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Art. 3 — Se a virtude é compatível com a tristeza.

O terceiro discute-se assim. — Parece que a virtude não é compatível com a tristeza.
 
1. — Pois, as virtudes são efeitos da sabedoria, conforme a Escritura (Sb 8, 7): (a divina sabedoria) ensina a temperança e a justiça, a prudência e a fortaleza. Ora, como se acrescenta mais adiante (Sb 8, 16), a conversação da sabedoria não tem nada de desagradável. Logo, as virtudes são incompatíveis com a tristeza.
 
2. Demais. — A tristeza é impedimento a agir, como se vê claramente no Filósofo1. Ora o que impede a boa operação repugna à virtude. Logo, a tristeza repugna à virtude.
 
3. Demais. — A tristeza é uma espécie de doença da alma, no dizer de Túlio2. Ora, tal doença contraria a virtude, que é um bom hábito da alma. Logo, a tristeza é contrária à virtude e não pode com ela coexistir.
 
Mas em contrário, Cristo teve virtude perfeita. Ora, nele houve tristeza, como diz a Escritura (Mt 26, 38): A minha alma está numa tristeza mortal. Logo, a tristeza é compatível com a virtude.
 
Solução. — Como diz Agostinho, para os estóicos há na alma do sábio três eupatias, i. é, três paixões boas, correspondentes às três perturbações, a saber: a vontade, correspondente à cobiça: à alegria, o contentamento; a precaução ao medo. Mas, negaram a possibilidade de existir, na alma do sábio, o correspondente á tristeza3, e por duas razões.         
                           
Primeiro, porque a tristeza supõe o mal já acontecido. Ora, na opinião deles, nenhum mal pode suceder ao sábio. Pois pensavam que, assim como a virtude é o único bem do homem, com exclusão dos bens corpóreos, assim o único mal do mesmo é o desonesto, que não pode existir no virtuoso. — Mas esta opinião é irracional porque, sendo o homem composto de corpo e alma, tudo lhe é bem que concorra a conservar a vida do corpo; embora não seja esse o bem máximo, porque o homem pode usar mal dele. Logo, o mal, contrário a tal bem, pode existir no sábio e produz uma tristeza moderada. — Além disso, embora o virtuoso possa viver sem pecado grave, ninguém há que possa passar a vida sem pecados leves, conforme aquilo da Escritura (1 Jo 1, 8): Se dissemos que estamos sem pecado, nós mesmos a nós mesmos nos enganamos. — Terceiro, porque o virtuoso, embora atualmente sem pecado, nem sempre talvez esteve assim. E disto louvavelmente se dói, conforme aquilo da Escritura (2 Cor 7, 10): Porque a tristeza, que é segundo Deus, produz para a salvação uma penitência estável. — Quarto, porque pode ele também, louvavelmente, condoer-se do pecado dos outros. Por onde, na medida em que a virtude moral é compatível com as várias paixões moderadas pela razão, nessa mesma o é com a tristeza.
 
Em segundo lugar, os estóicos eram movidos pela razão, que a tristeza supõe o mal presente; enquanto que o temor é relativo ao mal futuro, assim como o prazer o é ao bem presente e o desejo, enfim, ao bem futuro. Pois, pode ser do domínio da virtude, que gozemos do bem já adquirido, ou desejemos o que ainda não possuímos, ou enfim, que nos acautelemos do mal futuro. Mas, o curvar-se a nossa alma pela tristeza ao mal presente, sendo, como é, absolutamente contrário à razão, não pode ser compatível com o virtuoso. — Mas esta opinião também é irracional. Pois, como já dissemos, há um mal que pode ser presente ao virtuoso, e repugnante à razão. E por isso o apetite sensitivo nisto acompanha a repugnância da razão por entristecer-se também com esse mal, embora moderadamente, segundo o juízo racional. Ora, pertence à virtude tornar o apetite sensitivo conforme a razão, como já dissemos4. Por onde, também à virtude pertence o fazê-lo entristecer-se moderadamente, quando deve entristecer-se, conforme diz ainda o Filósofo5. O que também é útil para fugir o mal. Pois, assim como é buscado mais prontamente o bem, pelo prazer que nos proporciona, assim, é evitado mais fortemente o mal, pela tristeza que nos causa.
 
E portanto devemos concluir, que a tristeza, pelo que convém com a virtude, não pode existir simultaneamente com ela, pois a virtude se compraz no seu objeto próprio. Mas se entristece moderadamente com tudo o que de algum modo lhe repugna.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Do lugar citado se conclui que o sábio não se entristece com a sabedoria; mas sim do que lhe serve a ela de impedimento. E por isso não há nenhum lugar para a tristeza nos bem-aventurados, a cuja sabedoria nenhum impedimento pode existir.
 
Resposta à segunda. — A tristeza impede a obra, cuja não-realização nos contrista; mas nos move a executar mais prontamente o que nos livra dela.
 
Resposta à terceira. — A tristeza imoderada é uma doença da alma; mas na condição da vida presente, a tristeza moderada pertence ao bom hábito da alma.

  1. 1. VII Ethic. (lect. XIII), X (lect. VII).
  2. 2. IV De tuscul. Quaestion. (cap. VI, VII).
  3. 3. XIV De civit. Dei (cap. VIII).
  4. 4. Q. 59, a. 1 ad 2.
  5. 5. II Ethic. (lect. VI).
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