O ano de 1917, data do triunfo da revolução bolchevista, assinala o início de um período novo, não somente para a história da Rússia, mas também para a história do cristianismo. Os dirigentes comunistas tomaram imediatamente posição a respeito da religião e das confissões religiosas, e perseguiram o seu desígnio com todos os meios que lhes proporcionava a ditadura que acabavam de impor.
Essa ação anti-religiosa do regime soviético devia, com o correr do tempo, exercer grande influência em outros países, primeiro pelas diretrizes do Kominform ao comunismo internacional, e depois graças ao prestígio político da URSS após a segunda guerra mundial.
Na sua luta contra a religião em geral e contra o cristianismo em particular, o comunismo bolchevista procederá por etapas. Enquanto a guerra civil (1917-1921) correr o risco de pôr em causa a revolução, as medidas serão desiguais e ocasionais. Mais tarde a ação perseguidora assumirá caráter sistemático, alternando-se os períodos de cruel perseguição com outros de calma relativa. Em compensação, a propaganda será sempre extremamente ativa.
De acordo com a doutrina comunista, os fatores que contribuem para a sobrevivência da religião são: a proteção do Estado, a influência que ela exerce sobre a educação da juventude, o ascendente de que goza no seio da família e entre o povo, do qual ela é o “ópio”. Foi por isto que os dirigentes bolchevistas logo se esforçaram por isolar as confissões religiosas dos diversos aspectos da vida pública.
Uma das primeiras leis do Soviete Supremo decretará a separação entre a Igreja e o Estado. Privará a Igreja das suas propriedades fundiárias e de todos os seus outros rendimentos, pondo-a assim à mercê do Estado. A religião foi decretada negócio privado do cidadão.
Em julho de 1918, o país foi dotado de uma Constituição provisória. Dizia o seu artigo 13: “A propaganda religiosa e anti-religiosa é permitida a todo cidadão”.
Novas leis e novos decretos atenuaram a força dos laços familiares e arruinaram a autoridade dos pais sobre os filhos. A escola foi igualmente subtraída à Igreja, e todo ensino religioso proibido por toda a duração da “formação” da juventude. Até à maioridade, a palavra nesse domínio ficava ao ateísmo.
Todavia, ao nível dos adultos é que a luta contra a religião atingirá o seu paroxismo. O Estado bolchevista empregará nela todos os meios ao seu dispor. Desde o início, organizaram-se conferências sobre o tema “religião e comunismo”, e fizeram-se imprimir e difundir entre o povo as melhores dentre elas. Freqüentes artigos apareciam na imprensa contra a religião, e mesmo começou-se a ver circularem folhas volantes sobre esse assunto.
A poesia e a música foram mobilizadas nesse combate contra Deus. O teatro, artístico ou popular, bem como o cinema, vulgarizaram a luta anti-religiosa. As paredes cobriram-se de cartazes caricaturais. Criou-se para a juventude soviética (Komsomol) um seminário e uma faculdade de ateísmo. A partir do Natal de 1922 (quando os bolchevistas tiveram bem o poder em mãos), os Komsomol tomaram parte ativa nos cortejos carnavalescos anti-religiosos que, nas datas das grandes festas cristãs, percorriam as ruas de Moscou, de Leningrado e de todas as grandes cidades russas. O Bezboznik (Sem Deus), revista mensal ilustrada, cheia de infâmias contra a religião, apareceu pela primeira vez no Natal de 1922, e foi largamente distribuído por toda parte. Movia a luta em nome da “ciência”.
Enquanto se procedia à liquidação do cristianismo, os bolchevistas confiavam ao Partido o cuidado de substituir a fé religiosa. Os “meetings” deviam assumir verdadeira função social, aquela mesma que tinham anteriormente os ofícios religiosos na vida coletiva do povo. O teatro, em particular, foi consideravelmente desenvolvido, para se fazer dele uma espécie de “templo” da vida nova. Enquanto em 1914 só se contavam 210 teatros na Rússia, desde 1920 o número deles atingira perto de 6000, e nos anos que se seguiram ainda aumentou consideravelmente. Sucedeu freqüentemente serem as próprias igrejas transformadas em teatros. Ali, sob forma de “bailados russos”, ou com o auxílio de outros espetáculos mais ou menos requintados, fazia-se propaganda para o sensualismo e para a nova política. Mas os dirigentes soviéticos trabalhavam sobretudo em inculcar às massas o culto de Engels, de Marx e de Lenine, organizando junto ao túmulo deste último verdadeiras “adorações noturnas”.
A tática dos dirigentes comunistas visou a ferir, em primeiro lugar, a Igreja ortodoxa russa, considerada como a aliada por excelência do tzarismo. Mas, não sendo nosso intuito tratar esta questão, cingir-nos-emos a falar aqui da perseguição contra a Igreja Católica.
A Fome.
Pelo fim da guerra civil, terrível fome lavrou no Sul da Rússia.
