O quarto discute-se assim. ─ Parece que não se atribuem acertadamente três frutos às três partes da continência.
1. ─ Pois, o Apóstolo enumera doze frutos do espírito: A caridade, a alegria, a paz, etc. Logo, não se devem enumerar só três.
2. Demais. ─ Fruto designa um prêmio especial. Ora, o prêmio atribuído às virgens, às viúvas e aos casados não é um prêmio especial. Pois, todos os que hão de salvar-se estão incluídos numa dessas três classes; porque ninguém se salva sem ter praticado a continência, e esta se divide suficientemente pelas três classes referidas. Logo, não se atribuem com acerto três frutos a essas três classes.
3. Demais. ─ Assim como a viuvez excede à continência conjugal, assim a virgindade à viuvez. Ora, quem recebeu o fruto centuplicado não excede quem o recebeu trinta vezes mais, como o que o recebeu centuplicado excede o que recebem sessenta vezes mais. Nem por proporção aritmética, porque sessenta excede a trinta em trinta, e cem excede em quarenta a sessenta. Nem por proporção geométrica, porque sessenta excede a trinta na proporção de dois para quatro, ao passo que cem está para sessenta como cinco para dois, porque contém sessenta mais duas terças partes deste número. Logo, não é acertado fazer corresponder os frutos aos três graus de continência.
4. Demais. ─ O que está dito na Sagrada Escritura deve durar sempre, conforme aquilo do Evangelho: Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão. Ao contrário, todas as obras feitas pelo homem podem mudar a cada passo. Logo, nas obras humanas não devemos buscar um critério para apreciar os ditos da Sagrada Escritura. E assim parece inadmissível o fundamento dado por Beda aos referidos frutos, dizendo que o fruto de trinta por um é devido aos casados, porque na representação do ábaco, trinta é expresso pelo contato das pontas do polegar e do índex, que por assim dizer se beijam. E assim o número trinta significa os ósculos dos casados. Ao passo que o número sessenta é expresso pelo contato do índex com a articulação média do polegar; e assim o índex, sobre o polegar e apertando-o, significa a opressão que as viúvas sofrem neste mundo. Mas, quando na numeração chegamos ao número cem, passamos do lado direito para o esquerdo; por isso o número cem designa a virgindade, porque participa da dignidade dos anjos, que estão à direita, i. é, na glória; enquanto que nós outros estamos à esquerda, por causa da imperfeição desta vida.
SOLUÇÃO. ─ Pela continência, a que corresponde um fruto, o homem, desprezando os prazeres da carne, eleva-se a um estado de espiritualidade. Por onde, conforme os diversos graus de espiritualidade produzidos pela continência, assim se distinguem os diversos frutos. Ora, há uma espiritualidade necessária e outra superabundante. ─ A espiritualidade necessária consiste em a retidão do espírito não ser pervertida pelos prazeres carnais; e isso se dá quando buscamos os prazeres da carne segundo a ordem reta da razão. E esta é a espiritualidade dos casados. ─ A espiritualidade superabundante é a pela qual o homem se abstém completamente de todos os prazeres carnais, que impedem a liberdade do espírito. O que de dois modos pode ser. ─ Ou absolutamente, em qualquer tempo ─ passado, presente ou futuro; e esta é a espiritualidade das virgens. ─ Ou num tempo determinado e essa é a das viúvas.
Assim, pois, os que observam à continência conjugal é dado o fruto de trinta por um: à da viuvez, o de sessenta por um; e à virginal, o de cem por um, pela razão que dá Beda, supra-referida.
Embora possamos ainda dar a razão seguinte, fundada em a natureza dos números. ─ Pois, o número trinta resulta da multiplicação de três por dez. Ora, o número três é o número de todas as cousas, diz Aristóteles; e tem em si a perfeição de princípio, de meio e de fim, comum a todos os seres. Por isso o número trinta é acertadamente atribuído aos casados, que, além da observação do Decálogo, significado pelo número dez, não tem nenhuma outra perfeição senão a comum, sem a qual não pode haver salvação. ─ O número seis, que multiplicado por dez produz cem, tem uma perfeição resultante das suas partes, pois, as tem todas simultaneamente unidas. Por isso corresponde com conveniência à viuvez, que implica a completa abstenção dos prazeres da carne com todas as suas circunstâncias, que são como partes do ato virtuoso. Pois, a viuvez se opõe ao gozo do prazer carnal, seja com que pessoa for e em qualquer lugar que seja; e assim quanto às outras circunstâncias. O que não se dá com a continência conjugal. ─ Mas o número cem convém convenientemente à virgindade; porque o número dez, de cuja multiplicação resulta o número cem, é o limite da espiritualidade, porque nada mais de espiritual se lhe pode acrescentar. Pois, o número cem, como número quadrado, é, pela sua figura, um número perfeito. Porque a figura do quadrado é perfeita por, sendo igual de todos os lados, ter uma igualdade total. Por isso corresponde à virgindade, que permanece incorrupta igualmente em todo tempo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ No lugar citado a palavra fruto não tem o mesmo sentido no em que agora dele nos ocupamos.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Nada obriga a admitir o fruto como um prêmio não comum a todos os que se salvam. Pois, não só o prêmio essencial é comum a todos, mas também certas recompensas acidentais, como a alegria resultante das obras sem as quais não pode haver salvação. ─ Pode-se porém dizer que os frutos não convém a todos os que devem salvar-se, como o demonstram os que, depois de terem vivido na incontinência; fizeram penitência no fim da vida; pois a esses não é devido o fruto, mas só o prêmio essencial.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A distinção dos frutos se funda, antes, nas espécies e nas figuras dos números, que nas quantidades que representam. Contudo, mesmo considerando-lhes essas quantidades é possível descobrir uma razão de excesso entre eles. Assim o casado só se abstém da mulher que não é a sua; a viúva, porém, do seu marido e do que não é seu; e assim há aí um certo excesso em dobro, como sessenta é o dobro de trinta. Quanto ao número cem, excede a sessenta em quarenta, resultando este da multiplicação de quatro por trinta. Ora, o número quatro é o primeiro número sólido e cúbico. E assim, uma tal adição convém à virgindade, que acrescenta à perfeição da viuvez a perpétua incorrupção.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Embora esse modo referido de representar os números seja de instituição humana, contudo se funda de certo modo em a natureza das cousas, pois os números são designados gradualmente pela ordem dos dedos, das articulações.