O primeiro discute-se assim. ─ Parece que ao pecado original, em si mesmo considerado, é devida uma pena sensível.
1. ─ Pois, diz Agostinho: Tem firmissimamente e de nenhum modo duvides, que as crianças saídas deste mundo, sem o sacramento do batismo, serão punidas do suplício eterno. Ora, suplício significa uma pena sensível. Logo, as crianças, punidas só pelo pecado original, sofrerão uma pena sensível.
2. Demais. ─ À maior culpa é devida maior pena. Ora, o pecado original é mais grave pecado que o venial, por implicar uma aversão maior, privando da graça; ao passo que o venial pode coexistir com ela. Além disso, o pecado original é punido com pena eterna, ao passo que o venial com pena temporal. Logo, se ao pecado venial é devida a pena do fogo, com muito maior razão, ao original.
3. Demais. ─ Os pecados são mais gravemente punidos depois desta vida, que durante ela, enquanto ainda há lugar para a misericórdia. Ora, nesta vida, o pecado original é punido com uma pena sensível; assim, as crianças, só manchadas do pecado original, sofrem, e não injustamente, muitas penas sensíveis. Logo, também depois de esta vida lhe é devida uma pena sensível.
4. Demais. ─ Assim como o pecado atual implica a aversão e a conversão, assim no pecado original há algo de correspondente à aversão, a saber, a privação da justiça original, e algo de correspondente à conversão, i. é, a concupiscência. Ora, ao pecado atual, em virtude da conversão, é devida a pena do fogo. Logo, também ao original, em razão da concupiscência.
5. Demais. ─ Os corpos das crianças serão, depois da ressurreição, passíveis ou impassíveis. ─ Se impassíveis, como nenhum corpo humano pode ser impassível, senão pelo dom da impassibilidade ─ como se dá com os bem─aventurados; ou em razão da justiça original ─ como no estado de inocência; daí resulta que os corpos das crianças ou terão o dote da impassibilidade e então serão gloriosos e não haverá diferença entre as batizadas e as não-batizadas ─ o que é herético; ou terão a justiça original, e isentos, portanto, do pecado original, por este não serão punidos ─ o que semelhantemente é herético. ─ Se porém forem passíveis, como todo ser passível sofre necessariamente a ação do agente presente, daí resulta que, presentes corpos sensíveis ativos, sofrerão uma pena sensível.
Mas, em contrário. ─ Agostinho diz, que a pena das crianças, só manchadas do pecado original, é a brandíssima de todas. O que não se daria se fossem atormentadas por uma pena sensível.
2. Demais. ─ A acerbidade da pena sensível corresponde ao prazer da culpa, conforme aquilo da Escritura: Quanto se tem glorificado e tem vivido em deleites tanto lhe dai de tormento e de pranto. Ora, o pecado original não implica nenhum prazer e nenhum ato; pois, todo prazer resulta de uma atividade, como ensina Aristóteles. Logo, ao pecado original não é devida nenhuma pena sensível.
SOLUÇÃO. ─ A pena deve ser proporcionada à culpa, conforme a Escritura: Quando ela for rejeitada, tu a julgarás contrapondo uma medida a outra medida. Ora, o detrimento causado pela culpa original, sendo de natureza culposa, não resulta da subtração nem da corrupção de nenhum bem consequente aos princípios mesmos da natureza humana, mas da subtração ou da corrupção de um bem acrescentado a essa natureza. Nem essa é culpa de cada homem em particular, senão enquanto tem cada qual uma natureza que ficou destituída de um bem que lhe era natural ter e possível conservar. Por isso, nenhuma outra pena lhe é devida, senão a privação do fim a que se ordenava o bem de que ficou privado e que a natureza humana por si mesma não pode alcançar. Ora, tal é a visão divina. Por onde, a privação dessa visão é a própria e só pena do pecado original, depois da morte. Se, pois, fosse infligida ao pecado original uma outra pena sensível, depois da morte, não seria este punido, pelo que encerra de culpa; porque a pena sensível é uma pena pessoal, que se cumpre pela dor que impõe. Por onde, assim como a culpa não resultou de um ato pessoal particular, não será também no sofrimento pessoal particular que deverá consistir a expiação da pena; mas só na privação do bem para alcançar, o qual a natureza não é por si mesma capaz. Quanto às outras perfeições e bondades resultantes dos seus princípios naturais, os condenados nenhum detrimento sofrerão por causa do pecado original.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Na autoridade citada, a palavra suplício não designa uma pena sensível, mas só a pena do dano, que é a privação da visão divina. Assim como também frequentemente a Escritura costuma denominar fogo a qualquer pena.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Dentre todos os pecados o original é o mínimo, porque tem o mínimo de voluntário. Pois, não é voluntário pela vontade de uma pessoa em particular, mas só por vontade do princípio da natureza. Ao passo que o pecado atual, mesmo venial, é voluntário pela vontade de quem o cometeu. Por isso menor pena é devida ao original que ao venial. ─ Nem obsta que o original seja incompatível com a graça; pois, a privação da graça não tem natureza de culpa, mas de pena, enquanto procede do voluntário. Por onde, onde é menor o voluntário menor é a culpa. ─ Do mesmo modo, não obsta seja devida uma pena temporal ao pecado venial atual. Porque isto é acidental: enquanto quem morre só com o pecado venial tem a graça, em virtude da qual se purificou da pena. Mas se o pecado venial alguém o tivesse sem a graça, sofreria uma pena perpétua.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Não se dá o mesmo com a pena sensível anterior e a posterior à morte. Porque antes da morte a pena sensível resulta da virtude da natureza agente; quer seja a pena sensível interna, como uma febre ou cousa semelhante, ou ainda uma pena sensível externa, como uma queimadura ou qualquer outra. Mas depois da morte nada age em virtude da natureza, mas só conforme a ordem da justiça divina; quer a ação seja sobre a alma separada, sobre a qual sabemos que o fogo não pode naturalmente agir; quer sobre um corpo ressurrecto, porque então toda atividade natural cessará, cessado o movimento do primeiro móvel, causa de todo movimento e alteração corpórea.
RESPOSTA À QUARTA. ─ A dor sensível responde ao prazer sensível da conversão do pecado atual. Ora, a concupiscência habitual, produzida pelo pecado original, não é acompanhada de nenhum prazer. Por isso a dor sensível não lhe corresponde, como pena.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Os corpos das crianças não serão impassíveis por incapacidade de sofrerem, mas por falta de um agente exteriormente atuante sobre eles. Porque depois da ressurreição nenhum corpo terá ação sobre outro, sobretudo para alterá-lo ou destruí-lo por um efeito natural; não haverá outra ação senão para punir o pecado por ordem da justiça divina. Por isso nenhuma pena sofrerão aqueles corpos, que não merecem da justiça divina nenhuma pena sensível! Quanto ao corpo dos santos, serão impassíveis, porque não terão a capacidade de sofrer nenhuma ação; por isso terão a impassibilidade como um dom, que não terão as crianças.