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Art. 1 — Se as bem-aventuranças se distinguem das virtudes e dos dons.

(III Sent., dist. XXXIV, q. 1, a. 4: In Isaiam, cap. XI; In Matth., cap. V).
 
O primeiro discute-se assim. — Parece que as bem-aventuranças não se distinguem das virtudes e dos dons.
 
1. — Pois, Agostinho atribui as bem-aventuranças enumeradas em Mat., V, aos dons do Espírito Santo1; ao passo que Ambrósio as atribui às quatro virtudes cardeais2. Logo, as bem-aventuranças não se distinguem das virtudes e dos dons.
 
2. Demais. — A vontade humana só tem duas regras: a razão e a lei eterna, como já se disse3. Ora, as virtudes aperfeiçoam o homem na ordem da razão; e os dons, na da lei eterna e do Espírito Santo, como do sobredito resulta4. Logo, além das virtudes e dos dons, não pode haver mais nada concernente à retidão da vontade humana. Logo, as bem-aventuranças não se distinguem deles.
 
3. Demais. — Na enumeração das bem-aventuranças inclui-se a mansidão, a justiça e a misericórdia, consideradas como sendo virtudes. Logo, as bem-aventuranças não se distinguem dos dons e das virtudes.
 
Mas, em contrário, algumas das consideradas bem-aventuranças não são virtudes nem dons; tais a pobreza, o pranto e a paz. Logo, as bem-aventuranças diferem das virtudes e dos dons.
 
SOLUÇÃO. — Como já dissemos5, a bem-aventurança é o fim último da vida humana. Ora, considera-se como já possuindo o fim quem tem a esperança de obtê-lo. Donde, diz o Filósofo que as crianças se consideram felizes por causa da esperança6; e o Apóstolo (Rm 8, 24): na esperança é que temos sido feitos salvos. Ora, a esperança de conseguir o fim resulta de nos movermos convenientemente para ele e dele nos aproximarmos, e isso se faz pelo agir. Ora, nós nos movemos para a bem-aventurança final e dela nos aproximamos, pelos atos virtuosos, e principalmente pela influência dos dons, se nos referimos à eterna beatitude, para a qual não basta a razão, mas é necessário o auxílio do Espírito Santo, para obedecer e seguir ao qual nos tornam aptos os dons. Logo, as bem-aventuranças distinguem-se das virtudes e dos dons, não como hábitos deles distintos, mas como os atos se distinguem dos hábitos.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Agostinho e Ambrósio atribuem as bem-aventuranças aos dons e às virtudes, assim como os atos são atribuídos aos hábitos. Os dons porém são mais eminentes que as virtudes cardeais, como já dissemos7. E por isso Ambrósio, explicando as bem-aventuranças propostas à multidão, as atribui às virtudes cardeais; ao passo que Agostinho, expondo as propostas aos discípulos no monte, como a mais perfeitos, atribui-as aos dons do Espírito Santo.
 
Resposta à segunda. — A objeção prova não haver, além das virtudes e dos dons, outros hábitos retificadores da vida humana.
 
Resposta à terceira. — A humildade é tomada pelo ato de mansidão. E o mesmo se deve dizer da justiça e da misericórdia. E embora estas se considerem virtudes, atribuem-se contudo aos dons, pois também estes aperfeiçoam os homens em relação aos mesmos objetos que as virtudes, como se disse8.

  1. 1. I De serm. Dom. in monte (cap. IV).
  2. 2. Lib. V Super Lucam (VI, 20).
  3. 3. Q. 19, a. 3, 4.
  4. 4. Q. 68, a. 1, 3.
  5. 5. Q. 2, a. 7; q. 3, a. 1.
  6. 6. I Ethic. (lect. XIV).
  7. 7. Q. 68, a. 8.
  8. 8. Q. 68, a. 2.
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