O terceiro discute-se assim. ─ Parece que o marido pode, por juízo próprio, repudiar a esposa que fornicou.
1. Pois, a sentença proferida por um juízo podemos executá-la sem necessidade de nenhum outro juízo. Ora, Deus, juiz justo, proferiu a sentença em virtude da qual o marido pode, por causa de fornicação, repudiar a esposa. Logo, não é necessário, para tal nenhum outro juízo.
2. Demais, ─ O Evangelho diz, que José, como era justo, resolveu deixar secretamente a Maria. Logo, parece que o marido pode resolver a separação ocultamente, sem o juízo da Igreja.
3. Demais. ─ Se o marido, depois de saber da fornicação da mulher, cumprir para com ela o dever conjugal, perde a ação que contra ela tinha. Logo, a denegação de cumprir o dever conjugal, causa de separação, deve preceder ao juízo da Igreja.
4. Demais. ─ O que não pode ser provado não pode ser trazido ao juízo da Igreja. Ora, o olho do adúltero observa a escuridade, ao dizer da Escritura. Logo, não deve a referida separação ser trazida perante o juízo da Igreja.
5. Demais. ─ Uma acusação deve ser precedida da inscrição pela qual se obriga à pena de crime da fornicação não pode ser provado, porque talião quem não conseguir, provar a acusação. Ora, tal não é possível nesta matéria; pois, qualquer que fosse o resultado do processo, o marido conseguiria o seu intento, quer devesse repudiar a esposa, quer a esposa repudiar a ele. Logo, não deve tal acusação ser trazida perante o tribunal da Igreja.
6. Demais. ─ Mais obrigado está o marido para com a mulher que para com um estranho. Ora, não devemos deferir ao juízo da Igreja o crime alheio, mesmo de um estranho, senão depois de termos feito advertência em segredo, como esta claro no Evangelho. Logo, muito menos deve o marido deferir à Igreja o crime da esposa, sem primeiro tê-la advertido particularmente.
Mas, em contrário. ─ Ninguém deve ser juiz em causa própria. Ora o marido, que por arbítrio próprio demitisse a esposa prevaricadora, seria juiz em causa própria. Logo, isso não lhe deve ser permitido.
2. Demais. ─ Ninguém pode ser autor e juiz numa mesma causa. Ora, o marido é o autor queixoso de uma ofensa que sua mulher lhe fez. Logo, não pode ser também juiz. E assim, não deve repudiá-la por arbítrio próprio.
SOLUÇÃO. ─ O marido pode repudiar a mulher de dois modos. ─ Primeiro, só quanto ao tóro. E então pode fazê-lo, por juízo próprio, desde que lhe souber da infidelidade. Nem fica obrigado a cumprir para com ela o dever conjugal, quando dele o exigir, salvo se a Igreja lh'o impuser. E neste último caso, o cumprimento desse dever não lhe causa nenhum dano. ─ De outro modo, quando ao tóro e à coabitação. E então não na pode repudiar senão por juízo da Igreja. E se proceder diferentemente, deve ser compelido à coabitação, salvo se lhe puder provar imediatamente o fato da infidelidade. E esse repúdio se chama divórcio. Donde devemos concluir que este não pode ser decretado senão por juízo da Igreja.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Uma sentença é a aplicação do direito comum a um fato particular. Por isso, o Senhor promulgou o direito, de acordo com o qual deve ser formulada a sentença no juízo.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ José quis deixar a Maria, não pela suspeita de infidelidade, mas por lhe respeitar a santidade, temendo coabitar com ela. ─ Mas o símile não colhe. Porque nesse tempo o adultério não só dava lugar ao divórcio, mas além disso, à lapidação. Não porém agora, no processo perante o tribunal da Igreja.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Deduz-se do que foi dito.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Pode o marido, suspeitando a esposa de adultério, vigiá-la a fim de com testemunhas, apanhá-la em flagrante delito de adultério e poder depois proceder à acusação. ─ Além disso, se o fato não puder ser provado, pode haver dele suspeitas veementes, provadas as quais, provado também ficará o adultério; assim, se foi encontrada a sós com um homem, em horas e lugar suspeitos, e estando ambos despidos.
RESPOSTA À QUINTA. ─ De dois modos pode o marido acusar a esposa de adultério. ─ Primeiro, perante o juízo espiritual, com o fim de obter a separação do toro. E então não é preciso que se obrigue de ante-mão e por escrito à peça de talião; porque seria isso conseguir exatamente o seu intento, como a objeção o prova. Outro fim seria a punição do crime em juízo secular. De outro modo, há de proceder a inscrição, pela qual se obriga à pena de talião, se não puder provar a acusação.
RESPOSTA À SEXTA. ─ Como determina uma decretal, pode proceder-se de três modos, no juízo criminal. Primeiro, por inquisição, que deve ser precedida do rumor público insinuativo da existência, o que tem lugar de acusação. Segundo, por acusação, que deve ser precedida pela inscrição. Terceiro, pela denúncia, a que deve preceder a correção fraterna. Ora, as palavras do Senhor se entendem, aplicáveis quando se procede por via de denúncia, e não por via de acusação; por que então o fim não é só a correção do delinquente, mas também a punição, com o fito de conservar o bem comum, que pereceria com a falta de justiça.