O quarto discute-se assim. — Parece que o necessário e o eterno estão sujeitos à lei eterna.
1. — Pois, tudo o que é racional está sujeito à razão. Ora, a vontade divina, sendo justa, é racional. Logo, está sujeita à razão. Ora, a lei eterna é a razão divina. Portanto, a vontade de Deus está sujeita à lei eterna. E como a vontade de Deus é algo de eterno, resulta que também o eterno e o necessário estão sujeitos à lei eterna.
2. Demais. — Tudo o que está sujeito ao rei, está sujeito à lei do mesmo. Ora, o Filho, no dizer da Escritura (1 Co 15, 28-29), quando lhe tiver entregado o reino, estará sujeito a Deus e ao Padre. Logo, o Filho, que é eterno, está sujeito à lei eterna.
3. Demais. — A lei eterna é a razão da Divina Providência. Ora, muitas coisas necessárias estão sujeitas a ela, como as substâncias incorpóreas e os corpos celestes permanentes. Logo, o necessário também está sujeito à lei eterna.
Mas, em contrário. — O necessário, sendo impossível sofrer mudança, não precisa de coibição. Ora, a lei é imposta ao homem para coibi-lo do mal, como do sobredito resulta (q. 92, a. 2). Logo, o necessário não está sujeito à lei.
Solução. — Como já dissemos (a. 1), a lei eterna é a razão do governo divino. Por onde, tudo o que está sujeito ao governo divino o está também à lei eterna; e o que não está sujeito a esse governo, nem à lei eterna o está. E esta distinção pode se fundar nas coisas que nos circundam. Assim, ao governo humano está sujeito o que pode ser feito pelos homens; o que porém pertence à natureza humana, como ter alma, mãos ou pés, não depende do governo humano. Por onde, à lei eterna estão sujeitas todas as coisas criadas por Deus, quer contingentes, quer necessárias; não está sujeito porém a essa lei o que pertence à natureza ou à essência divina, que constitui realmente a lei eterna mesma.
Donde a resposta à primeira objeção. — A vontade de Deus podemos considerá-la de dois modos. — De um modo, em si mesma. E então, sendo a vontade de Deus a essência mesma dele, não está sujeita ao governo divino, nem à lei eterna, com a qual se identifica. — De outro modo podemos considerá-la em relação àquilo que Deus quer das criaturas, as quais estão sujeitas à lei eterna, por terem a sua razão na sabedoria divina. E por isso dizemos, que a vontade de Deus é racional. Pois, do contrário, em si mesma, deveria ser considerada, antes como a própria razão.
Resposta à segunda. — O Filho não foi feito por Deus, mas é dele naturalmente gerado. Por isso, não está sujeito à Providência Divina, nem à lei eterna; antes, por uma certa apropriação, ele mesmo é a lei eterna, como claramente o diz Agostinho. E dizemos que está sujeito ao Pai, em virtude da natureza humana, pela qual também dizemos que o Pai é maior que ele.
À terceira objeção concedemos. — Por proceder do necessário criado.
Resposta à quarta. — Como diz o Filósofo, certas coisas necessárias têm, a causa da sua necessidade; e assim, a mesma impossibilidade de existirem de outro modo provém-lhes de outro ser; e isso mesmo é uma certa e eficacíssima coibição. Pois, tudo o que é coibido, em geral, dizemos que o é, na medida em que não pode agir diferentemente da disposição que tem.