O quarto discute-se assim. — Parece que o anjo bem-aventurado não mereceu a sua beatitude.
1. — Pois, o mérito provém da dificuldade do ato meritório. Ora, o anjo não teve nenhuma dificuldade em obrar bem. Logo, a boa obra não lhe foi meritória.
2. Demais. — Nós não merecemos pelo que nos é natural. Ora, natural ao anjo era que se convertesse a Deus. Logo, por isso não mereceu a felicidade.
3. Demais. — Se o anjo bem-aventurado mereceu a sua beatitude ou a mereceu antes de a ter, ou depois de a ter tido. Ora, antes, não, pois, segundo a opinião de muitos, antes não teve a graça, sem a qual não há nenhum mérito. Nem depois, porque então, ainda continuaria a merecer, o que é falso; pois, se assim fosse, um anjo menor, merecendo, poderia chegar ao grau do anjo superior, e não seriam estáveis as distinções dos graus da glória, o que é inadmissível. Logo, o anjo bem-aventurado não mereceu a sua beatitude.
Mas, em contrário. Diz a Escritura, que a medida do anjo, na celeste Jerusalém, é a medida do homem. Ora, o homem não pode alcançar a beatitude senão pelo mérito. Logo, nem o anjo.
Solução. — Só a Deus é natural a beatitude perfeita, porque nele se identifica a essência com a beatitude. Porém, a qualquer criatura a beatitude não é natural, mas é o fim último. Ora, qualquer ser, alcança, pela sua operação, o seu último fim. E essa operação conducente ao fim ou é factiva do fim, quando este não excede a virtude do que opera,visando-o, e assim a medicação é factiva da saúde;ou é meritória do fim, quando este excede a virtude do que opera, visando-o, e então o fim é esperado como dom alheio.Ora, a beatitude última excede tanto a natureza angélica como a humana, conforme resulta do já dito. Donde se conclui que, tanto o anjo como o homem mereceram a sua beatitude.
E se o anjo, pois, foi criado em graça, sem a qual não há nenhum mérito, podemos dizer sem dificuldade que mereceu a sua beatitude; e semelhantemente, se alguém dissesse que o anjo teve, de algum modo, a graça antes da glória. —Se porém o anjo não teve a graça antes de ser bem-aventurado, então devemos dizer que alcançou a beatitude sem mérito, como nós, a graça.O que todavia é contra a natureza da beatitude, que exerce a função de fim e é o prêmio da virtude, como também ensina o Filósofo. —Ou se deve dizer que os anjos merecem a beatitude pelo que, já bem-aventurados operam nos divinos ministérios, como outros sentiram. O que contudo é contra a natureza do mérito; pois, sendo como a via para o fim, e a quem já está no termo não cabendo mover-se para este, ninguém merece o que já tem. —Ou se deve dizer que o mesmo ato de conversão para Deus é meritório, enquanto promana do livre arbítrio; e é a fruição bem-aventurada enquanto atinge o fim. Mas também esta opinião é inadmissível, por não ser o livre arbítrio a causa suficiente do mérito, e portanto o ato não poder ser meritório, enquanto livre, sem que seja informado pela graça. Ora, não pode ser informado simultanteamente pela graça imperfeita, princípio do mérito e pela perfeita, princípio da fruição. Por onde, não é possível, simultaneamente, fruir e merecer a fruição.
Por onde, melhor diremos que o anjo teve a graça, antes de ser beatificado, e por ela mereceu a beatitude.
Donde a resposta à primeira objeção. — A dificuldade de bem obrar aos anjos não lhes provém de nenhuma contrariedade ou impedimento da virtude natural; mas de qualquer obra boa superar a virtude da natureza.
Resposta à segunda. — Não pela conversão natural o anjo mereceu a beatitude, mas pela conversão da caridade, que procede da graça.
Resposta à terceira. — A resposta resulta claro do já dito.