Desde o início de 1921, notícias alarmantes chegaram à Europa ocidental. O centro da catástrofe era o vale do Volga. Todavia, a fome estendeu-se um pouco por toda parte na Rússia meridional, chegando até às portas de Moscou e de Petrogrado. O povo, faminto, não mais achando com que se alimentar nas aldeias, emigrava em massa para as cidades, de onde era expulso pelos destacamentos de polícia, a fim de evitar maior desastre. O espetáculo mais impressionante era formado por aqueles grupos de crianças que vagavam de uma aldeia a outra em busca de um pedaço de pão. Centenas de milhares de pessoas morreram de fome.
Bento XV ficou grandemente impressionado com a notícia desses sofrimentos.
O Papa quis participar dos socorros; no correr do verão de 1921, pôs um milhão de liras à disposição da Obra de socorro às crianças, sediada em Genebra, sem contar as subvenções a outras organizações européias de caridade que iam em auxílio da população russa.
Mas Bento XV desejava poder enviar ao local uma Comissão Pontifícia de socorros, a fim de dar maior eficácia à ação da Santa Sé. Para além da ajuda material, a preocupação do Santo Padre ia ao povo russo, para que lhe fossem concedidas condições de vida e de governo mais humanas. O Papa promoveu as diligências necessárias para que uma Missão de socorros fosse admitida na URSS. Após a morte dele, Pio XI prosseguiu-lhe os esforços; no correr do verão de 1922, dirigiu mesmo um memorando aos Estados representados junto à Santa Sé, rogando-lhes agirem em favor de uma normalização da situação na Rússia, sem se esquecer de, antes de admitir a URSS no círculo dos povos livres, solicitar do Governo Soviético a segurança da “plena liberdade de consciência para todos”, da liberdade do exercício privado e público da religião e do culto, ao mesmo tempo que do direito de propriedade, que semelhante liberdade implica.
O Governo comunista concedeu o envio de uma Missão pontifícia em março de 1922, e a 24 de julho do mesmo ano um grupo de 12 religiosos (9 padres e 3 leigos) deixava Roma rumo à Criméia. Os Soviéticos insistiam para que a Missão tivesse caráter diplomático, na esperança de assim se proporcionarem um trunfo magnífico para obterem o reconhecimento do Governo revolucionário pelos outros Estados. Mas o Santo Padre fez questão de que a Missão guardasse o caráter de simples assistência; aceitava que ela não fizesse obra de apostolado religioso, mas pedia para ela seguranças de inviolabilidade semelhantes às de que gozava a Missão americana.
A Missão pontifícia começou a sua atividade na URSS a 29 de setembro de 1922. O seu primeiro cuidado foi distribuir víveres à população, e, em primeiro lugar, às crianças.
Como já se viu, o Governo soviético proibira à Missão toda manifestação de fé cristã na execução da sua tarefa, e todo apostolado. Os membros da Missão respeitaram essas condições, e os padres que dela faziam parte só celebravam Missa a portas fechadas. Todavia, os dirigentes comunistas não se contentaram com essas prescrições, e quiseram impor novas à Missão. O que eles procuravam era chegar a negociar com a Santa Sé a transformação da Missão em Representação diplomática. Os seus pedidos não puderam ser atendidos, e, em seguida a restrições impostas pelos dirigentes soviéticos, um primeiro contingente de membros da Missão teve de deixar a URSS em outubro de 1923; os últimos membros partiram em setembro de 1924.
Assim teve fim, e não por culpa da Santa Sé, uma atividade nascida do desejo de aliviar os sofrimentos, morais mas também físicos, de um grande povo.
Se à Santa Sé não foi possível socorrer o povo russo no curso da nova fome de 1925, não cessou ela, todavia, de se interessar por ele. De ora por diante a Santa Sé concentrará todas as suas atenções nos emigrados russos, esses membros padecentes do mesmo povo.
A Igreja Católica na Rússia.
A partida da Missão pontifícia não significava o desaparecimento da Igreja Católica do território da União soviética. Ela ficava presente pelos seus fiéis, aos quais não foram poupados os mais atrozes sofrimentos.
Os católicos, na Rússia, durante o período que precedeu a Revolução comunista, não haviam gozado dos privilégios concedidos à Igreja ortodoxa. Representavam apenas 9% da população, e viviam dispersos e, no terreno legal, pouco protegidos.
Durante o último período do Império dos tzares, sob a influência do liberalismo, as condições feitas à Igreja Católica havia melhorado um pouco. As relações entre o Império russo e a religião católica eram reguladas pelo “Código dos Negócios Eclesiásticos para as confissões estrangeiras” .
Conforme o artigo 66 da Constituição e o artigo 1º. desse Código, a Igreja Católica, como as outras confissões, gozava, no plano jurídico, da liberdade.
“A religião principal e dominante no Estado russo, dizia a lei, é a Ortodoxia Cristã Católica Oriental. Entretanto, todos os súditos do Estado e os estrangeiros que não pertencem a essa Igreja e vivem no estado russo gozam, em toda parte, do livre exercício da sua fé e do culto segundo o seu rito”.
