Skip to content

Art. 10 — Se o homem, constituído na graça, precisa do auxílio da mesma para perseverar.

(IIª-IIªe, q. 137 a. 4: II Sent., dist. XXIX, exposit litt.; III Cont. Gent., cap. CLV; De Verit., q. 24, a. 13). 
 
O décimo discute-se assim. — Parece que o homem constituído na graça não precisa do auxílio da mesma, para perseverar.
 
1. — Pois, a perseverança, como a continência, é algo menos que a virtude, como claramente o diz o Filósofo. Ora, o homem, uma vez justificado pela graça, não precisa do auxílio da mesma, para praticar a virtude. Logo, com maior razão, não precisa desse auxílio para perseverar.
 
2. Demais. — Todas as virtudes são infundadas simultaneamente. Ora, a perseverança é considerada uma virtude. Logo, a perseverança coexiste com a graça das outras virtudes infusas.
 
3. Demais. — Como diz o Apóstolo, o homem ganhou mais com o dom de Cristo, do que perdeu com o pecado de Adão. Ora, Adão recebera o dom de poder perseverar. Logo, com maior razão, pela graça de Cristo, obtemos o poder de perseverar. Portanto, não precisamos, para isso, de nenhuma graça.
 
Mas, em contrário, Agostinho diz: Porque pedimos a Deus a perseverança, se ele não a dá? Pois, é uma petição irrisória, desde que sabemos que ele não nos satisfaz o pedido, e que está em nosso poder esse dom mesmo, não recebido de Deus. Ora, a perseverança é pedida, mesmo pelos santificados pela graça; pois, isso está compreendido na oração — Santificado seja o vosso nome — como,no mesmo lugar Agostinho o confirma, citando as palavras de Cipriano. Logo, o homem, mesmo constituído em graça, precisa que Deus lhe dê a perseverança.
 
SOLUÇÃO. — A perseverança pode ser entendida em tríplice acepção. — Às vezes, significa um hábito do espírito, que fortifica o homem contra o ímpeto da tristeza, para que se não afaste da vida virtuosa. E assim, a perseverança está para a tristeza como a continência, para a concupiscência e o prazer, segundo o Filósofo. — Outras vezes, pode chamar-se perseverança a um hábito pelo qual o homem tem o propósito de perseverar no bem até o fim. — Ora, de ambos esses modos, a perseverança é infundida simultaneamente com a graça, assim como a continência e as demais virtudes.
 
Noutra acepção, chama-se perseverança à continuação no bem até o fim da vida. E para consegui-la, o homem, constituído na graça não precisa, por certo, de nenhuma outra graça habitual, mas, ao auxílio divino, que o dirige e protege contra o ímpeto das tentações, conforme resulta da questão precedente. Portanto, quem está justificado pela graça, há necessariamente de pedir a Deus o referido dom da perseverança, para livrar-se do mal, até o fim da vida. Pois, a muitos é dada a graça, aos quais não é dado nela perseverar.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A objeção colhe, quanto à primeira acepção da perseverança. Assim como a segunda também colhe, no concernente à segunda acepção.
 
Donde se deduz a resposta à segunda objeção.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz Agostinho, o homem, no seu primeiro estado, recebeu o dom pelo qual poderia perseverar; não o recebeu, contudo, para que perseverasse. No estado presente, porém, pela graça de Cristo, muitos recebem o dom da graça, pelo qual podem perseverar, e além disso é-lhes concedido perseverarem. Portanto, o dom de Cristo é maior que o delito de Adão. E contudo, o homem podia, pelo dom da graça, perseverar mais facilmente, no estado de inocência, em que nenhuma rebelião havia da carne contra o espírito, do que no estado presente, em que a restauração operada pela graça de Cristo, embora já começada, no espírito, ainda não se consumou na carne. O que se dará na prática, onde o homem, não só poderá perseverar, mas onde também não poderá pecar.

AdaptiveThemes