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Art. 5 ─ Se o fogo do inferno, que cruciará os corpos dos condenados, será um fogo corpóreo.

O quinto discute-se assim. ─ Parece que o fogo do inferno, que cruciará os corpos dos condenados, não será um fogo corpóreo.
 
1. ─ Pois, diz Damasceno: O diabo, os demônios e o seu homem, o Anticristo, os ímpios e os pecadores serão precipitados no fogo eterno, não material, como o nosso, mas de natureza que Deus sabe. Ora, tudo o corpóreo é material. Logo, o fogo do inferno não será corpóreo.

2. Demais. ─ As almas dos condenados, separadas dos corpos, serão transportadas ao fogo do inferno. Ora, Agostinho diz: O lugar para onde a alma será transportada depois da morte, penso que é um lugar espiritual e não corpóreo. Logo, o fogo do inferno não será um fogo corpóreo .

3. Demais. ─ Um fogo corpóreo nada tem de análogo, no modo da sua ação, à culpa daquele que nele arde; mas antes age ao modo do úmido e do seco: pois, vemos que o mesmo fogo corpóreo tortura tanto o justo como o ímpio. Ao contrário, o fogo do inferno acompanha, no seu modo de supliciar ou de atuar o modo da culpa do punido. Por isso diz Gregório: certo, um só é o fogo da geena, mas não crucia do mesmo modo a todos os pecadores; pois, cada um tanto sentirá de pena quanto lh’o exige a culpa.

Mas, em contrário, diz ainda Gregório: Não duvido que o toga da geena seja um toga corpóreo, onde é certo que os corpos serão cruciados.

2. Demais. ─ A Escritura diz: Todo o universo pelejará da parte dele contra os insensatos. Ora, todo o universo não pelejaria contra os insensatos, se fossem punidos por uma pena só espiritual e não corporal. Logo, serão punidos por um fogo corpóreo.

SOLUÇÃO. ─ Sobre o fogo do inferno há muitas opiniões.

Assim, certos filósofos, como Avicena, não acreditando na ressurreição, crêem que só a alma é a punida, depois da morte. Mas como viam o absurdo de ser a alma, incorpórea, punida por um fogo corpóreo, negaram a natureza corpórea do fogo com que os maus são punidos, ensinando que devemos tomar em sentido metafórico todas as punições de natureza corpórea atribuídas à alma depois da morte. Pois, assim como o prazer e a felicidade das almas boas não consistirá em nada de corpóreo, mas num bem espiritual, que é a consecução do seu fim, assim também o suplício dos maus será somente espiritual e consistirá na tristeza de se verem separados do fim, de que têm um desejo natural imanente. Por onde, assim como todos os prazeres de natureza material atribuídos à alma depois da morte, como o repouso, o riso e outros devem ser entendidos em sentido metafórico, assim todas as torturas que supõem punição corpórea, como a de arderem ao fogo, de sofrerem odores fétidos e outras, devem ser entendidas no mesmo sentido. Pois, o prazer e o sofrimento espirituais, sendo incompreendidos da multidão é necessário lhe figurarmos mediante prazeres e penas materiais, para mover com eficácia os homens ao desejo ou ao temor. ─ Mas esse modo de explicar a punição não é suficiente porque a pena dos condenados não será só a do dano, correspondente à aversão que houve na culpa, mas também a do sentido, correspondente à conversão da culpa.

Por isso o próprio Avicena acrescenta outra explicação, dizendo que as almas dos maus depois da morte não serão punidas por meios materiais, mas por semelhanças. Assim, nos sonhos, por tais semelhanças, existentes na imaginação, pode-se nos afigurar que somos torturados por penas diversas. E também Agostinho parece admitir esse modo de punição, como o demonstrar o lugar supra-citado. ─ Mas isto não é admissível. Porque a imaginação é uma potência que se serve de um órgão corpóreo , por isso não é possível a alma separada do corpo ter, como a de quem sonha, essas visões imaginárias.

Razão por que ainda Avicena, para evitar esse inconveniente, disse que as almas separadas do corpo usam, como de órgão, de uma parte do corpo celeste, a que há de o corpo humano conformar-se para ter perfeição a alma racional, semelhante aos motores do corpo celeste. E nisto seguiu de certo modo a opinião dos antigos filósofos, que ensinavam a volta das almas aos corpos celestes a elas semelhantes. ─ Mas isto é absolutamente absurdo, segundo a doutrina do Filósofo. Porque a alma se serve de um determinado órgão corpóreo, como a arte de um determinado instrumento. Por isso não pode passar de um corpo para outro, como o ensina Pitágoras. ─ Quanto ao que diz Agostinho, responderemos mais adiante.

Seja, porém, o que for que se pense do fogo que crucia as almas separadas, quanto ao fogo, que atormentará os corpos dos condenados depois da ressurreição, devemos dizer que é um fogo corpóreo. Porque a um corpo não pode convenientemente adaptar-se senão uma pena corpórea. Donde a prova de Gregório que o fogo do inferno é de natureza corpórea, por isso mesmo que os réprobos, depois da ressurreição, nele serão precipitados. E também Agostinho, conforme o Mestre das Sentenças, declara manifestamente que o fogo atormentador dos corpos é um fogo corpóreo. Ora, é disto que agora se trata. ─ Quanto a saber como as almas dos condenados são punidas por esse fogo corpóreo, já o dissemos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Damasceno não nega, absolutamente falando, que o fogo do inferno seja material, mas que não o é como o é o nosso, por se distinguir deste por certas propriedades. ─ Ou devemos responder que o fogo do inferno não alterando materialmente os corpos, mas atuando sobre eles, para os punir por uma ação espiritual, por isso dizemos que não é material. Não quanto à sua substância, mas quanto ao efeito punitivo que exerce sobre os corpos e, muito mais ainda, sobre as almas.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ As palavras de Agostinho podem ser interpretadas do modo seguinte. Que não é corpóreo o lugar para onde as almas serão transportadas depois da morte no sentido em que elas aí não estarão de modo material, como um corpo está materialmente num lugar, mas do modo espiritual pelo qual os anjos ocupam lugar. ─ Ou devemos responder que Agostinho dá apenas uma opinião, sem nada decidir, como frequentemente faz nesses livros citados.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ O fogo do inferno será um instrumento de punição da divina justiça. Ora, um instrumento age, não só por virtude própria e de um modo próprio, mas também por obra do agente principal e enquanto dirigido por ele . Por onde, embora o fogo não possa, por virtude própria, cruciar o pecador mais ou menos, conforme a gravidade do seu pecado, pode-o porém se tiver a sua ação modificada por ordem da divina justiça. Assim como também o fogo de uma fornalha pode ser modificado na sua ação por indústria do ferreiro, a fim de produzir o efeito que ele na sua arte se propõe.

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