Todavia, a despeito dessas solenes proclamações, muitas vezes a liberdade religiosa era restringida ou suprimida por disposições particulares, o que, em definitivo, a tornava inteiramente relativa. O artigo 13 do Código dos Negócios Eclesiásticos dizia, com efeito: “No quadro geral da administração do Estado, as questões religiosas dos cristãos de confissões estrangeiras e dos que professam outras confissões estão sujeitas à competência do Ministério do Interior”. O alcance desse artigo foi precisado pelo Decreto no. 1198, de 7 de fevereiro de 1912, o qual dava ao Ministro do Interior “o direito de ser, plenamente e em toda parte, informado de todas as manifestações da vida religiosa das confissões religiosas heterodoxas”.
Ademais, o artigo 17 do Código, artigo que tratava explicitamente da correspondência dos católicos com a Santa Sé, limitava seriamente a liberdade destes, especificando: “Todos os cristãos de confissão católica romana, súditos do Estado, quer eclesiásticos, quer leigos, não podem corresponder-se com a Cúria Romana, para as questões relativas à sua confissão, a não ser, por intermédio do Ministério do Interior. Nenhuma bula, carta ou instrução pode ser publicada no Império e no Grão-Ducado da Finlândia sem a permissão de Sua Majestade o Imperador, e sem que o Ministério do Interior se haja previamente certificado de que esses atos não contêm nada contrário às decisões, direitos sagrados e privilégios da suprema autoridade autocrática”.
Apesar dessas restrições, a Igreja Católica pôde dar, na Rússia, prova de certa atividade. Assim, nas escolas, o ensino religioso podia ser ministrado aos católicos; foi possível criar e manter seminários diocesanos e uma Academia eclesiástica em Petrogrado; pôde-se, mesmo, desenvolver certa atividade social. A assistência aos pobres, aos doentes, aos órfãos, aos velhos, era exercida pelas irmandades, pelas conferências de S. Vicente de Paulo, pelas Congregações religiosas. Podia-se, de fato, fundar tais associações, sendo todavia o bispo, nos termos de uma circular de 1910 (no. 1016) do Ministério do Interior, obrigado a obter para isso autorização prévia do poder civil. Podia a Igreja igualmente possuir, mas eram numerosas, nesse domínio, as intromissões do poder civil. Assim, era possível receber donativos e legados, e mesmo possuir dinheiro; em compensação, era proibido, sem autorização especial, enviar dinheiro para o estrangeiro. A administração dos bens eclesiásticos era sujeita, além de aos conselhos episcopais, às Repartições legais.
As condições da Igreja Católica na Rússia tinham, pois, um caráter singular: não se podia dizer que o Estado lhe fosse francamente hostil, e, no entanto, a situação que lhe era feita em nada era conforme aos seus direitos inalienáveis.
Com a queda do Império, essa situação transformou-se radicalmente. Sem falar da Igreja Ortodoxa, a Igreja Católica na Rússia alimentou grandes esperanças durante o período do Governo Provisório (fevereiro a outubro de 1917). A Hierarquia católica esperava melhorar as condições jurídicas da Igreja e, em 1917, enumerava num Pró-memória certas injustiças a fazer cessar: proibição feita aos bispos e fiéis de se corresponderem diretamente com o Santo Padre e vice-versa; submissão das “Acta Apostolicae Sedis” à censura do Ministro do Interior; coação interposta na formação do clero, na existência das Ordens Religiosas, no desenvolvimento das associações católicas, no ensino católico fora das igrejas e das escolas, na construção de igrejas e capelas, etc.
As esperanças cederam imediatamente o lugar às mais amargas desilusões. Com efeito, desde que a fração bolchevista se apossou do poder em seguida à Revolução de outubro (7 de novembro de 1917), a Igreja, como se viu, foi logo “separada” do Estado. O Decreto de 23 de janeiro de 1918 feria primeiramente a Igreja da maioria do povo, porém a Igreja Católica e todas as outras confissões religiosas foram igualmente atingidas. Em virtude desse Decreto, a Igreja Católica já não era mais considerada senão como simples “associação” religiosa, não tendo sequer os direitos das organizações profissionais e culturais. Ao mesmo tempo, era esbulhada dos seus bens e privada do direito de possuir no futuro; os edifícios do culto tornavam-se “patrimônio do povo”. Sem dúvida, a “comunidade dos fiéis” podia concluir um acordo com o poder civil e ser autorizada a utilizar o edifício do culto, mas com a condição de pagar as taxas e os reparos. Ora, essas taxas eram, de propósito, tão pesadas que, as mais das vezes, o óbolo dos fiéis (único recurso utilizado) não chegava para as cobrir; então o fechamento da igreja era inevitável. A religião foi banida das escolas. A propaganda anti-religiosa desenvolveu-se de todas as maneiras, enquanto que a Igreja não tinha mais ao seu dispor nem a imprensa, nem filmes, nem bibliotecas...
Adotadas essas primeiras medidas, que causavam dano considerável à Igreja, os comunistas, ocupados então em cevar-se contra os ortodoxos, poupara um pouco os católicos. Aliás, em razão do seu pequeno número, estes últimos não representavam no país força capaz de fazer temer da parte deles uma atividade “contra-revolucionária”. O restabelecimento da soberania polonesa e da dos Países Bálticos desligara da Rússia numerosos territórios e reduzira o número dos católicos. Enquanto, nos anos de 1917-1918 – quando as fronteiras ocidentais da Rússia ainda não estavam fixadas e o êxodo dos poloneses estava sempre em curso – a Rússia contava cerca de 6.000.000 de católicos, já depois do Tratado de Riga (18 de março de 1921), que delimitava as fronteiras entre a Rússia e a Polônia, não restavam mais senão cerca de 1.600.000 sobre o conjunto do território soviético.
