(I Sent., dist. XXXIX, q. 2; De Verit., q. 5, a. 1, 2).
O primeiro discute-se assim. — Parece que a providência não convém a Deus.
1. — Pois, segundo Túlio, a providência faz parte da prudência. Ora, o papel da prudência sendo aconselhar o bem, como diz o Filósofo, não pode convir a Deus, que, não tendo dúvidas, não precisa de conselho. Logo, a Deus não convém a providência.
2. Demais. — Tudo em Deus é eterno. Ora, a providência concernente aos seres não eternos, como diz Damasceno, não é eterna. Logo, em Deus não há providência.
3. Demais. — Nenhuma composição há em Deus. Ora, a providência, incluindo em si a vontade e o intelecto, parece ser composta. Logo, em Deus não há providência.
Mas, em contrário, a Escritura (Sb 15, 3): Mas a tua providência, ó Pai, é a que governa todas as coisas.
Solução. — É necessário admitir a providência em Deus. Pois, todo bem existente nas coisas foi criado por Deus, como demonstramos. Ora, o bem existe, não só na substância delas, mas ainda, no ordenarem-se para o fim e, sobretudo, para o fim último, que é a bondade divina, segundo estabelecemos. Logo, o bem da ordem, existente nas criaturas, foi criado por Deus. Mas, Deus é a causa dos seres, pelo seu intelecto; portanto, é necessário, como vimos, que a razão de qualquer efeito seu nele preexista. Por onde, também necessàriamente a razão da ordem das coisas para o fim há de preexistir na mente divina. Ora, a razão de se ordenarem os seres para um fim se chama propriamente providência. Pois, é parte principal da prudência, à qual se ordenam duas outras partes — a memória das causas passadas e a inteligência das presentes; porque, lembrando o passado e inteligindo o presente é que conjecturamos sobre a providência do futuro. Ora, é próprio da prudência, segundo o Filósofo, ordenar as causas para um fim. Quer em relação a nós mesmos chamando-se então prudente o homem que ordena bem os seus atos para o fim da sua vida; quer em relação a outros que nos estão sujeitos, na família, na cidade ou na república. E, nesta acepção, a Escritura diz (Mt 24, 25): O servo fiel e prudente a quem seu senhor pôs sobre sua família. Ora, neste sentido, a prudência ou providência pode convir a Deus. Pois, Deus sendo o fim último, nada tem que se ordena a outro fim. Por isso, chamamos providência divina à razão da ordem dos seres para um fim. Donde o dizer Boécio, que a providência é a mesma razão divina própria ao sumo de todos os chefes, a qual tudo dispõe. Ora, disposição tanto pode chamar-se à razão da ordem dos seres para um fim, como à da ordem das partes no todo.
Donde a resposta à primeira objeção. — Segundo o Filósofo, a prudência propriamente ordena o que a eubulia aconselha retamente, e a sínese retamente julga. Donde, embora o conselho, sendo uma indagação sobre o que é duvidoso, não convenha a Deus, contudo, cabe-lhe preceituar sobre as coisas que devem ordenar-se para um fim e das quais tem a razão reta, conforme aquilo da Escritura (Sl 148, 6): Preceito pôs e não se quebrantará. E, deste modo convém a Deus, essencialmente, a prudência e a providência. Entretanto, também podemos dizer, que a própria razão das coisas a serem feitas se chama, em Deus, conselho; não por causa da indagação, mas, pela retidão do conhecimento, à qual chegam os que tomam conselho, perquirindo. Daí o dito da Escritura (Ef 1, 11): Aquele que obra todas as coisas segundo o conselho da sua vontade.
Resposta à segunda. — Ao cuidado da providência duas coisas pertencem: a razão da ordem, que se chama providência, e a disposição e execução dela, que se chama governo. Aquela é eterna, esta, temporal.
Resposta à terceira. — A providência pertence ao intelecto, mas pressupõe a vontade do fim. Pois ninguém ordena o que deve fazer, em vista de um fim, sem conhecê-la. Por isso, a prudência pressupõe as virtudes morais, pelas quais o apetite busca o bem. E, contudo, se a providência concernisse igualmente à vontade e ao intelecto divinos, seria sem nenhum detrimento da divina simplicidade, porque, em Deus, vontade e intelecto são idênticos, como vimos.