Skip to content

Art. 2 ─ Se a satisfação é um ato de justiça.

O segundo discute-se assim. Parece que a satisfação não é um ato de justiça.
 
1. Pois, o fim da satisfação é nos reconciliar com quem ofendemos. Ora, a reconciliação, implicando o amor, supõe a caridade. Logo, a satisfação é ato de caridade e não de justiça.
 
2. Demais. As causas dos pecados em nós são as paixões da alma, pelas quais somos incitados ao mal. Ora, a justiça, segundo o Filósofo, não tem por objeto as paixões, mas os atos. Logo, sendo próprio da satisfação eliminar as causas dos pecados, como diz a letra do Mestre, conclui-se que não é um ato de justiça.
 
3. Demais. Acautelar para o futuro não é ato de justiça, mas antes, de prudência, de que a cautela faz parte. Ora, isto implica a satisfação, pois a ela pertence não permitir a entrada às sugestões dos pecados. Logo, a satisfação não é um ato de justiça.
 
Mas, em contrário. Nenhuma virtude leva em conta a noção de débito, senão a justiça. Ora, a satisfação dá a honra devida a Deus, como diz Anselmo. Logo, a satisfação é um ato de justiça.
 
2. Demais. Nenhuma virtude, a não ser a justiça, realiza a igualdade entre as coisas exteriores. Ora, isso o faz a satisfação, que estabelece a igualdade entre a reparação e a ofensa. Logo, a satisfação é um ato de justiça.
 
SOLUÇÃO. — Segundo o Filósofo, a mediedade da justiça se funda na igualdade entre duas coisas, segundo uma certa proporcionalidade. Por onde, como essa igualdade implica a denominação mesma de satisfação, pois o advérbio latino satis designa uma igualdade de proporção, conclui-se ser a satisfação formalmente um ato de justiça. Ora, o ato de justiça, segundo o Filósofo, ou é de nos para com outrem, como quando lhe pagamos o devido; ou de outrem para com outrem, como quando o juiz estabelece a justiça entre duas partes. Ora, quando é um ato de justiça de nós para com outrem, a igualdade se constitui em nós mesmos: quando de outrem para com outrem, a igualdade se constitui pelo ato de justiça recebido. E como a satisfação exprime a igualdade no agente, significa o ato de justiça nosso para com outrem, propriamente falando. No outro lado, um ato nosso para com outrem pode realizar a justiça, no atinente às ações e às paixões, ou às coisas externas; assim como co mete uma injustiça para com outrem quem lhe subtrai o que lhe pertence ou o lesa por qualquer ato. E sendo o dar o uso dos bens externos, por isso o ato de justiça, enquanto restabelece a igualdade nas causas externas, significa propriamente restituir, ao passo que satisfazer exprime manifestamente a igualdade nas ações, embora às vezes isto se tome por aquilo. Mas, igualdade não pode haver senão entre causas desiguais. Por isso a satisfação pressupõe a desigualdade entre as ações, desigualdade que constitui a ofensa; por onde, diz respeito a uma ofensa precedente senão a justiça vindicativa. E esta restabelece a igualdade no que recebe o ato justo; e é indiferente seja o paciente o mesmo que o agente como quando nos impomos uma pena a nós mesmos; ou que o seja como quando o juiz pune alguém; pois, em ambos os casos se exerce a justiça vindicativa. Semelhantemente, a penitência, que restabelece a igualdade só no agente, pois, é o penitente mesmo que se dá a si a pena; e assim a penitência faz de certo modo parte da justiça vindicativa. Donde se conclui, que a satisfação, que restabelece no agente a igualdade relativamente à ofensa precedente, é um ato de justiça, no atinente à parte chamada penitência.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. A satisfação, cama do sobredito se colhe, é uma certa compensação pela injustiça feita. Por onde, assim como a injustiça praticada causava imediatamente a desigualdade da justiça e, por consequência, a desigualdade oposta à amizade, assim também a satisfação conduz diretamente à igualdade da justiça e, por consequência, à igualdade da amizade. E como um ato procede, como elícito, do hábito a cujo fim imediatamente se ordena; e como imperado, daquele a cujo fim ultimamente tende, por isso a satisfação é um
ato elícito da justiça, mas imperado pela caridade.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. Embora a justiça respeite principalmente os atos, contudo, por consequência, respeita as paixões, enquanto causas dos atos. Mas, assim como a justiça coíbe à ira, impedindo-nos de causar injúria a outrem; e a conscupiscência, impedindo-nos de violar o leito alheio; assim também a satisfação pode eliminar as causas dos pecados.
 

RESPOSTA À TERCEIRA. Qualquer virtude moral participa do ato da prudência, porque ela realiza formalmente em cada uma a idéia da virtude; pois, é a que estabelece a mediedade em cada uma das virtudes morais, como o demonstra a definição de virtude dada por Aristóteles.

AdaptiveThemes