Ademais, do ponto de vista da nacionalidade de origem, os católicos formavam grupos heterogêneos. Foi esta igualmente uma razão para os poupar, em consideração dos laços religiosos e nacionais que eles tinham com os católicos do Ocidente europeu. No após-guerra imediato, a Alemanha não parecia orientar-se para um regime comunista? Pelo Tratado de Riga, e para manterem a paz no interior, os Sovietes não haviam prometido à Polônia melhorar as condições da Igreja Católica na URSS? Era, pois, mais prudente adiar para mais tarde os ataques contra a Igreja Católica. Ver-se-á então o que valiam as garantias comunistas.
Nessa mesma época a Igreja Católica procurou fazer frente às ameaças do ateísmo melhorando a sua organização. Havia ali, em 1917, 5 bispados católicos de rito latino (Mohilev, Kamienec, Minsk, Zytomir e Tiraspol) contando 896 padres, 614 igrejas e 581 capelas; em 1921-1923, a Igreja contava as 9 circunscrições eclesiásticas seguintes:
1º. A Arquidiocese de Mohilev, com 74 padres, 115 igrejas e 250.000 fiéis;
2º. A Diocese de Kamienec, com 48 padres, 100 igrejas e 3000.000 fiéis;
3º. A Diocese de Minsk, com 14 padres, 46 igrejas e 150.000 fiéis;
4º. A Diocese de Zytomir, com 66 padres, 107 igrejas e 350.000 fiéis;
5º. A Diocese de Tiraspol, com 100 padres, 90 igrejas e 3000.000 fiéis;
6º. A Diocese de Vladivostok ( de 2 de fevereiro de 1923 ), com 6 padres, 6 igrejas e 20.000 fiéis;
7º. O Vicariato apostólico Cáucaso-Criméia, com 30 padres, 30 igrejas e 70.000 fiéis;
8º. O Vicariato apostólico da Sibéria ( 1º. de dezembro de 1921 ), com 12 padres, 35 igrejas e 75.000 fiéis;
9º. A Administração apostólica para os fiéis de rito armênio, com 47 padres, 45 igrejas, 15 capelas e 66.618 fiéis.
Contava-se, além disso, uma dezena de padres ucranianos e russos, de rito bizantino-eslavo, para alguns milhares de fiéis de mesmo rito. À testa deles estava colocado, desde 1921, um Exarca.
Em março de 1923, comentando a situação política do Ocidente e os esforços do Papa Pio XI em favor da união entre os cristãos, o Bezboznik afirmava que a união das Igrejas parecia iminente, pois o Papa trabalhava numa Confederação de todas as “Internacionais negras”. E acrescentava: “Se derem resultado as conversações que Roma está tendo com os Americanos, os Ingleses, os Gregos e os Russos, a “Internacional vermelha” correrá grande perigo” .
Em outros artigos, esse mesmo jornal sustentava que Mussolini fora levado ao poder pelo Vaticano, cuja causa ele devia sustentar, e pedia aos Tribunais soviéticos condenarem, mesmo à pena capital, os padres católicos que estavam sob a sua jurisdição, porquanto, explicava ele longamente, a fé daqueles padres era o inimigo principal do comunismo ateu.
Os artigos do Bezboznik tinham por fim preparar a opinião pública para todas as próximas medidas de repressão. De feito, sete dias após a publicação dos artigos supra, uma condenação severa fulminava S. Excia. Mons. João Cieplak, Arcebispo de Mohilev; S. Excia. Mons. Leônidas Feodoroff, Exarca dos católicos russos de rito bizantino; S. Excia. Mons. Constantino Butkiewicz, bem como 12 padres e um leigo. Eis aqui em que condições:
Todos eles haviam sido detidos a cinco de dezembro de 1922, sob inculpação de resistência às ordens do Governo soviético. Este, com efeito, para ir em auxílio às vítimas da fome, ordenara a entrega de todos os objetos preciosos do culto (cálices, patenas, cibórios, ostensórios, relicários, etc.), que, aliás, desde 1918 haviam sido declarados patrimônio nacional. Posta ao corrente dessa ordem de requisição, cuja execução empobreceria ainda mais a comunidade religiosa, já muito miserável, e comprometeria gravemente o culto sagrado, a Santa Sé declarou-se pronta a pagar uma soma compensadora, até mesmo em favor dos ortodoxos. Mas esta proposta não foi tomada em consideração pelo Governo soviético. Por seu lado, as autoridades eclesiásticas, tanto católicas como ortodoxas, declararam-se dispostas a entregar os vasos sagrados, com a condição de que o montante da venda fosse aplicado diretamente aos famintos pelos organismos eclesiásticos, e não por intermédio dos funcionários governamentais. O Governo de Moscou qualificou esse pedido de ato de resistência, e procedeu à prisão dos responsáveis.
