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Art. 4 — Se a vontade move o intelecto.

(Iª IIae, q. 9, a. 1; II Cont. Gent., cap. XXVI; De Verit., q. 22, a. 12; De Malo, q. 6).
 
O quarto discute-se assim. ― Parece que a vontade não move o intelecto.
 
1. ― Pois o motor é mais nobre que o movido e anterior a este, porque é agente e o agente é mais nobre que o paciente, como diz Agostinho e o Filósofo. Ora, o intelecto tem prioridade sobre a vontade e é mais nobre que ela, como acima se disse (a. 3). Logo, ela não move o intelecto.
 
2. Demais. ― Só por acidente talvez é que o movido move o motor. Ora, o intelecto move a vontade, porque o desejável apreendido pelo intelecto é motor não movido; ao passo que o apetite é motor movido. Logo, o intelecto não é movido pela vontade.
 
3. Demais. ― Não podemos querer nada que não seja inteligido. Se, portanto, à vontade, querendo o inteligir, é quem o provoca, será necessário que também a esse querer preceda outro inteligir, e a este, outro querer, e assim até ao infinito, o que é impossível. Logo, a vontade não move o intelecto.
 
Mas, em contrário, Damasceno diz, que em nós está o conhecer ou não qualquer arte que quisermos. Ora, alguma coisa está em nós pela vontade, ao passo que conhecemos as artes pelo intelecto. Logo, a vontade move o intelecto.
 
Solução. ― De dois modos se diz que uma coisa move. ― Como fim, como quando se diz que o fim move a causa eficiente. E, deste modo, o intelecto move a vontade, porque o bem inteligido é o objeto dela e a move, como fim. ― De outro modo, como agente; assim, o alterante move o alterado e o impelente, o impelido. E, desta maneira, a vontade move o intelecto e todas as virtudes da alma, como diz Anselmo (Eadmeros). E a razão é que, em todas as potências ativas ordenadas, a potência que visa o fim universal move as que visam fins particulares. O que se vê tanto nas coisas naturais como nas políticas. Assim, o céu, que causa a conservação universal dos seres susceptíveis de geração e de corrupção, move todos os corpos inferiores, dos quais cada um trata da conservação da própria espécie ou mesmo, do indivíduo. Também o rei, que visa o bem comum do reino todo, move pelo seu império cada um dos prepostos das cidades, que se esforçam por conservar o regime em cada uma delas. Ora, o objeto da vontade é o bem e o fim, em comum; e cada potência respeita um bem próprio, que lhe é conveniente; assim, a visão, a percepção da cor e o intelecto, o conhecimento da verdade. Por onde, à vontade, a modo de agente, move todas as potências da alma para os atos próprios delas, excetuando as virtudes naturais da parte vegetativa, independentes do nosso arbítrio.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — O intelecto pode ser considerado sob duplo aspecto; como apreensivo do ente e da verdade universal; e como uma realidade e uma potência particular, tendo um determinado ato. E, semelhantemente, a vontade também pode ser considerada sob duplo aspecto: em relação à comunidade do seu objeto, como apetitiva do bem comum; e como uma determinada potência da alma, tendo um determinado ato. Se, pois, se comparar o intelecto com a vontade, quanto à noção de comunidade dos objetos de ambos, então, como já se disse antes (a. 3), o intelecto é, em si, mais elevado e mais nobre que à vontade. Se porém considerarmos o intelecto e a vontade, aquele quanto à comunidade do seu objeto, e esta como uma determinada potência, então, o intelecto ainda é mais elevado que à vontade e tem prioridade sobre ela; porque, nas noções de ente e de verdade, apreendidas pelo intelecto, está contida a própria vontade com o seu ato e o seu objeto. Por onde, o intelecto intelige à vontade com o seu ato e o seu objeto, bem como as demais coisas inteligidas em especial, como a pedra ou a madeira, que se contêm na noção comum de ente e de verdadeiro. Se, porém, for considerada a vontade, quanto à essência comum do seu objeto, que é o bem, e o intelecto, como uma realidade e uma potência especial, então, em a noção comum do bem está contido o intelecto, como algo de especial, e o inteligir, com o seu objeto, que é a verdade, sendo cada um bem especial. E, sob este aspecto, a vontade é mais elevada que o intelecto e pode movê-lo. Por onde se vê a razão por que essas potências; pelos seus atos, se incluem uma na outra; pois, o intelecto intelige o querer da vontade; e esta quer o inteligir do intelecto. E, por semelhante razão, o bem está contido em a noção do verdadeiro, como um certo verdadeiro inteligido; e o verdadeiro, em a noção do bem, como um certo bem desejado.
 
Resposta à segunda. ― O intelecto move a vontade diferentemente do modo pelo qual a vontade move o intelecto, como já se disse.
 
Resposta à terceira. ― Não é preciso proceder até ao infinito, mas deve-se parar no intelecto como no primeiro termo. Pois é necessário que a apreensão preceda a qualquer movimento da vontade; mas nem a toda apreensão precede um movimento da vontade, pois, o princípio do conselho e da intelecção é um princípio intelectivo mais elevado que o nosso intelecto e que é Deus, como o reconhece Aristóteles, mostrando, desse modo, que não é preciso proceder até o infinito.

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