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Art. 3 — Se Cristo devia viver neste mundo uma vida pobre.

 O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo não devia viver neste mundo uma vida pobre.

 
1. — Pois, Cristo devia assumir a vida mais digna de escolha. Ora, a vida mais digna de escolha é a média, entre as riquezas e a pobreza, conforme àquilo da Escritura: Não me dês nem a pobreza nem as riquezas; dá-me somente o que for necessário para viver. Logo, Cristo não devia viver uma vida pobre, mas medíocre.
 
2. Demais. — As riquezas exteriores se ordenam a alimentar e vestir o corpo. Ora, Cristo alimentava-se e vestia-se de acordo com a vida ordinária daqueles com quem convivia. Logo parece que devia viver do modo comum, uma vida mediana entre rica e pobre, e não na extrema pobreza.
 
3. Demais. — Cristo nos deu a todos o exemplo da humildade, segundo aquilo do Evangelho: Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração. Ora, sobretudo aos ricos é que se deve pregar a humildade, no dizer do Apóstolo: Manda os ricos deste mundo que não sejam altivos. Logo, parece que Cristo não devia levar uma vida pobre.
 
Mas, em contrário, o Evangelho: O Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça. Como se dissesse, segundo o explica Jerônimo: Desejais seguir-me por causa das riquezas e dos bens do século, a mim tão pobre que nem mesmo tenho um tugúrio e vivo sob o teto alheio? E aquilo do Evangelho - Para que os não escandalizemos, vai ao mar - diz Jerônimo: Entendidas essas palavras pelo que significam, são uma edificação para o ouvinte, advertindo-o ter sido tão grande a pobreza do Senhor a ponto de não ter com que pagasse o tributo por si e pelo Apóstolo.
 
SOLUÇÃO. — Convinha a Cristo viver neste mundo uma vida pobre. - Primeiro, por condizer com o ofício da pregação, por causa da qual disse ter vindo ao mundo: Vamos para as aldeias e cidades circunvizinhas, porque também quero lá pregar; que a isso é que vim. Pois, os pregadores da palavra de Deus hão de dar-se totalmente à pregação, desapegados completamente do cuidado das coisas seculares. O que não podem fazer os possuidores de riquezas. Por isso, o próprio Senhor, enviando os Apóstolos a pregar, disse-lhes: Não possuais ouro nem prata: E os próprios Apóstolos diziam: Não é justo que nós deixemos a palavra de Deus e que sirvamos às mesas. - Segundo, porque assim como sujeitou seu corpo à morte para nos conquistar a vida espiritual, assim sofreu a pobreza de bens materiais, para nos conquistar as riquezas espirituais, segunda aquilo do Apóstolo: Sabeis que graça não foi a de nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, se fez pobre por vosso amor, a fim de que vós fosseis ricos pela sua pobreza. - Terceiro, porque, se tivesse riquezas, podiam atribuir-lhe a pregação à cobiça. Por isso, diz Jerônimo, que se os discípulos tivessem riquezas, pareceria pregarem não com a vista na salvação dos homens. mas no ganho. - Quarto, para tanto mais manifestar a grandeza da sua divindade, quanto mais pobre a vida que levava. Por isso se diz no Concílio Efesino: Escolheu uma vida pobre e humilde, tudo o que constitui mediania e obscuridade para o maior número para que se visse que foi a divindade quem transformou a face da terra. Por isso, escolheu como sua mãe uma pobrezinha, uma pátria paupérrima e foi pobre de bens; e isso mesmo te mostra o seu presépio.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A superabundância das riquezas e a mendicidade, enquanto ocasiões de pecar, devem ser cortadas pelos que querem viver uma vida virtuosa. Pois, a abundância de riquezas é ocasião de soberba; a mendicidade, de roubo e de mentira ou ainda de perjúrio. Ora, como Cristo era isento de todo pecado, não devia evitar uma e outra causa pela mesma causa por que as evitava Salomão. Nem, além disso, qualquer mendicidade é ocasião de furto e de perjúrio, como no mesmo lugar o ensina Salomão, mas só a que nos contraria a vontade para evitar a qual o homem furta e perjura. Pois, a pobreza voluntária não tem esse perigo. E foi essa a escolhida por Cristo.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Alimentar-se e vestir-se ao modo ordinário qualquer o pode, não só possuindo riquezas, mas ainda recebendo dos ricos o necessário. O que também se deu com Cristo. Assim, como o Evangelho diz certas mulheres que seguiam a Cristo, que lhe assistiam de suas posses. Pois, como diz Jerônimo, era uso dos judeus e em nada colidia com o costume antigo desse povo, que as mulheres fornecessem de seus próprios bens o alimento e a roupa aos que as instruíam. Mas, como isso podia causar escândalo aos gentios, Paulo declarou que rejeitou tais auxílios. Assim, pois, comum subsistência podia existir sem os cuidados impedientes do dever da pregação; mas não a posse das riquezas.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. - No pobre por necessidade a humildade não é muito meritória. Mas no pobre voluntário, como Cristo, a própria pobreza é sinal de uma humildade máxima. 
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