Os inculpados eram acusados de “haverem constituído em Petrogrado, de fins de 1918 a dezembro de 1920, uma organização anti-revolucionária que tinha por fim opor-se às leis e aos decretos do Governo dos soviéticos no tocante às relações entre a Igreja e o Estado, e especialmente ao decreto da Assembléia Nacional dos Comissários, de 23 de janeiro de 1918, concernente à separação entre a Igreja e o Estado. Pelo seu procedimento, procuraram eles abalar o povo, incitando-o, em 1922, em Petrogrado, a se opor unanimemente à nacionalização e à utilização dos bens eclesiásticos, ao fechamento das igrejas e à requisição dos objetos de valor, e ainda testemunhando oposição categórica aos legítimos pedidos do Governo...Essa oposição enquadra-se nos artigos 63 e 119 do Código Penal” .
“Ademais”, continua a ata do processo, “acusações particulares são formuladas contra cada inculpado”:
a) Cieplak é acusado de haver ajudado a sobredita organização por uma Carta Pastoral ao seu clero, na qual protestava contra a requisição dos objetos preciosos do culto católico sem a autorização das autoridades da Igreja. À pergunta do padre Rutkowski, de Jaroslav, concernente ao inventário dos bens da Igreja pedido pelo Comissariado local, respondeu ele por um telegrama, a 12 de março de 1922: “Pedido ilegítimo. Não dê o inventário”. Foi por isso que o padre Rutkowski recusou dar o inventário, delito que se enquadra no Código Penal, cap. I, art. 77.
b) Hodniewicz é acusado de, a 24 de junho, haver-se oposto à requisição dos objetos de valor da igreja de Santa Catarina, em Petrogrado. Quando os comissários Kolesnikov e Ivanov quiseram examinar um pequeno móvel sobre o altar (o tabernáculo), ele declarou que eles só poderiam fazê-lo passando sobre o seu cadáver. Depois disse aos fiéis presentes: “Rezemos, e não permitamos que eles toquem no tabernáculo senão passando sobre os nossos cadáveres”. Em razão disso, o tabernáculo não pôde ser visitado. Esse delito é punido pelo artigo 119 do Código Penal.
c) Juniewicz é acusado de, a 25 de junho de 1922, ter oposto resistência na igreja de Santo Estanislau, em Petrogrado, quando os comissários Kolesnikov e Ivanov faziam a separação dos objetos de valor, e de haver gritado: “Saiam”. Esse delito é punido pelo artigo 62 do Código Penal.
d) Rutkowski e Pronskietis são acusados de resistência quando a igreja da Assunção da SS. Virgem foi fechada a 5 de dezembro, por ordem do Governo. Apesar da ordem formal do cidadão Smirnoff, chefe da divisão administrativa de Moscou-Narva, e do representante da polícia, os quais intimavam todas as pessoas presentes a saírem da igreja, os dois acima nomeados, em vez de obedecerem, incitaram a multidão que enchia a igreja a resistir ao Governo, pondo-se eles mesmos de joelhos, em gesto teatral, para rezar, e concitaram a multidão dos paroquianos a se unir a eles. Assim, explorando os preconceitos religiosos da multidão presente na igreja, excitaram-na a oferecer resistência passiva à ação legal do Governo. O artigo 119 do Código Penal pune essa atitude.
e) Ciarnas. No mesmo lugar e nas mesmas circunstâncias acima descritas, achando-se no meio da multidão quando a polícia, por ordem de Smirnoff, começou a expulsar os manifestantes, Ciarnas, bem como outros que não puderam ser identificados, opôs-se à ação do Governo e insultou publicamente os representantes deste. Isso se enquadra no artigo 77 do Código Penal...”
Acusações semelhantes eram formuladas contra S. Excia. Mons. Feodoroff.
As condenações pronunciadas no término do processo foram extremamente severas. S. Excia. Mons. Cieplak e S. Excia. Mons. Butkiewcz foram condenados à morte e ao confisco dos bens pessoais; S. Excia. Mons. Feodoroff e 4 padres, a 10 anos de prisão, ao confisco dos bens e à perda dos direitos civis; Mons. Malecki e 7 padres, a 3 anos de reclusão e à perda dos direitos civis.
As sentenças não foram integralmente executadas. Enquanto Mons. Butkiewcz era fuzilado na Sexta-Feira Santa, 30 de março de 1923, o Arcebispo de Mohilev foi simplesmente expulso da Rússia, depois de ver a sua pena comutada em 10 anos de prisão. Essa diferença de tratamento poderia explicar-se pelo fato de que, executando Mons. Butkiewcz, o regime dava prova, no interior, da sua vontade implacável de reprimir qualquer ato “contra-revolucionário”, ao passo que, enviando S. Excia. Mons. Cieplak para o Ocidente, pretendia demonstrar ao estrangeiro a sua mansidão e a inexistência de uma verdadeira perseguição religiosa.
A propaganda comunista, por ocasião desse processo que tinha a sua origem na grande fome daqueles anos, atacou não só os inculpados, mas também a própria pessoa do Santo Padre. Ora, no mesmo momento, como nos lembramos, o Santo Padre fazia o impossível para aliviar os sofrimentos da população soviética. Evidentemente os comunistas queriam solapar o efeito moral da Missão Pontifica, combatendo os católicos no próprio terreno da fome, a fim de os acusar de hipocrisia.
