O terceiro discute-se assim. ─ Parece que a pena do purgatório não excede todas as penas temporais desta vida.
1. - Pois, quanto mais passivo é um ser, tanto mais profundamente pode sofrer, dado que sinta o sofrimento. Ora, o corpo é mais passivo que a alma separada, quer por ser de natureza contrária à do agente ígneo, quer por ter uma matéria capaz de receber a ação do agente ─ o que não se pode dizer da alma. Logo, maior é a pena que o corpo sofre neste mundo, que a purificadora da alma na outra vida.
2. Demais. ─ A pena do purgatório é diretamente ordenada a purificar dos pecados veniais. Ora, aos pecados veniais, sendo os levíssimos dos pecados, é devida uma pena levíssima, se o número dos golpes há de regular-se pela qualidade do pecado. Logo, a pena do purgatório é levíssima.
3. Demais. ─ O reato, sendo um efeito da culpa, não se agrava senão com o agravamento da culpa. Ora, aquele a quem a culpa já foi perdoada, não na pode ter agravada, Logo, aquele a quem foi perdoado um pecado mortal, pelo qual não satisfez plenamente, o reato não lhe aumenta com a morte. Ora, nesta vida, a sua culpabilidade não merecia a mais grave das penas. Logo, a pena que sofrerá depois desta vida, não será mais grave que qualquer uma das dela.
Mas, em contrário, diz Agostinho: O fogo do purgatório será mais doloroso que qualquer pena que possamos sentir, ver ou imaginar neste mundo.
2. Demais. ─ Quanto mais universal é uma pena tanto maior será. Ora, a alma humana, sendo simples, será punida na sua totalidade. Mas o mesmo não se dá com o corpo. Logo, a pena sofrida pela alma separada será mais intensa que toda pena de que o corpo seja susceptível.
SOLUÇÃO. ─ Duas espécies de pena haverá no purgatório: a do dano, que retarda a visão divina; e a do sentido, que pune pelo fogo material. E tanto uma como outra, embora mínima, excede as penas máximas desta vida. ─ Pois, quanto mais desejamos uma cansa tanto mais sofremos com a sua privação. Ora, o desejo com que buscamos o sumo bem, depois desta vida, às almas santas é o intensíssimo de todos, porque não sofrem nenhum obstáculo por parte de um corpo material e também por já ter chegado o momento de fruir do sumo bem, se nada o impedir. Por isso, a dor resultante da privação desse bem é máxima. ─ Além disso e semelhantemente, não consistindo a dor numa lesão, mas na consciência apenas desta, tanto mais um ser sofre a ação de uma causa lesiva, quanto maior for a sua sensibilidade. Por isso, as lesões que nos atingem as partes mais sensíveis são as que causam as dores mais agudas. Ora, como toda a sensibilidade do corpo tem na alma a sua origem, necessariamente o agente lesivo da alma há de por força fazê-la sofrer soberanamente. E supomos, em nossa argumentação, que a alma pode ser cruciada pelo fogo material, como o diremos a seguir. Donde concluímos que necessariamente as penas do purgatório ─ a do dano e a dos sentidos, excedem todas as desta vida. Algumas porém buscam a razão disto no fato de ser a alma punida na sua totalidade, mas não o corpo. ─ Mas não é exato, porque então as penas dos condenados seriam mais brandas depois, que antes da ressurreição. O que é falso.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora a alma seja menos passiva que o corpo, contudo sente mais profundamente o sofrimento. Ora, onde se sente mais o sofrimento há maior dor, mesmo se é ele menor.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A acerbidade dessa pena não provém tanto da gravidade do pecado, quanto das disposições do punido; porque o mesmo pecado é punido mais duramente na outra vida, que nesta. Assim como quem é de melhor compleição sofre mais os mesmos sofrimentos que padecem outros; e contudo o juiz, aplicando a todos os mesmos castigos pelas mesmas culpas, procede com justiça. Donde se colhe a resposta à terceira objeção.