O primeiro discute–se assim. – Parece que a alma não foi feita, mas é da substância de Deus.
1. – Pois, diz a Escritura: Formou pois o Senhor Deus o homem do barro da terra, e inspirou no seu rosto um assopro de vida, e foi feito o homem em alma vivente. Ora, quem inspira emite algo de si. Logo a alma, pela qual o homem vive, é algo da substância de Deus.
2. Demais. – Como se estabeleceu antes, a alma é uma forma simples. Ora, a forma é ato, Logo, a alma é ato puro, o que só Deus é. Logo, a alma é da substância de Deus.
3. Demais. – Seres que existem e de nenhum modo diferem são idênticos. Ora, Deus e a alma existem e de nenhum modo diferem; porque, do contrário, seria necessário se diversificassem por algumas diferenças e, então, seriam compostos. Logo, Deus e a alma humana são idênticos.
Mas, em contrário, Agostinho enumera certas opiniões que diz serem muito e abertamente perversas e contrárias à fé católica; entre as quais a primeira é a dos que ensinam que Deus fez a alma, não do nada, mas de .li mesmo,
SOLUÇÃO. – Considerar a alma como da substância de Deus é opinião que encerra manifesta improbabilidade. Pois, como resulta do que já foi dito, a alma é, ora, potencial na sua intelecção haurindo a ciência, de certo modo, nas coisas; e tem diversas potências; o que tudo é alheio à natureza de Deus, que é ato puro, nada recebe de nenhum outro ser e não encerra em si nenhuma diversidade, como ficou provado antes. – Mas parece que esse erro se originou de duas opiniões, entre os antigos. Pois, os primeiros que começaram a investigar a natureza das coisas, não podendo ultrapassar os dados da imaginação, ensinaram que, além dos corpos, nada mais existe. E, por isso, consideravam Deus um determinado corpo, tendo–o como princípio dos outros corpos. E, concebendo a alma como da natureza desse corpo, considerado como princípio, conforme refere Aristóteles, concluíam que ela é da substância de Deus. Também os Maniqueus, conforme essa opinião, considerando Deus como uma luz material, ensinavam que a alma é uma parte dessa luz, ligada ao corpo. Ulteriormente, porém, outros conceberam a existência de um ser incorpóreo, não todavia separado do corpo, mas forma deste. Donde, o dizer Varrão que Deus é uma alma que governa o mundo, pela intuição ou movimento, e pela razão, segundo refere Agostinho. Assim, pois, certos ensinavam que a alma humana é parte dessa alma total, como o homem o é do mundo total, não conseguindo distinguir intelectualmente os graus das substâncias espirituais senão pelas distinções dos corpos, Ora, todas essas opiniões são insustentáveis, como ficou provado antes. Por onde, é manifestamente falso que a alma seja da substância de Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Não se deve tomar a palavra inspirar em acepção material. Mas o inspirar de Deus é o mesmo que produzir o espírito; embora o homem, inspirando corporalmente, não emita nada da sua substância, mas algo de uma natureza estranha.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Embora a alma seja uma forma simples, por essência, esta essência, contudo, não é a sua existência; mas a alma é um ente por participação, como se vê pelo que foi dito antes. Logo, não é ato puro, como Deus.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O diferente, em acepção própria, por algo difere; por isso busca–se diferença onde há conveniência. Por onde, entes diferentes hão de ser, de certo modo, compostos, pois diferem, por um lado e convêm por outro. Mas, conforme esta doutrina, embora todo diferente seja diverso, contudo, nem todo diverso é diferente, como diz Aristóteles. Pois, os seres simples são diversos, entre si mesmos; não diferem, porém por quaisquer diferenças das quais fossem compostos. Assim, o homem e o asno diferem pelas diferenças de racional e irracional, das quais não se pode dizer que difiram, ulteriormente, por outras diferenças.