As medidas contra a Hierarquia católica na União Soviética rapidamente atingiram todos os bispos. Em Minsk, o Bispo, S, Excia. Mons. Zygmunt Lozinski, foi preso em junho de 1923 e exilado em 1925. O Bispo de Kamienec, S. Excia. Mons. Pedro Mankowski, após ter sido encarcerado em Moscou, era exilado em 1923. S. Excia. Mons. Adriano Smets, Administrador da diocese de Tiraspol, foi igualmente detido antes de poder obter a liberdade no Ocidente. Quanto à S. Excia. Mons. Carlos Sliwowski, recém-eleito Bispo de Vladivostok em 1923, foi forçado a refugiar-se em Shangai. Por seu lado, o Vigário Apostólico da Sibéria teve de procurar refúgio em Harbin.
Como se vê, a tática dos dirigentes bolchevistas consistia em exilar os chefes das circunscrições eclesiásticas, após uma permanência, de duração mais ou menos longa, na prisão. Alguns, todavia, como Mons. Leônidas Feodoroff, Exarca para os católicos russos de rito bizantino (morto em 1935), passarão de prisão em prisão, até à sua morte.
Mudança de Tática.
No fim de 1923, todas as sés episcopais estavam vacantes. Os comunistas russos operaram então uma mudança de tática.
Os anos de 1924-1928 foram, com efeito, um período de calma relativa. Nem por isso se renunciava à luta contra a religião, e contra a Igreja Católica em particular; somente, recorria-se doravante a armas menos violentas. A ordem, mormente para os sindicatos, era respeitar o sentimento religioso dos fiéis e dos operários, e não fazer deles nem mártires nem heróis. Mas, ao mesmo tempo, dava-se apoio total à propaganda anti-religiosa, cuja missão era minar, “insensivelmente, brandamente, porém de maneira persuasiva”, os fundamentos da prática e do sentimento religioso.
O resultado dessa propaganda foi uma real diminuição do número de fiéis entre os ortodoxos e igualmente, ai!, entre os católicos. Os que resistiram ficaram, com isso, ainda mais apegados à sua Igreja. A sua prática cristã certamente era dificultada pelo clima anti-religioso, e também em razão das exigências governamentais concernentes ao pagamento do aluguel pelos locais do culto – confiscados pelo Estado – e à manutenção do clero com seus próprios recursos. Sem embargo, a despeito dos sacrifícios que lhes eram pedidos, os fiéis sustentaram o clero, as igrejas e o culto.
Durante o mesmo período, o número dos padres diminuiu igualmente muito. Não mais podendo ser ministrado o ensino religioso, as vocações vieram a faltar. Uma quantidade de padres que se achavam na Rússia no início da Revolução haviam emigrado para o Ocidente. Cerca de 75 estavam detidos em prisão ou haviam sido deportados para a Sibéria. E, apesar disso, a diocese de Tiraspol, por exemplo, ainda contava, em 1928, 71 igrejas abertas, das quais apenas 23 estavam sem padre. A G. P. U., escusa dizê-lo, vigiava severamente os padres ainda e liberdade.
Após as tempestades que acabavam de devastar a Igreja na Rússia, a Santa Sé tentou dar-lhe uma organização mais bem adaptada às suas necessidades novas. As antigas divisões por dioceses já não estavam mais no caso de fazer face à nova situação. Foi por isto que, em 1926, novas Administrações Apostólicas foram criadas para a União Soviética. À frente delas foram colocados: S. Excia. Mons. Pio Eugênio Neveu, em Moscou; S. Excia. Mons. Antônio Malecki, em Leningrado; S. Excia. Mons. Boleslav Slokans, em Mohilev e Minsk; S. Excia. Mons. Alexandre Frizon, em Odessa; S. Excia. Mons. Vicente Jlyin, em Kharkov; S. Excia. Mons. Miguel Juodokas, em Kazan, Samara e Simbirsk; S. Excia. Mons. Agostinho Baumtroz, para a Administração Apostólica do Volga; e S. Excia. Mons. João Roth, para a do Cáucaso. Virão juntar-se à lista: S. Excia. Mons. Carapet Dirlughian, Administrador Apostólico para os Armênios católicos de toda a Rússia, e o Revdo. Estevão Demurof, Vigário interino da Administração Apostólica de Tiflis e de Geórgia.
A nova organização, entretanto, não pôde produzir os seus frutos. Três dos novos Administradores Apostólicos em breve eram detidos: S. Excia. Mons. Jlyin, desde dezembro de 1926; Ss. Excias. Mons. Sloskans e Mons. Neveu, em setembro de 1927. Quanto aos outros, careciam todos da liberdade necessária ao exercício de uma atividade útil.
Sem embargo, a Igreja Católica na URSS não tardou a encontrar novas dificuldades, que, sob certos aspectos, atingiram o paroxismo entre 1929 e 1932.
