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Art. 9 — Se os que vêem a divina essência nela vêem as coisas por meio de certas imagens.

(III Sent., dist. XIV, a. 1, q. 4, 5; De Verit., q. 8, a. 5).
 
O nono discute-se assim. — Parece que os que vêem a divina essência nela vêem as coisas por meio de certas imagens.
 
1. — Pois, todo conhecimento se dá por uma assimilação entre o conhecente e o conhecido. Assim, se o intelecto, em ato de conhecimento, se torna, no objeto inteligido, em ato de inteligibilidade, é por ser informado pela semelhança do que deve conhecer; do mesmo modo que, se a visão em ato se torna no sensível em ato, é porque a pupila é informada pela semelhança da cor. Por onde, o intelecto que vê a Deus em essência, para ver nele algumas criaturas há-de ser informado pelas semelhanças delas.
 
2. Demais. — Conservamos na memória as coisas que vimos primeiro. Ora, São Paulo, vendo num rapto a essência de Deus, como diz Agostinho, recordava-se, depois de acabada a visão, de muitas coisas que nela vira1; e, por isso, ele mesmo diz (2 Cor 12, 4) que ouviu lá palavras secretas que não é permitido a um homem referir. Logo, é forçoso admitir que no seu intelecto permaneceram certas semelhanças das coisas de que se recordava. E, pela mesma razão, quando contemplava presencialmente a essência de Deus, tinha certas semelhanças ou espécies das coisas que nela via.
 
Mas, em contrário, pela mesma espécie vemos o espelho e as coisas que ele reflete. Ora, todas as coisas são vistas em Deus, que é um como espelho inteligível. Logo, se Deus mesmo não é visto por meio de nenhuma semelhança, mas pela sua essência, também as coisas nela vistas não são vistas por nenhumas semelhanças ou espécies.
 
SOLUÇÃO. — Os que contemplam a Deus em essência não vêem por nenhumas espécies as coisas que nela vêem, mas, por essa essência divina mesma, que lhes está unida ao intelecto. Assim, conhecemos uma coisa quando temos uma imagem dela, o que de dois modos se pode dar. Pois, como duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si; de dois modos a potência cognoscitiva pode assimilar-se a um objeto cognoscível. Ou em si, quando é diretamente informada pela imagem do objeto, e então o conhece em si mesmo; ou quando informada pela espécie de outro objeto semelhante ao primeiro, e então este não é conhecido em si mesmo mas, por meio do que lhe é semelhante. Assim, um é o conhecimento que temos de um homem, em si mesmo, e outro, o que dele temos por meio de uma imagem. Por onde, conhecer as coisas pelas semelhanças delas em nós existentes é conhecê-las em si mesmas ou nas suas naturezas próprias; mas, conhecê-las por meio das imagens delas preexistentes em Deus, é vê-las em Deus. E estes dois modos de conhecimento diferem. Por isso, o conhecimento que têm das coisas os que as vêem em Deus mesmo, cuja essência contemplam, não é um conhecimento mediante outras imagens, mas mediante a só essência divina presente ao intelecto, pela qual também Deus é visto.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O intelecto criado de quem vê a Deus se assimila às coisas vistas enquanto ele está unido com a divina essência, na qual preexistem as imagens de todas as coisas.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Há certas potências cognoscitivas, que, das espécies primeiramente concebidas, podem formar outras; assim, a imaginação forma, das espécies pré-concebidas de monte e de ouro, a espécie de monte áureo; e o intelecto, das espécies pré-concebidas de gênero e de diferença, a diferença específica. E, igualmente, da semelhança de imagem podemos formar, em nós, a semelhança do ser ao qual ela pertence. E assim, Paulo, ou qualquer outro, vendo a Deus, pela visão mesma da essência divina, pode formar em si semelhanças das coisas vistas na divina essência; e essas permaneceram em Paulo mesmo depois que deixou de contemplar a essência de Deus. Esta visão, porém, pela qual são vistas as coisas, por meio de tais espécies assim concebidas, é diferente da visão pela qual as coisas são vistas em Deus.
  1. 1. Super Genes. Ad litt., 12 cap. 28.
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