O primeiro discute-se assim. ─ Parece que não há purgatório depois desta vida.
1. - Pois, diz a Escritura: Bem-aventurados os mortos que morrem no Senhor. De hoje em diante, diz o Espírito, que descansem dos seus trabalhos. Logo, os que morrem no Senhor não devem sofrer no purgatório, depois desta vida. Nem os que no Senhor não morreram, porque esses não são susceptíveis de purificação. Logo, depois desta vida não há nenhum purgatório.
2. Demais. ─ Assim está a caridade para o prêmio eterno como o pecado mortal para o suplício eterno. Ora, os que morrem em pecado mortal entram logo a sofrer o suplício eterno. Logo, também os que morrem na caridade recebem imediatamente o eterno prêmio. Portanto, não devem passar por nenhum purgatório depois desta vida.
3. Demais. ─ Deus, misericórdia suma, é mais inclinado a premiar o bem que a punir o mal. Ora, assim como os que vivem na caridade podem praticar certos atos maus, não merecedores do suplício eterno, assim os que estão em pecado mortal podem praticar certas ações genericamente boas, não dignas do prêmio eterno. Logo, assim como os condenados não recebem depois desta vida nenhum prêmio pelas boas ações referidas, também as más ações, a que aludimos não devem ser punidas depois desta vida. Donde a mesma conclusão que antes.
Mas, em contrário. ─ A Escritura diz: É um santo e saudável pensamento orar pelos mortos, para que sejam livres dos seus pecados. Ora, não devemos orar pelos santos do paraíso, pois em nada precisam das nossas orações. Nem pelos condenados do inferno, que não podem receber perdão dos pecados. Logo, depois desta vida há certos ainda não perdoados de seus pecados e que podem sê-lo. E esses tem a caridade, sem a qual não há remissão de pecados; porque a caridade cobre todos os delitos. Portanto, tais almas não sofrerão a morte eterna, porque, como diz o Senhor, todo o que vive e crê em mim não morrerá eternamente. Mas também não entrarão na glória senão depois de purificados, porque nada de impuro nela entrará como diz a Escritura. Logo, há um purgatório desta vida.
2. Demais. ─ Gregório Nisseno diz: Quem vive na amizade de Jesus Cristo e não pode inteiramente purificar-se do pecado nesta vida, depois da morte purgá-lo-á nas chamas do purgatório. Logo, depois desta vida, há um purgatório.
SOLUÇÃO. ─ Do que já dissemos podemos com segurança concluir a existência de um purgatório, depois desta vida. Pois, se atendermos a que o reato da pena não desaparece totalmente depois de perdoada a culpa pela contrição; que nem sempre são delidos os pecados veniais com o perdão dos mortais; e que além disso, a justiça exige que o pecado seja expiado pela pena devida, havemos necessariamente de concluir que há de ser punido depois desta vida quem morre sem dar a satisfação devida, mesmo depois da contrição dos pecados e da competente absolvição. Portanto, Os que negam o purgatório colidem com a justiça divina e professam uma opinião errônea e alheia à fé: Por isso Gregório Nisseno, depois das palavras supra-citadas acrescenta: Eis o que cremos e pregamos para salvar o dogma da verdade; e assim o ensina a Igreja universal, quando reza para os defuntos ficarem livres dos seus pecados. O que não é possível entender-se senão dos que sofrem no purgatório. Ora, quem se opõe à autoridade da Igreja incorre em heresia.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A autoridade citada se refere às obras que produzem o mérito e não aos sofrimentos que purificam a alma.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O mal não tem uma causalidade perfeita, mas resulta de deficiências particulares; ao passo que o bem procede de uma causa perfeita, como diz Dionísio. Por isso qualquer defeito impede a perfeição do bem; mas qualquer bem não impede a consumação de um mal, porque nunca é o mal desacompanhado de algum bem. Por onde, o pecado venial impede a alma, que tem a caridade, de alcançar o bem perfeito da vida eterna, antes de ser purificada. Enquanto que o pecado mortal não pode impedir, esteja acompanhado do bem que estiver, a alma de sofrer imediatamente depois de separada, o sumo mal.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Quem cai num pecado mortal dá a morte a todas as boas obras antes praticadas, e, mortas são todas as que praticar em estado de pecado mortal; porque, tendo ofendido a Deus, merece perder todos os bens que de Deus recebeu. Portanto, quem morreu em pecado mortal não receberá nenhum prêmio depois desta vida; ao passo que quem morreu na caridade, receberá depois desta vida um prêmio, que nem sempre delirá todo mal existente na alma, mas só o que lhe for contrário.