Durante esse período, a propaganda anti-religiosa assumiu extensão até então desconhecida. Era ela obra sobretudo da Associação dos Ateus Militantes, que em momento algum contou tantos membros nem deu prova de uma atividade tão coordenada e tão febril, beirando mesmo a violência. Essa organização dispunha de um verdadeiro arsenal de meios de propaganda: imprensa, rádio, filmes, teatros, escolas, órgãos administrativos, etc. A guerra ideológica era movida em base “científica”, em nome do materialismo dialético: sendo a Fé religiosa considerada “a priori” como de nível inferior à “ciência”.
O plano dos “Sem-Deus” previa que em 1937 já não haveria uma só igreja aberta, e que os padres ou os representantes dos cultos teriam sido todos liquidados, deportados ou exilados.
O Governo soviético deu o seu apoio oficial a essa ofensiva, pela publicação do Decreto de 8 de abril de 1929 sobre as Associações Religiosas. Precisava este, nos seus 68 artigos, as condições ulteriores de funcionamento dessas Associações. O artigo 13 da Constituição de 1918, tornado depois o artigo 4 da Constituição de 1924, era modificado. Em vez de falar, como precedentemente, de liberdade de “propaganda religiosa e anti-religiosa”, o Decreto estipulava: “A profissão religiosa e a propaganda anti-religiosa são permitidas a todos os cidadãos”. A propaganda da fé e a propaganda religiosa de ora em diante são proibidas. A religião não passa de um “sentimento”, não é uma “verdade”, e não pode ultrapassar o domínio do culto. Por esse Decreto, os comunistas pretendiam tirar à religião as últimas possibilidades de defesa que teoricamente ela ainda possuía em face da propaganda atéia.
As mudanças sobrevindas na política econômico-social tiveram igualmente graves incidências sobre a vida da Igreja. Ao regime da N.E.P. (Nova Política Econômica) os dirigentes comunistas substituíram o sistema comunista coletivista dos Kolkoz e dos Sovkoz. Este novo sistema, que se aplicava a todas as propriedades, privou numerosas igrejas e paróquias, particularmente nas aldeias, dos seus últimos meios de existência. Os padres deviam entrar nos Kolkoz, onde a Igreja não tinha lugar, do contrário se arriscavam à deportação para a Sibéria. Para que as igrejas ficassem abertas, era preciso, no entanto, continuarem a pagar os impostos. Estes, no início, não eram sempre e em toda parte os mesmos, tanto para os edifícios como para os ministros do culto. Mas em 1931 o Comissariado Popular para as Finanças unificou-os para toda a União Soviética, e levou-os a uma taxa tão elevada, que o fechamento progressivo das igrejas em todo o território da URSS já não foi mais senão questão de tempo.
O aparelho administrativo do Estado soviético pesou, por sua vez, gravemente na luta contra a religião. Aqui o ponto de partida foi a aplicação da lei que previa a separação entre a Igreja e o estado. Desejando agir sem publicidade, aplicavam-se as medidas não por via judiciária, mas por via administrativa. Por meio dos Comissários do Povo para o Interior, ajudados pela Polícia. Procedia-se, assim, a detenções súbitas e arbitrárias, bem como a deportações; mandava-se para os trabalhos forçados, condenava-se sem processo ou a portas fechadas, conforme um veredicto fixado de antemão. Foi então que os Administradores Apostólicos ainda em liberdade foram detidos: S. Excia. Mons. Frizon foi encarcerado em 1929-1930, depois novamente em 1935, em 1936 e em 1937, e finalmente foi fuzilado; S. Excia. Mons. Juodokas, em abril de 1929; S. Excia. Mons. Baumtroz e S. Excia. Mons. Roth, em agosto de 1930; S. Excia. Mons. Malecki, em novembro de 1930. Este foi deportado para a Sibéria até 1934, e depois exilado; morreu na Polônia em 1935. O Administrador Apostólico para os Armênios Mons. Tiago Bagaratian, sucessor de Mons. Dirlughian após a detenção deste, foi igualmente preso em 1930. Não se tinham notícias dos Administradores Apostólicos Demurof e Dirlughian. Citemos, enfim, o caso de S. Excia. Mons. Teófilo Skalski, que em maio de 1926 sucedera, na qualidade de Administrador Apostólico de Zytomir, ao Bispo exilado Mons. Dubowski. Encarcerado a 20 de junho do mesmo ano, ao cabo de dezoito meses de detenção foi levado a julgamento, a 27 de janeiro de 1928, sob a inculpação de haver favorecido atos contra-revolucionários e de espionagem, e, após debates a portas fechadas, foi condenado a dez anos de reclusão e à perda dos direitos civis por cinco anos. Por sua vez, será ele exilado em setembro de 1932. Monsenhor Skalski só era “culpado” de se haver assinalado pelo seu zelo e pela sua caridade.
A Hierarquia católica na União Soviética foi, assim, totalmente liquidada no correr daqueles anos. A perseguição estendeu-se também aos padres. Na diocese de Zytomir, por exemplo, dos 66 padres presentes em 1918 já não restava, em 1931, senão um só, enfermo. A lista dos padres aprisionados ou exilados para a Sibéria abrangia, naquela época, 114 nomes. Quase não restavam em liberdade senão 30 a 50 padres, apenas.
