O terceiro discute-se assim. — Parece que a luz não é uma qualidade.
1. — Pois, toda qualidade permanece no sujeito, mesmo depois de ter o agente desaparecido; p. ex., o calor conserva-se na água ainda depois de afastado o fogo. Ora, retirado o foco luminoso, a luz não permanece no ar. Logo, não é uma qualidade.
2. Demais. — Toda qualidade sensível tem o seu contrário; assim o quente e o frio, o branco e o preto. Mas à luz nada é contrário, pois as trevas são a privação dela. Logo, a luz não é uma qualidade sensível.
3. Demais. — A causa é mais poderosa que o efeito. Ora, a luz dos corpos celestes causa as formas substanciais nos seres inferiores terrestres, pois é a que dá o ser espiritual às cores, tornando-as atualmente visíveis. Logo, a luz não é uma qualidade sensível, mas antes, uma forma substancial ou espiritual.
Mas, em contrário, Damasceno diz que a luz é uma qualidade.
Solução. — alguns disseram que a luz, no ar, não tem o ser natural, como, p. ex., a cor não o tem na parede; mas o ser intencional, como p. ex., a semelhança da cor, no ar. — Mas isto não pode ser, por duas razões. Primeiro, porque a luz qualifica o ar, tornando-o atualmente luminoso. Porém a cor não o qualifica, pois não se diz que o ar é colorido. Segundo, porque a luz produz um efeito natural, pois, com os raios do sol aquecem-se os corpos; ao passo que as intenções não produzem transmutações naturais.
Outros, porém, disseram que a luz é a forma substancial do sol. — Mas também essa opinião é inadmissível, por duas razões. Primeiro, porque nenhuma forma substancial é, por si mesma, sensível; pois, a quididade é o objeto do intelecto, como diz Aristóteles, e a luz é, em si, visível. Segundo, porque é impossível seja a forma substancial, em um ser, acidental em outro; pois, sendo próprio da forma substancial, por si mesma, constituir a espécie, sempre e em todos os seres ela vai junto com esta. Ora, a luz não é a forma substancial do ar, pois do contrário este se corromperia com a ausência daquela. Logo, não pode ser a forma substancial do sol.
Deve-se, portanto, dizer que, assim como o calor é uma qualidade ativa, resultante da forma substancial do fogo; assim a luz é uma qualidade ativa resultante da forma substancial do sol ou de qualquer outro corpo por si lúcido, se porventura existe. E a prova é que os raios das diversas estrelas têm diversos efeitos segundo as naturezas diversas dos corpos.
Donde a resposta à primeira objeção. — Resultando a qualidade da forma substancial, conforme o sujeito se comporta no receber a qualidade, assim mesmo se comportará no receber a forma. Quando, pois, a matéria já recebeu a forma, perfeitamente, também firmemente fica estabelecida a qualidade resultante da forma; assim, p. ex., se a água se convertesse em fogo. Porém, se a forma substancial foi recebida imperfeita e como incoativa, a qualidade resultante permanece, por certo, por algum tempo, mas não sempre; como bem se vê na água aquecida, que torna à sua natureza. Ora, a iluminação não se opera por nenhuma transmutação da matéria, para receber a forma substancial, como se se operasse alguma incoação desta; por onde, a luz não permanece senão enquanto permanece o agente.
Resposta à segunda. — É acidentalmente que a luz não tem contrário, como qualidade natural que é do primeiro corpo alterante, que escapa à contrariedade.
Resposta à terceira. — Assim como o calor produz a forma do fogo, quase instrumentalmente, em virtude da forma substancial; assim a luz age, quase instrumentalmente, em virtude dos corpos celestes, para produzir as formas substanciais e para tornar as cores atualmente visíveis, enquanto qualidade que é do primeiro corpo sensível.