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Art. 4 ─ Se os ressurrectos terão a vida animal de modo a exercerem a função nutritiva e a genésica.

O quarto discute-se assim. ─ Parece que os ressurrectos terão a vida animal de modo a exercerem a função nutritiva e a genésica.

1. ─ Pois, a nossa ressurreição será conforme à de Cristo. Ora, segundo os Evangelhos, Cristo se nutriu depois da ressurreição. Logo, todos os homens também hão de nutrir-se depois da ressurreição. E pela mesma razão hão de gerar.

2. Demais. ─ A distinção dos sexos se ordena à geração; e semelhantemente, os órgãos destinados à função nutritiva se ordenam à manducação. Ora, o homem ressurgirá com todos esses órgãos. Logo, exercerá a função genésica e a nutritiva.

3. Demais. ─ O homem será beatificado no seu ser completo ─ alma e corpo. Ora, a beatitude ou felicidade, segundo o Filósofo, consiste numa operação perfeita. Logo, todas as potências da alma e todos os órgãos do corpo dos bem-aventurados exercerão os seus atos, depois da ressurreição. Donde a mesma conclusão que antes.

4. Demais. ─ Os bem-aventurados gozarão depois da ressurreição de uma perfeita e beata felicidade. Ora, essa felicidade inclui todos os prazeres, pois, a beatitude é, segundo Boécio, um estado perfeito pela agregação de todos os bens; e perfeito é ao que nada falta, como ensina Aristóteles. Ora, como o exercício da função genésica e o da nutritiva causam grande prazer, parece que os bem-aventurados praticarão esses atos da vida animal. E com muito maior razão os outros, que tiverem corpos menos espiritualizados.

Mas, em contrário, o Evangelho: Na ressurreição nem as mulheres terão maridos, nem os maridos mulheres.

2. Demais. ─ A geração se ordena a reparar as falhas causadas pela morte e à multiplicação do gênero humano; e a nutrição a reparar as energias perdidas e a produzir o crescimento do corpo. Ora, na ressurreição, já o gênero humano estará constituído em toda a multidão dos indivíduos predeterminada por Deus; porque haverá geração até essa época. Semelhantemente, cada homem ressurgirá com a sua estatura adequada. Nem mais haverá morte nem os órgãos do corpo sofrerão qualquer perda de energia. Logo, inúteis serão as funções genésica e nutritiva.

SOLUÇÃO. ─ A ressurreição não será necessária para o homem atingir a sua perfeição primitiva, consistente na integridade de tudo o pertinente à natureza. Porque a isso podemos chegar no estado da vida presente, pela ação das causas naturais. Mas a ressurreição lhe é necessária para atingir a perfeição última, consistente na consecução do último fim. Por onde, na ressurreição aquelas funções naturais não hão de mais exercer-se que se ordenam a causar ou a conservar a perfeição primitiva da natureza humana. E tais são os atos da vida animal no homem, os atos da natureza nos elementos, e o movimento do céu. Tudo isto portanto cessará na ressurreição. Ora, comer, beber, dormir e gerar são atos da vida animal, ordenados à perfeição primitiva da natureza humana. Logo, tais atos não mais hão de existir na ressurreição.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─     A nutrição de Cristo não foi premida pela necessidade, como se a sua natureza humana precisasse de alimentar-se depois da ressurreição. Mas foi para manifestar o seu poder, mostrando assim ter verdadeiramente reassumido a natureza humana, que tinha no seu estado anterior, quando com os discípulos comia e bebia. Ora, essa manifestação, por conhecida de todos, não será necessária na ressurreição universal. Por isso se diz, dispensativamente, que Cristo comeu, conforme o modo de falar dos juristas que definem a dispensa como uma suspensão do direito comum; porque Cristo suspendeu, pela razão aduzida, condição comum aos ressurrectos, de não usarem de alimentos. Por onde, a objeção não colhe.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A diferença dos sexos e a variedade dos órgãos será para reintegrar a natureza humana na sua perfeição específica e individual. Donde pois não se segue que sejam inúteis, embora não se exerçam as funções animais.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ As referidas funções não são do homem como tal, segundo o Filósofo. Por isso nelas não consiste a felicidade do corpo; mas o corpo humano será glorificado pela redundância da razão, que torna o homem tal a ela se submetendo.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Os prazeres corpóreos são, como diz o Filósofo, medicinais, concedidos ao homem para lhe tolher o tédio da vida; ou doenças, quando procuradas desordenadamente como se fossem verdadeiros prazeres, assim como quem tem um gosto depravado se deleita com cousas com que não se comprazeria uma pessoa de gosto são. Por onde não é necessário sejam esses prazeres da perfeição da beatitude, como pensam os judeus e os sarracenos, e o ensinaram certos heréticos chamados Quiliastas. Os quais, mesmo segundo a doutrina do Filósofo, não tem senso reto; pois, só os prazeres espirituais, segundo ele, são deleitações, no seu sentido próprio, e são os únicos que devemos buscar por si mesmos. Por onde, só esses são necessários à felicidade.

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