A despeito das precauções de que o Governo soviético cercava as suas medidas perseguidoras, estas últimas acabaram por ser conhecidas no Ocidente. A 2 de fevereiro de 1930, Pio XI convidava o mundo católico a cerimônias expiatórias. A Igreja Anglicana igualmente estigmatizava a perseguição. Pela boca do Metropolita ortodoxo Sérgio, o Governo soviético apressou-se a responder que “na União Soviética existia inteira liberdade de consciência, que não havia ali nenhuma perseguição, que as condenações só se aplicavam aos contra-revolucionários, e que os atos religiosos não eram punidos, nem as convicções religiosas reprimidas. As informações do estrangeiro concernentes à perseguição religiosa eram, pois, puras invenções caluniosas; nada podia ter justificado as intervenções de Roma ou de Canterbury” . Tal foi a resposta “oficial”. Mas, por via confidencial, numa carta de 20 de fevereiro de 1930 à Santa Sé, a suprema Autoridade eclesiástica russa fazia saber que as entrevistas eram realmente autênticas, mas tinham sido extorquidas pelas autoridades soviéticas. Assim se achava confirmada a existência da perseguição religiosa.
O ano de 1933 trouxe um novo período de calma relativa. Naturalmente a propaganda anti-religiosa não se moderava, mas podia-se considerar que ela atingira o seu máximo. Na mente dos dirigentes soviéticos, outra preocupação – a do patriotismo – surgia, com a perspectiva de um conflito que ameaçava o país. A própria ideologia comunista começou a perder o seu caráter internacional, colorindo-se de dados nacionalistas. Tratava-se de criar, quanto antes, um clima interior homogêneo; convinha, pois, evitar as medidas suscetíveis de exasperar ainda mais os espíritos. Ainda por cima, a própria situação dos fiéis não parecia reclamar outros abalos violentos: quase por toda parte privados de pastores, a propaganda atéia, metodicamente prosseguia, devia bastar para gradual e definitivamente os afastar da religião.
Os “Sem-Deus” beneficiaram-se, nessa data, de um novo apoio da legislação. Com efeito, em 1936 foi proclamada na União Soviética a nova Constituição, dita de Stalin, cujo artigo 124 reduzia ainda mais a liberdade religiosa. No texto de 1929 era dito, como estamos lembrados: “A profissão religiosa e a propaganda anti-religiosa são permitidas a todos os cidadãos”. Na Constituição de 1936, já não se fala de “profissão religiosa”, mas se lê simplesmente: “A liberdade do exercício do culto e da propaganda anti-religiosa é reconhecida a todos os cidadãos”. Portanto, só o exercício do culto era, de ora em diante, permitido. A Igreja não terá mais nada que dizer publicamente.
O número dos crentes começou a diminuir, sem todavia atingir as proporções previstas pelos comunistas. Foi uma surpresa para as autoridades comunistas o verificarem, por ocasião do recenseamento de 1937, que nas cidades 30% da população ainda se declarava crente, ao passo que, nos campos, a proporção atingia 60%.
Durante esse período evitou-se também fazer abertamente mártires. Todavia, foi então que o Administrador Apostólico de Odessa, S. Excia. Mons. Alexandre Frizon, que já sofrera detenções repetidas, foi fuzilado na prisão de Simferopol, a 2 de agosto de 1937, em seguida a um processo de 9 dias.
O Transbordamento do Poderio Soviético e a Perseguição Religiosa nos Territórios Ocupados.
O acordo secreto concluído em 1939 entre o Governo nazista e o Governo Soviético dividiu a Europa Central em duas zonas de influência: a URSS queria os Países Bálticos, a parte oriental da Polônia, cortada em duas pela linha Ribbentrop-Molotov, e as duas províncias rumenas: Bessarábia e Bucovina. A Alemanha, que já impusera o seu jugo à Tchecoslováquia, pretendia a Polônia ocidental. A deflagração da guerra polono-alemã em 1939 tendia a realizar esse plano.
A URSS sairá da segunda guerra mundial não só aureolada de enorme prestígio militar, mas ainda rica de uma porção de territórios tanto na Europa como na Ásia, e, a mais, com uma zona de influência (a China) de alcance quiçá histórico para o destino do mundo.
As conseqüências do domínio soviético nos países anexados ou ocupados da Europa Central não se limitaram somente aos terrenos econômico e político. A União Soviética quis controlar também a vida religiosa. Foi essa a origem das perseguições que ainda prosseguem. As primeiras vítimas dessas medidas anti-religiosas, aplicadas segundo o sistema que dera suas provas na Rússia, foram os territórios anexados em seguida aos Acordos Ribbentrop-Molotov de 1939. Após a segunda guerra mundial, será a vez dos países “satélites”.
As medidas que os dirigentes comunistas adotaram contra a Igreja nos países ocupados pela URSS nem sempre foram iguais em intensidade nem em amplitude. Variaram segundo o grau de “ligação” desses países com a União Soviética, segundo o número mais ou menos importante dos católicos, e segundo o rito por eles professado.
(Albert Galter, O Livro Vermelho da Igreja Perseguida, ed. Vozes, 1958)