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Art. 1 — Se Cristo devia ser tentado.

O primeiro discute-se assim. — Parece que Cristo não devia ser tentado.  

1. — Pois, tentar é fazer uma experiência, e esta não a fazemos senão do que ignoramos. Ora, também os demônios conheciam a virtude de Cristo, conforme odiz o Evangelho: Não permitia os demônios falarem, pois sabiam que ele mesmo era o Cristo. Logo, parece que não devia Cristo ser tentado.
 
2. Demais. — Cristo veio destruir as obras do diabo, segunda a Escritura: Para destruir as obras do diabo é que o Filho de Deus vez ao mundo. Ora, ninguém pode ao mesmo tempo destruir as obras de outrem e sofrer-lhes a ação. Por onde, parece Que Cristo não devia ter sofrido ser tentado pelo diabo.
 
3. Demais. — Há três formas de tentação: a da carne, a do mundo e a do diabo. Ora, Cristo não foi tentado nem pela carne nem pelo mundo. Logo, também não devia ter sido tentado pelo diabo.
 
Mas, em contrário, o Evangelho: Foi levado Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo.
 
SOLUÇÃO. — Cristo quis ser tentado, primeiro, para nos dar auxílio contra as tentações. Por isso diz Gregório: Não era indigno do nosso Redentor querer ser tentado, ele que veio para ser imolado; para que assim vencesse as nossas tentações com as suas, assim como venceu com a sua a nossa morte.  Segundo para nossa cautela: a fim de que ninguém, por santo que seja, se julgue seguro eimune da tentação. Por isso quis ser tentado depois do batismo; porque, como diz Hilário, as tentações do diabo são mais freqüentes, sobretudo contra os santos, porque sobre estes é que ela mais deseja a vitória. Donde o dizer a Escritura: Filho, quando entrares no serviço de Deus, tem ser firme na justiça e no temor e prepara a tua alma para a tentação.  Terceiro, para nos dar o exemplo de como devemos vencer as tentações do diabo. Donde o dizer Agostinho: Cristo deixou-se tentar pelo diabo, para nos mostrar como venceremos as suas tentações, não somente pelo seu auxílio, mas também pelo seu exemplo.  Quarto, para nos excitar à confiança na sua misericórdia. Donde o dizer o Apóstolo: Não temos um pontífice que não possa compadecer-se das nossas enfermidades, mas que foi tentado em todas as coisas à nossa semelhança, exceto o pecado.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como diz Agostinho, Cristo deixou-se conhecer pelos demônios tanto quanto quis não pelo concernente à sua vida eterna, mas por certos efeitos temporais do seu poder, por onde podiam de certo modo conjeturar que Cristo era Filho de Deus. Mas como, por outro lado, viam nele certos sinais da fraqueza humana, não tinham como certo que fosse Filho de Deus. E por isso não quiseram tentá-lo conforme ao que diz o Evangelho: Depois que teve fome chegou-se a ele o tentador. Porque, como diz Hilário, o diabo não teria ousado tentar a Cristo, senão o reconhecesse: como homem, quando o virou; sujeito à miséria da fome. E isto mesmo se conclui do seu modo de tentar quando disse - Se és o Filho de Deus. Expondo o que, diz Gregório: Que quer significar começando com tais palavras, senão que, embora sabedor que o Filho de Deus devia vir ao mundo, não pensava, contudo que viesse sujeito a essas misérias do corpo?
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo veio destruir as obras do diabo, não pelo emprego do seu poder, mas antes sofrendo-lhe a ação e a dos seus partidários, de modo a vencê-la pela justiça e não pela onipotência. Por isso diz Agostinho: O diabo foi vencido, não pelo poder, mas pela justiça de Deus. Por onde, a respeito da tentação de Cristo devemos considerar o que fez por vontade própria e o que sofreu do diabo. Assim por vontade própria deixou-se tentar do diabo, como está no Evangelho: Foi levado Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo. Lugar que Gregório diz dever ser entendido do Espírito Santo, e significa que o seu Espírito o levou onde o espírito maligno o encontrasse para tentá-lo. Mas, sofreu a ação do diabo quando este o levou para sobre o pináculo do Templo, ou para um monte muito alto. Nem é para admirar, como diz Gregório, que se deixasse conduzir pelo diabo a um monte, quem permitiu que os seus partidários o crucificassem. Mas não devemos pensar que fosse tomado à força pelo diabo, mas que, como nota Orígenes, o seguia a este para o lugar da tentação, como um atleta que marcha voluntàriamente para o combate.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz o Apóstolo, Cristo quis ser tentado em todas as causas, exceto o pecado. Ora, a tentação proveniente do diabo pode ser sem pecado, pois, ela se faz pela só sugestão intervir. Ao passo que originada na carne não pode deixar de ser pecaminosa, porque se faz pela deleitação e pela concupiscência. E, como diz Agostinho, há sempre pecado quando a carne deseja contra o espírito. Donde o ter Cristo querido a tentação do diabo, mas não a da carne.

 

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