O primeiro discute-se assim. — Parece que o temor não causa a contração.
1. — Pois, produzida a contração, o calor e os espíritos concentram-se no interior. Ora, o aumento do calor e dos espíritos, no interior, provoca o coração a agir audazmente, como o vemos nos irados; e o contrário se dá com o temor. Logo, este não produz a contração.
2. Demais — Da multiplicação dos espíritos e do calor, internamente, resulta rompermos em palavras, como vemos acontecer com os que padecem alguma dor. Ora, os que temem não dizem palavra, mas antes se tornam taciturnos. Logo, o temor não produz contração.
3. Demais — A vergonha é uma espécie de temor, como já se disse. Ora, os envergonhados enrubescem, como diz Túlio e o Filósofo. Ora, o rubor das faces atesta, não a contração, mas, o contrário dela. Logo, a contração não é efeito do temor.
Mas, em contrário, diz Damasceno, que o temor é um fenômeno produzido pela sístole, i. é, pela contração.
Solução. — Como já dissemos, nas paixões da alma, o elemento formal é o movimento mesmo da potência apetitiva; assim como o material é a transmutação corpórea, sendo, um desses elementos proporcionado ao outro. Por onde, da semelhança e da natureza do movimento apetitivo resulta aquela transmutação. Ora, quanto ao movimento animal do apetite, o temor implica uma certa contração. E a razão é que ele provém da fantasia de um mal iminente que só dificilmente pode ser repelido, como já dissemos. Ora, é a pouca força que faz com que uma coisa possa só dificilmente ser repelida, conforme já se disse. E como a força tanto menos pode quanto menor é, da imaginação mesma, que causa o temor, resulta para o apetite uma certa contração. Assim, vemos nos moribundos a natureza retrair-se para o interior, por causa da pouca força; e vemos também que, nas cidades, quando os cidadãos temem, retraem-se do exterior, concentrando-se, o mais que podem, no interior. E da semelhança com esta contração, pertencente ao apetite animal, resulta que, quando há temor, o calor e os espíritos corpóreos contraem-se no interior.
Donde a resposta à primeira objeção. — Como diz o Filósofo, embora os espíritos dos que temem retraiam-se do exterior para o interior, contudo o movimento deles não é o mesmo nessas pessoas que nos irados. Pois, nestes, por causa do calor e da subtileza dos espíritos, provenientes do desejo da vindicta, o movimento dos espíritos se realiza, interiormente, da parte inferior para a superior; e isso explica que esses espíritos bem como o calor, se concentrem no coração. Donde resulta que os irados se tornam prontos e audazes no ataque. Nos que temem, porém, por causa da frigidez crescente, proveniente do imaginar na falta de forças, os espíritos se movem da parte superior para a inferior. E por isso o calor e os espíritos não se multiplicam no coração, mas antes, dele se afastam; e essa a razão por que os tímidos não atacam prontamente, mas antes, fogem.
Resposta à segunda. — É natural a qualquer ser que sofre, homem ou animal, recorrer ao auxílio de que dispõe, para repelir o mal presente, causa da dor. E por isso vemos os animais que sofrem alguma dor defenderem-se com os dentes ou com os chifres. Ora, o máximo auxílio contra tudo, de que dispõem os animais, são o calor e os espíritos. Por onde, na dor, a natureza conserva aquele e estes interiormente, de modo a poder empregá-los na repulsa do mal. E, por isso, o Filósofo diz, que, multiplicados os espíritos e o calor, internamente, por força eles se hão-de manifestar pela voz. Isso explica que os que sofrem mal podem conter-se que não gritem. Nos que temem, porém, o movimento do calor interno e dos espíritos, partindo do coração para os membros inferiores, como já dissemos, faz com que o temor empeça a formação da voz, resultante da emissão dos espíritos para a parte superior, por meio da boca. Por isso o temor nos torna calados; e a mesma causa explica também que o temor nos faz tremer, como diz o Filósofo.
Resposta à terceira. — Os perigos da morte não só contrariam o apetite animal mas também a natureza. Por isto o temor que a morte provoca produz a contração, não só por parte do apetite, mas também por parte da natureza corpórea. Pois o animal, pela imaginação da morte, fica de tal modo disposto, que contrai o calor para a parte interna, como acontece quando a morte é naturalmente iminente. Donde vem o empalidecerem os que temem a morte, como diz Aristóteles. Ao contrário, o mal que a vergonha teme não se opõe à natureza, mas só ao apetite animal. Donde resulta uma certa contração relativa a esse apetite; não porém relativa à natureza corpórea, pois antes, a alma, quase contraída em si mesma, provoca o movimento dos espíritos e do calor, o que os leva a se difundirem externamente. Eis porque os envergonhados enrubescem.