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Art. 4 — Se é necessário haver uma lei divina.

(I, q. 1. a. 1; IIª-IIªª, q. 22, a. I, ad 1; III, q. 60, a. 5, ad 3; III Sent., dist. XXXVII, a. 1; In Psalm. XVIII; Ad Galat., cap. III, lect. VII).
 
O quarto discute-se assim. — Parece que não é necessário haver nenhuma lei divina.
 
1. — Pois, como já se disse (a. 2), a lei natural é uma participação da lei eterna em nós. Ora, a lei eterna é a lei divina, como se disse (a. 1). Logo, não é necessário haver uma lei divina, além da natural e das leis humanas dela derivadas.
 
2. Demais. — A Escritura diz (Sr 15, 14): Deus deixou o homem na mão do seu conselho. Ora, o conselho é ato de razão, como já se estabeleceu (q. 14, a. 1). Logo, o homem foi deixado ao governo da sua razão. Ora, o ditame da razão humana é a lei humana, como já se disse (a. 3). Logo, não é necessário seja o homem governado por nenhuma lei divina.
 
3. Demais. — A natureza humana é mais capaz do que a das criaturas irracionais. Ora, as criaturas irracionais não estão sujeitas a ne­nhuma lei divina, além da inclinação natural, que lhes é inerente. Logo, com maior razão, não deve a criatura racional estar sujeita a qualquer lei divina, além da natural.
 
Mas, em contrário, David pede a Deus que lhe imponha uma lei, dizendo (Sl 118, 33): Impõe-me por lei, Senhor, o caminho das tuas justificações.
 
Solução. — Além da lei natural e da huma­na, é necessário, para a direção da vida humana, haver uma lei divina. E isto por quatro razões. — Primeiro, porque pela lei o homem dirige os seus atos em ordem ao fim último. Ora, se ele se ordenasse só para um fim que lhe não excedesse a capacidade das faculdades naturais, não teria necessidade de nenhuma regra racional, superior à lei natural e à humana desta derivada. Mas como o homem se ordena ao fim da beatitude eterna, excedente à capacidade natural das suas faculdades, como já estabelecemos (q. 5, a. 5), é necessário que, além da lei natural e da humana, seja tam­bém dirigido ao seu fim por uma lei imposta por Deus. — Segundo, da incerteza do juízo humano, sobretudo no atinente às coisas contingentes e particulares, originam-se juízos diversos sobre atos humanos diversos;donde, por sua vez, procedem leis diversas e contrárias. Portanto, para poder o homem, sem nenhuma dúvida, saber o que deve fazer e o que deve evitar, é necessário dirija os seus atos próprios pela lei estabelecida por Deus, que sabe não poder errar. — Terceiro, porque o homem só pode legislar sobre o que pode julgar. Ora, não pode julgar dos atos internos, que são ocultos, mas só dos externos, que apa­recem. E contudo, a perfeição da virtude exige que ele proceda retamente em relação a uns e a outros. Portanto, a lei humana, não podendo coibir e ordenar suficientemente os atos inter­nos, é necessário que, para tal, sobrevenha a lei divina. — Quarto, porque, como diz Agostinho, a lei humana não pode punir ou proibir todas as malfeitorias. Pois, se quisesse eliminar todos os males, haveria conseqüentemente de impedir muitos bens, impedindo assim a utilidade do bem comum, necessário ao comércio humano. Por onde, afim de nenhum mal ficar sem ser proibido e permanecer impune, é necessário so­brevir a lei divina, que proíbe todos os pecados. — E essas quatro causas estão resumidas no salmo, que diz o seguinte (Sl 118, 8): A lei do Senhor que é imaculada, i. é, que não permite a torpeza de nenhum pecado; converte as almas, porque regula, não só os atos externos, mas também os internos; o testemunho do Senhor é fiel, por causa da certeza da verdade e da retitude; e dá sabe­doria aos pequeninos, ordenando o homem a um fim sobrenatural e divino.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Pela lei natural, o homem participa da lei eterna, proporcionalmente à capacidade da sua natureza. Mas importa que, de modo mais alto, seja levado ao fim último e sobrenatural. E por isso se lhe acrescenta a lei dada por Deus, pela qual a lei eterna é participada de modo mais elevado.
 
Resposta à segunda. — O conselho é uma perquisição e, portanto, há de proceder de certos princípios. Não basta porém que proceda de princípios naturalmente ínsitos, que são os da lei natural, pelas razões já expostas. Mas é necessário que outros se lhes acrescentem e tais são os preceitos da lei divina.
 
Resposta à terceira. — As criaturas irra­cionais não se ordenam a um fim mais elevado do que o proporcionado à capacidade natural delas. Logo, a comparação não colhe.

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