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Art. 1 - Se toda vontade dos condenados é má.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que nem toda vontade dos condenados é má.

1. ─ Pois, como diz Dionísio, os demônios desejam o que há de melhor ─ existir, viver e inteligir. Logo, como os condenados não estão em condição pior que os demônios, parece que também eles podem ter boa vontade.

2. Demais. ─ O mal, como diz Dionísio, é absolutamente involuntário. Logo, tudo quanto os condenados querem como bem real ou aparente o querem. Ora, a vontade em si mesma dirigida para o bem é boa. Logo, os condenados podem ter boa vontade.

3. Demais. ─ Certos condenados haverá que, quando viviam no mundo, conservaram certos hábitos virtuosos. Assim, os gentios, que tinham virtudes políticas. Ora, é dos hábitos virtuosos que procedem os atos meritórios da vontade. Logo, a vontade de certos condenados pode ser meritória.

Mas, em contrário. ─ A vontade obstinada só pode querer o mal. Ora, os condenados, como os demônios, serão obstinados. Logo, a vontade deles nunca poderá ser boa.

2 . Demais. ─ Assim está a vontade dos condenados para o mal, como a dos santos para o bem. Ora, a vontade dos santos nunca poderá ser má. Logo, nunca também os condenados poderão ter uma vontade boa.

SOLUÇÃO. ─ Podemos distinguir nos condenados uma dupla vontade: a deliberativa e a natural. ─ A natural não a têm eles de si mesmos, mas do autor da natureza, que nesta infundiu a inclinação chamada vontade natural. Ora, como nos condenados subsiste a natureza, poderão eles ter a boa vontade natural. ─ A vontade deliberativa porém eles a têm de si próprios, pela qual poderão inclinar o afeto para um ou outro objeto. E essa vontade deles não pode ser senão má. E isto pela completa aversão que têm do ─ fim último da vontade reta; nem pode vontade nenhuma ser boa senão em ordem a esse fim último. Por onde, embora queiram algum bem, não o querem contudo bem, de modo que a vontade se lhes pudesse chamar boa.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ As palavras de Dionísio se entendem da vontade natural, que é a inclinação da natureza para um bem. Essa inclinação natural porém lhes está corrompida pela malícia; pois, o bem que naturalmente desejam sob certas más circunstâncias o desejam.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O mal como tal não move a vontade, senão enquanto considerado bem. Ora, da própria malícia deles procede julgarem bom o mal. Razão pela qual lhes é má a vontade.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O hábito das virtudes civis não subsiste na alma separada; porque estas virtudes só dão perfeição à vida civil, que não mais haverá depois de esta vida. Mas se perdurassem depois dela, os maus nunca os poriam em prática, por lh'o impedir a obstinação da mente.

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