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Art. 1 — Se a ira é uma paixão especial.

(Supra, q. 23, a . 4; III Sent., dist. XXVI, q. 1, a . 3).
 
O primeiro discute-se assim. — Parece que a ira não é uma paixão especial.
 
1. — Pois, da ira tem a sua denominação a potência irascível. Ora, a esta pertence, não só uma, mas muitas paixões. Logo, a ira não é uma paixão especial.
 
2. Demais — Cada paixão especial tem a sua contrária, como verá claramente quem as examinar uma por uma. Ora, não há nenhuma paixão contrária à ira, como já se disse1. Logo, não é uma paixão especial.
 
3. Demais — Uma paixão especial não inclui outra. Ora, a ira inclui muitas paixões, pois vai de mescla com a tristeza, com a esperança e com o prazer, como se vê claramente no Filósofo2. Logo, não é uma paixão especial.
 
Mas, em contrário, Damasceno considera a ira como uma paixão especial3; e semelhantemente Túlio4.
 
Solução. — De dois modos pode uma expressão ser geral. Ou como predicação, e assim a palavra animal se aplica geralmente a todos os animais; ou como causa, e assim o sol é a causa geral de tudo o que se produz nos seres da terra, segundo Dionísio5. Ora, assim como o gênero contém, potencialmente, muitas diferenças, quanto à semelhança da matéria, assim a causa agente, muitos efeitos quanto à virtude ativa. Um efeito porém pode ser produzido pelo concurso de diversas causas. E como toda causa permanece, de certa maneira, no seu efeito, podemos também dizer, de um terceiro modo, que o efeito, produzido pela reunião de muitas causas, tem uma certa generalidade, enquanto as encerra, de certo modo, atualmente.
 
Por onde, do primeiro modo, a ira não é uma paixão geral, mas entra na mesma divisão que as outras, como já dissemos6. — E nem do segundo. Pois, não é a causa das outras paixões; ao passo que, deste modo, podemos considerar o amor como uma paixão geral, segundo vemos claramente em Agostinho7; pois, ele é a raiz primeira de todas as paixões, como já dissemos8. Num terceiro modo porém, a ira pode ser considerada paixão geral, enquanto causada pelo concurso de muitas paixões. Pois, o movimento da ira não se manifesta senão porque sofremos alguma tristeza e porque nos está presente o desejo e a esperança de nos vingarmos, porquanto, no dizer do Filósofo, o irado nutre a esperança de se vingar; pois, deseja a vindicta como lhe sendo possível9. Por onde, se for muito avantajada a pessoa que nos causou um mal, não dará lugar à ira, mas só à tristeza, como diz Avicena10.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A potência irascível recebe da ira a sua denominação; não que todos os movimentos dessa potência se lhe reduzam a ela, mas porque todos nela acabam; ora, entre todos os referidos movimentos este é o mais manifesto.
 
Resposta à segunda. — Por isso mesmo que a ira é causada por paixões contrárias, a saber, pela esperança, que visa o bem, e pela tristeza, que visa o mal, ela inclui em si a contrariedade; por isso não tem contrário. Como também as cores médias não têm contrariedade senão a que resulta das cores simples que as causam.
 
Resposta à terceira. — A ira inclui muitas paixões; não, certo, como o gênero inclui as espécies, mas antes, como a causa contem o efeito.

  1. 1. Q. 23, a. 3.
  2. 2. II Rhetoric. (cap. II).
  3. 3. Lib. II Orth. Fid., cap. XVI.
  4. 4. IV De tuscul. Quaestion. (cap. VII).
  5. 5. IV cap. De div. nom. (lect. III).
  6. 6. Q. 23, q. 4.
  7. 7. XIV De civit. Dei (cap. VII).
  8. 8. Q. 27, a. 4.
  9. 9. II Rhetoric. (cap. II).
  10. 10. De anima (lib. IV, cap. VI).
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