O segundo discute-se assim. ― Parece que o pecado não tem causa interior.
1. ― Pois, o que é interior a um ser sempre lhe está presente. Portanto, se o pecado tivesse causa interior, o homem pecaria sempre, porque, posta a causa, resulta o efeito.
2. Demais. ― Nada pode ser causa de si mesmo. Ora, os movimentos interiores do homem é que constituem o pecado. Logo, não são causa deste.
3. Demais. ― O que é interior ao homem ou é natural ou é voluntário. Ora, o natural não pode ser causa do pecado, por ser este contrário à natureza, como diz Damasceno. E o voluntário, se for desordenado, já é pecado. Logo, nada de intrínseco pode ser causa do primeiro pecado.
Mas, em contrário, Agostinho diz que o voluntário é causa do pecado.
SOLUÇÃO. ― Como já dissemos (a. 1), devemos deduzir do ato mesmo a causa em si do pecado. Ora, podemos distinguir a causa interior mediata e imediata do ato humano. A sua causa imediata é a razão e a vontade, pela qual o homem é dotado de livre arbítrio. A causa remota é a apreensão da parte sensitiva e também o apetite sensitivo. Pois, assim como pelo juízo da razão e de acordo com ela, a vontade se move para o seu objeto, assim também pela apreensão do sentido, o apetite sensitivo se inclina para o ser, inclinação que às vezes arrasta a vontade e a razão, como a seguir se estabelecerá claramente (q. 77, a. 1). Por onde, podemos assinalar uma dupla causa interior do pecado: a próxima, relativa à razão e à vontade; e a remota, concernente à imaginação ou ao apetite sensitivo.
Mas, como já se disse (a. 1), a causa do pecado é algum bom motivo aparente, mas, a que falta o motivo devido, i. é, a regra da razão ou da lei divina. Por onde, o motivo mesmo, que é o bem aparente, depende da apreensão do sentido e do apetite; e, por outro lado, a ausência mesma da regra devida depende da razão, naturalmente levada à consideração dessa regra. A perfeição porém do ato voluntário pecaminoso, depende da vontade, pois o ato mesmo da vontade, com as premissas supostas, já é pecaminoso.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― O que é intrínseco, como potência natural, sempre está presente; ao passo que nem sempre o está o intrínseco como ato interior do apetite ou da virtude apreensiva. Ora, a potência mesma da vontade é causa potencial do pecado, a qual porém se atualiza pelos movimentos precedentes, da parte sensitiva, primeiro, e, conseqüentemente, da razão. Pois, por isso mesmo que um objeto é proposto como desejável ao sentido, a razão, às vezes, cessa de considerar a regrar devida; e então, a vontade pratica o ato pecaminoso. E portanto, como os movimentos precedentes nem sempre são atuais, também o pecado nem sempre há-de sê-lo.
RESPOSTA À SEGUNDA. ― Nem todos os movimentos interiores são da substância do pecado, consistente principalmente num ato da vontade; mas, uns precedem o pecado, e outros lhe são conseqüentes.
RESPOSTA À TERCEIRA. ― A causa do pecado, como potência produtora do ato, é natural. E o movimento da parte sensitiva, donde resulta o pecado, às vezes também o é, como quando pecamos desejando a comida. Mas vem a ser pecado inatural, por lhe faltar a regra natural a que o homem, pela sua natureza, deve atender.