos à imagem de Deus; por idêntica razão o mesmo se dá com as outras visões.

Mas, em contrário, diz a Escritura: Renovai­vos pois no espírito do vosso entendimento, e vesti–vos do homem novo. Pelo que se dá a entender, que a nossa renovação que se opera segundo a vestimenta do homem novo, pertence à mente. Mas, noutro passo diz: E revestindo–se do novo, que é aquêle que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou; onde a renovação, quanto à vestimenta do homem novo, é atribuída à imagem de Deus. Logo, ser à imagem de Deus diz respeito só à alma.

SOLUÇÃO. – Embora haja, em todas as criaturas, certa semelhança de Deus, só na criatura racional se encontra essa semelhança ao modo de imagem, como antes já se disse; ao passo que, nas outras, ao modo de vestígio.

Ora, é pelo intelecto ou mente que a criatura racional excede as outras criaturas. Donde resulta que, na própria criatura racional, a imagem de Deus só existe, quanto à mente; porém, em outras partes que tenha essa criatura, há a semelhança de vestígio, assim como nos outros seres aos quais, quanto a tais partes, ela é assimilada.

E a razão disto pode ser manifestamente conhecida, a tendendo–se ao modo pelo qual representa o vestígio e o pelo qual representa a imagem. A imagem representa por semelhança específica, como antes já se disse. Ao passo que o vestígio é como o efeito, que representa a sua causa sem que o seja pela semelhança específica; assim as impressões deixadas pelo movimento dos animais chamam–se vestígios, e, semelhantemente, a cinza considera–se vestígio do fogo, e a desolação de um país, vestígio do exército inimigo.

Ora, a diferença referida pode ser considerada relativamente às criaturas racionais e às outras, e também à representação, naquelas, não só da semelhança da divina natureza como também da Trindade incriada. – Assim no atinente à semelhança da natureza divina, as criaturas racionais se consideram como realizando, de certo modo, a representação específica por imitarem a Deus, não só quanto ao ser e à vida, mas também quanto ao inteligir, como antes já se disse. Ao passo que as outras criaturas não inteligem, mas trazem em si um como vestígio do intelecto produtor, se se atender à disposição delas. – Semelhantemente, como a Trindade incriada se distingue, quanto à processão do verbo, da Pessoa dicente, e à do Amor, de arribas, conforme já se demonstrou; a criatura racional, na qual existe a processão do verbo, quanto ao intelecto, e a do amor, quanto à vontade, pode–se dizer que é a imagem da Trindade incriada, por uma certa representação específica. Enquanto que nas outras criaturas não existe o princípio do verbo, o verbo e o amor, mas manifestam certo vestígio de que essas distinções existam na causa produtora. Pois o fato mesmo de ter a criatura uma substância limitada e finita mostra que é proveniente de algum principio. Enquanto que a espécie em si da criatura revela o verbo que a fez, como a forma da casa revela a concepção do artífice. E por fim, a ordem demonstra o amor de quem a produziu, pelo qual o efeito se ordena para o bem, assim como o uso do edifício demonstra a vontade do artífice.

Assim, pois, há no homem a semelhança de Deus, por meio da imagem, no que diz respeito à mente; mas, no respeitante às outras partes, por meio do vestígio.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Diz–se que o homem é a imagem de Deus, não por ser essencialmente imagem, mas por trazer no espírito impressa tal imagem; assim como se diz que a moeda é a imagem de Cesar, por ter a imagem deste. Por onde, não é necessário introduzir a imagem de Deus em qualquer parte do homem.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Como refere Agostinho, alguns viram a imagem de Deus no homem, não relativamente a um só indivíduo, mas a vários. Assim, diziam que o varão representa a pessoa do Padre; a do Filho é representada pelo que procede do varão por nascimento; e a terceira pessoa, como o Espírito Santo, diziam é a mulher que procede do varão sem ser dele filho ou filha. Mas esta opinião é visivelmente absurda. Primeiro, porque levaria a concluir que o Espírito Santo é o principio do Filho, como a mulher é o princípio da prole nascida do homem. Segundo, porque um homem não seria à imagem senão de uma Pessoa. Terceiro, porque então a Escritura não devia ter mencionado a imagem de Deus no homem, senão depois da prole já produzida. – E, portanto, deve admitir–se, que a Escritura, depois de ter dito: Criou Deus o homem à sua imagem, acrescentou: macho e fêmea os criou não considerando a imagem de Deus quanto às distinções dos sexos, mas porque essa imagem é comum a ambos os sexos, por estar na mente, na qual não há distinção de sexos. Por isso a Escritura, depois de ter dito: Segundo a imagem daquele que o criou, acrescentou: não há macho nem fêmea.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Embora a imagem de Deus não esteja no homem pela figura corpórea, contudo, no dizer de Agostinho, como só o corpo do homem entre os corpos dos animais terrestres, não é estirado e inclinado sôbre o ventre, mas é tal que se torna mais apto a contemplar o céu, por isto pode–se com razão, admitir que tal corpo foi feito à imagem e à semelhança de Deus, mais que os corpos dos outros animais, o que contudo não se deve entender como se no corpo do homem estivesse a imagem de Deus, mas que a figura mesma do corpo humano representa, como vestígio, a imagem de Deus na alma.

RESPOSTA À QUARTA. – Tanto na visão corpórea, como na imaginária, manifesta–se uma certa trindade, como diz Agostinho. Assim, na visão corpórea, há primeiro, a espécie do corpo exterior; segundo, a visão mesma, que nasce da impressão de certa semelhança da predita espécie, na vista; terceiro, a intenção da vontade, que aplica a vista à visão, detendo–a na cousa vista. Semelhantemente, na visão, imaginária há, primeiro, a espécie, conservada na memória; segundo, a visão imaginária, proveniente de que o acume da alma, isto é, a virtude imaginária, é informado pela referida espécie; e, terceiro, há a intenção voluntária, que une a ambas. Ora, ambas essas trindades são deficientes, relativamente à essência da divina imagem. Pois, a espécie do corpo exterior está fora da natureza da alma. E a espécie que está na memória, embora não seja exterior à alma, é lhe contudo adventícia. E assim, de ambos os lados, é deficiente a representação da conaturalidade e da coeternidade das divinas Pessoas. Quanto à visão corpórea, ela não procede somente da espécie do  corpo exterior, mas simultaneamente com esta, do sentido do vidente. E semelhantemente, a visão imaginária não só procede da espécie conservada na memoria, mas também da virtude imaginativa.

Assim que, por aí, não é representada convenientemente a processão do Filho, só do Pai. E quanto à intenção da vontade, que une as duas visões referidas, ela destas não procede, nem na visão corpórea, nem na espiritual. Por onde, não é convenientemente representada a processão do Espírito Santo, do Pai e do Filho. 

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