(II Sent., dist, q. 1, a. 3, qª 1; De Verit., q. 28, a. 2; Ad Ephes., cap. V, lect. V).
O segundo discute-se assim. – Parece que, para a remissão da culpa, que é a justificação do ímpio, não é necessária a graça infusa.
1. – Pois, podemos ser removidos de um contrário, sem por isso sermos levados para o outro, se esses contrários forem mediatos. Ora, o estado da culpa e o da graça são contrários mediatos; pois, no meio, está o estado de inocência, em que o homem não tem a graça nem a culpa. Logo, pode a alguém ser-lhe remitida a culpa sem que alcance a graça.
2. Demais. – A remissão da culpa consiste em Deus não mais no-la imputar, conforme a Escritura: Bem aventurado o homem a quem o Senhor não imputou o pecado. Ora, a infusão da graça produz algum efeito em nós, como já se estabeleceu. Logo, a infusão da graça não é necessária à remissão da culpa.
3. Demais. – Ninguém pode estar sujeito simultaneamente a dons contrários. Ora, certos pecados, como a prodigalidade e a avareza, são contrários. Logo, quem é escravo do pecado da prodigalidade não o é, ao mesmo tempo, da avareza, embora possa acontecer estivesse antes a ela sujeito. Portanto, pecando pelo vício da prodigalidade, livra-se do pecado da avareza e, por conseqüência, algum pecado se remite, sem a graça.
Mas, em contrário, diz a Escritura: Tendo sido justificados gratuitamente por sua graça.
SOLUÇÃO. – O homem, pecando, ofende a Deus, como do sobredito resulta. Ora, a nenhum ofensor se lhe remite a ofensa senão depois de pacificado o seu ofendido. Assim também, se o pecado nos é perdoado, por Deus ter reatado conosco a sua paz, consistente no amor com que nos ama. Ora, o amor de Deus, no tocante ao ato divino, é eterno e imutável; deixa porém às vezes de imprimir em nós o seu efeito, segundo dele nos afastamos ou o recuperamos. E esse efeito do divino amor em nós, excluído pelo pecado, é a graça,que nos torna dignos da vida eterna e que perdemos pelo pecado mortal. Portanto, não se pode conceder a remissão da culpa sem haver a infusão da graça.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – É mais difícil, ofendido, remitirmos a ofensa, do que simplesmente não odiar a quem não nos ofendeu. Pois, podemos nem amar nem odiar a outrem. Mas a quem nos ofendeu, só por uma especial benevolência podemos perdoar-lhe a ofensa. Ora, a benevolência de Deus para com o homem é recuperada pelo dom da graça. Por onde, embora, antes de ter pecado, pudesse viver sem graça e sem culpa, contudo, depois do pecado, não pode estar isento de culpa, sem a graça.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O amor de Deus consiste, não só num ato da divina vontade, mas implica ainda um certo efeito da graça, como já dissemos. Assim também, é por um efeito produzido no pecador, que Deus não lhe imputa o seu pecado; e isso Deus o faz por amor.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como diz Agostinho, se, para sair do estado de pecado, bastasse cessar de cometê-lo, a Escritura não teria feito senão nesta advertência: Filho, pecaste; não recomeces. Mas, como não basta, ela acrescenta:E ora para que te sejam perdoados os pecados passados. Ora, transitório pelo seu ato, o pecado permanece pelo reato, como já dissemos. Por onde, em que passa dos pecados de um vício para os do vício contrário, já não existe atualmente o pecado passado, mas, só o seu reato. E portanto, nessa pessoa existe o reato de um e outro pecado. Logo, não é o afastamento de Deus, fundamento do reato dos pecados, que os torna entre si contrários.