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Art. 3 — Se há dor nos demônios.

O terceiro discute-se assim. — Parece que não há dor nos demônios.
 
1. — Pois, a dor e a alegria, mutuamente se opondo, não podem simultaneamente existir no mesmo ser. Ora, nos demônios há alegria; porquanto Agostinho diz: O diabo tem poder sobre aqueles que desprezam os preceitos de Deus, e se alegram com esse tão infeliz poder. Logo, neles não há dor.
 
2. Demais. — A dor é a causa do temor; pois, tememos o futuro daquilo que sofremos, quando é presente. Ora, nos demônios não há temor, conforme a Escritura: Foi feito para que não temesse a nada. Logo, neles não há dor.
 
3. Demais. — Doer-se do mal é bom. Ora, os demônios não podem fazer o bem. Logo, não podem ter dor, ao menos pelo mal da culpa, o relativo ao verme da consciência.
 
Mas, em contrário, o pecado do demônio é mais grave que o do homem. Ora, este é punido pela dor, por causa do deleite no pecado, segundo a Escritura: Quanto ela se tem glorificado e vivido em deleites, tanto lhe daí de tormento e pranto. Logo, com maioria de razão, o diabo, que se glorificou maximamente, é punido pelo pranto da dor.
 
Solução. — O temor, a dor, a alegria e outras paixões, como tais, não podem existir nos demônios; pois, como tais, pertencem propriamente ao apetite sensitivo, virtude que se exerce pelo órgão corpóreo. Mas, enquanto designam atos simples da vontade, podem neles existir; sendo necessário então dizer que neles há dor. Pois esta, significando ato simples da vontade, não é senão o recalcitrar desta quanto ao que é ou ao que não é. Ora, é claro, os demônios querem não fossem muitas coisas que são, e fossem muitas que não são; assim, invejosos, querem fossem danados os que se salvam. Por onde, é forçoso admitir que neles há dor; e, precipuamente, porque é da natureza da pena repugnar à vontade. Ora, eles estão privados da beatitude, que naturalmente desejam; e, em muitos deles, é reprimida a vontade iníqua.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A dor e a alegria, relativamente ao mesmo objeto, são opostos; não são porém, relativamente a objetos diversos. Por onde, nada impede que alguém simultaneamente se doa de uma coisa e goze com outra; e sobretudo enquanto a dor e a alegria supõem atos simples da vontade, pois não só em relação a coisas diversas,mas também em relação a uma mesma coisa, pode haver algo que queremos e algo que não.
 
Resposta à segunda. — Assim como, nos demônios, há a dor do presente, assim há o temor do futuro. E a expressão — Foi feito para que não temesse a nada — se entende do temor de Deus, que coíbe o pecado. Pois, alhures está escrito, que os demônios crêem e estremecem.
 
Resposta à terceira. — O doer-se do mal da culpa, em si mesma, atesta a bondade da vontade, à qual esse mal se opõe. Doer-se porém do mal da pena, ou do mal da culpa, por causa da pena, atesta a bondade da natureza, à qual o mal da pena se opõe. Por isso Agostinho diz, que a dor do bem perdido, no suplício, é testemunho da natureza boa. Logo, o demônio, de vontade perversa e obstinada, não se dói do mal da culpa.

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