(Infra, a. 3 ; De Malo, q. 3, a. III Ethic., lect. III).
O primeiro discute-se assim. ― Parece que a ignorância não pode ser causa do pecado.
1. ― Pois, o não-ser não tem causa nenhuma. Ora, a ignorância, sendo uma privação da ciência, é não-ser. Logo, não pode ser causa do pecado.
2. Demais. ― As causas do pecado se deduzem da conversão, como do sobredito resulta (q. 75, a. 1). Ora, parece que a ignorância respeita à aversão. Logo, não dever ser considerada causa do pecado.
3. Demais. ― Todo pecado depende da vontade, como já disse (q. 74, a. 1). Ora, esta não visa senão o que já é conhecido, pois, o seu objeto é o bem apreendido. Logo, a ignorância não pode ser causa do pecado.
Mas, em contrário, diz Agostinho, que certos pecam por ignorância.
SOLUÇÃO. ― Segundo o Filósofo, a causa motora é dupla: uma o é por si mesma; outra, por acidente. Por si mesma o é a que move por virtude própria; assim, o gerador é causa motora dos graves e dos leves. Por acidente, quando remove o impedimento, ou quando é a remoção mesma deste. Ora, de tal modo, a ignorância pode ser causa do ato pecaminoso; pois, ela é a privação da ciência, que aperfeiçoa a razão, a qual, por dirigir os atos humanos, proíbe os atos pecaminosos.
Devemos porém considerar, que a razão é diretiva dos atos humanos, por uma dupla ciência: pela ciência universal e pela particular. Pois, quando reflete no que devemos fazer, se serve de um silogismo, cuja conclusão é o juízo, ou a eleição ou a obra. Ora, como as ações recaem sobre o singular, singular também há de ser a conclusão do silogismo prático. Mas, a proposição singular não se conclui da universal senão mediante outra proposição singular. Assim, ao homem é proibido o ato do parricídio, por saber que não se deve matar o próprio pai, e que certo indivíduo é o pai. Logo, uma e outra ignorância podem causar o ato do parricídio, a saber: a do princípio universal, que é uma regra da razão, e a da circunstância singular. Por onde, é claro, não é qualquer ignorância do pecador a causa do pecado, mas só a que priva da ciência proibitiva do ato pecaminoso. Portanto, se a vontade de alguém estivesse de tal modo disposta que lhe não proibisse o ato do parricídio, ainda conhecendo o próprio pai, o desconhecer a este não lhe é àquele causa de pecado. E portanto tal indivíduo peca, não por ignorância, mas ignorando, segundo o Filósofo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO ― O não-ser não pode, por si mesmo, ser causa de nada; pode contudo ser causa acidental, removendo o impedimento.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― Assim como a ciência, exclusiva da ignorância, causa o pecado, pelo que há nele de conversão, assim a ignorância, no atinente a essa conversão, é causa do pecado, removendo o obstáculo.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― A vontade não pode ser levada ao totalmente desconhecido; mas pode querer o que é, em parte, conhecido e, em parte, ignoto. E deste modo, a ignorância é causa de pecado; assim, quando alguém sabe que mata um homem, mas ignora seja este o próprio pai; ou quando sabe que um ato é deleitável, mas não sabe que constitui pecado.