(Infra, q. 63, a. 3).
O quarto discute-se assim. — Parece que nenhum hábito do homem é infundido por Deus.
1. — Pois, Deus procede igualmente para com todos. Se portanto infundir certos hábitos em alguns homens, há-de infundi-los em todos; o que é evidentemente falso.
2. Demais — Deus opera em todos os seres pelo modo que lhes convém à natureza; pois, pertence à Divina Providência salvar a natureza, como diz Dionísio. Ora, o hábito do homem é naturalmente causado pelos atos, como já dissemos. Logo, Deus não causa, nos homens, nenhuns hábitos sem atos.
3. Demais — Pelo hábito infundido por Deus, o homem poderia produzir muitos atos. Ora, tais atos causariam um hábito semelhante, como já se disse. Donde resultaria existirem dois hábitos da mesma espécie no mesmo indivíduo; um adquirido e outro, infuso. Ora, isto é impossível, pois duas formas da mesma espécie não podem coexistir no mesmo sujeito. Logo, nenhum hábito é infundido no homem por Deus.
Mas, em contrário, diz a Escritura (Ecle 15, 5): O Senhor o encherá do espírito de sabedoria e de inteligência. Ora, a sabedoria e a inteligência são hábitos. Logo, certos hábitos são infundidos no homem por Deus.
Solução. — Por dupla razão certos hábitos são infundidos no homem por Deus. — A primeira é que há certos pelos quais ele se dispõe bem para um fim excedente à capacidade da sua natureza, que é a sua última e perfeita beatitude, com já dissemos. E como os hábitos devem ser proporcionados aquilo a que dispõem o homem, os que o dispõem para um tal fim hão-de também necessariamente exceder-lhe a capacidade da natureza. Por onde, poderão nele existir só por infusão divina; e tal é o caso de todas as virtudes gratuitas. — A outra razão é que Deus pode produzir os efeitos das causas segundas, sem elas, como já dissemos na Primeira Parte. Ora, assim como às vezes para ostentar o seu poder, produz a saúde que podia ser causada pela natureza, sem a cooperação de nenhuma causa natural; assim também, às vezes, para o mesmo fim, infunde no homem hábitos que podem ser causados por uma virtude natural. Assim deu aos Apóstolos a ciência das Escrituras e de todas as línguas, que os homens podem adquirir pelo estudo ou pelo costume, embora não de modo tão perfeito.
Donde a resposta à primeira objeção. — Deus, pela sua natureza, procede igualmente para com todos; mas, quanto à ordem da sua sabedoria, dá por alguma certa razão, a uns o que não dá a outros.
Resposta à segunda. — O que Deus opera em todos os seres, por meio deles, não impede faça certas coisas que a natureza não pode fazer; mas daqui se segue que não obra nada contra o que convém à natureza.
Resposta à terceira. — Os atos produzidos por um hábito infuso não causam nenhum outro hábito; mas confirmam o preexistente. — Assim os remédios, ministrados ao homem são, não causam, por natureza, a saúde, mas, fortificam a que ele já tinha.