Em 1940, a Lituânia tinha população de aproximadamente 3.033.000 habitantes, dos quais 80,5 por cento eram católicos-romanos, enquanto a religião protestante figurava em segundo lugar com 9,5 por cento, a judaica em terceiro, com 7,3 por cento, a ortodoxa-grega em quarto, com 2,5 por cento e seitas religiosas com 0,2 por cento.
A Constituição lituana dispunha que a educação dos filhos era “direito supremo e obrigação natural” dos pais, embora as escolas fossem mantidas pelo Estado e todas elas colocadas sob a supervisão estatal “na maneira prescrita em lei”. Tornara-se compulsória a educação religiosa em todas as escolas exceto naquelas em que os pais dos alunos não pertencessem a qualquer organização religiosa. O ensino religioso seria ministrado conforme a religião do estudante.
Além disso, de acordo com a Constituição, o Estado reconhecia todas as Igrejas e outras organizações religiosas semelhantes existentes na Lituânia, enquanto não se opusessem à moral e à ordem pública. A liberdade de propagar a religião, conduzir ofícios religiosos, manter locais para o culto e administrar escolas de teologia recebeu sanção constitucional. Permitia-se às Igrejas manterem instituições educacionais de conformidade com a lei estabelecida. Reconheciam-se, também, as atividades das ordens, congregações e irmandades religiosas. As Igrejas possuíam os mesmos direitos da pessoa jurídica, cujos limites eram fixados em lei. Casas de culto religioso, juntamente com outros estabelecimentos eclesiásticos de todas as seitas, eram isentas do pagamento de tributo, e, no orçamento nacional, incluíam-se disposições de auxílio a essas instituições. Os estipêndios dos bispos e de seus auxiliares, dos sacerdotes das paróquias e dos capelães das forças armadas, das escolas e das instituições de caridade e penais, eram pagos pelo Estado. O clérigo estava isento do serviço militar. Falando de modo geral, as relações entre a Igreja e o Estado eram determinadas pela lei e pelo governo. A Concordata de 1927 havia estabelecido relações entre a Lituânia e a Santa Sé. Pelos termos da Concordata, trocaram-se representantes diplomáticos, tendo o governo da Lituânia concedido grande grau de independência na escolha de bispos e pastores.
O país possuía, em 1940, duas arquidioceses e quatro dioceses católicas-romanas, 680 paróquias, 1202 igrejas e capelas, 1494 sacerdotes diocesanos, 1786 monges e freiras, faculdades de filosofia e teologia em Kaunas e Universidade do Estado em Vilnius, e quatro seminários de teologia com 470 estudantes. Havia a média de uma igreja para cada grupo de 2310 católicos e de um sacerdote para 1646 católicos.
As organizações leigas católicas, da Lituânia, tinham 800.000 membros em 1940. Havia organizações culturais e fraternais, e instituições educacionais, de caridade e de outros aspectos sociais, tais como escolas de operações, cursos de preleções, hospitais, orfanatos, hospícios, refeitórios, bibliotecas, teatros, escolas de comércio e asilos para velhos. O governo lituano subvencionava muitas dessas atividades. Incluíam elas: a Ação Católica, que publicava um jornal semanal com a circulação de 700.000 exemplares; a Federação dos Jovens Estudantes de Escolas Superiores e Universidades, que publicava uma revista mensal; o Conselho Lituano de Homens Católicos, com 80.000 membros; o Conselho Lituano de Mulheres Católicas, com 60.000; a Sociedade de Imprensa São Casimiro, que publicava milhões de exemplares de panfletos, livros e revistas; a Sociedade São Vicente de Paula; a Sociedade do Menino Jesus; e a Confraria dos Anjos, para crianças. A imprensa católica compreendia três diários, dezessete semanários e sete mensários. As editoras católicas publicavam de trezentos a quatrocentos livros anualmente.
A PRIMEIRA OCUPAÇÃO SOVIÉTICA: JUNHO DE 1940 – JUNHO DE 1941
Com a invasão da Polônia Oriental pelas forças soviéticas, a URSS entregou um ultimato, na forma de pacto de auxílio mútuo a cada um dos Estados Bálticos, contendo a alternativa de o assinarem ou serem invadidos. Em 10 de outubro de 1939 a Lituânia atendeu ao ultimato, que incluía o seguinte artigo:
Art. 7 – A realização deste pacto não afetará, em qualquer grau, os direitos soberanos das Partes Contratantes, em particular os sistemas de organização do Estado, econômico e social, medidas militares e, em geral, o princípio de não-intervenção nas questões internas.
Dias depois, Vladimir Molotov, comissário soviético para os Negócios Exteriores, comentando sobre esse pacto perante o Soviet Supremo da URSS, declarou:
O caráter especial desses pactos de auxílio mútuo de forma alguma implica em qualquer interferência da União Soviética, nos negócios da Estônia, da Letônia ou da Lituânia, como alguns jornais estrangeiros procuram inferir. Ao contrário todos esses pactos de auxílio mútuo estipulam, estritamente, a inviolabilidade da soberania dos Estados signatários e o princípio de não-interferência nos negócios de cada um. Os pactos baseiam-se no respeito mútuo pela estrutura política, social e econômica. (...) Declaramos que a divulgação de todas essas tolices sobre os países bálticos é apenas do interesse de inimigos de nossa causa comum e de todos os provocadores anti-soviéticos.
Essas garantias solenes não passavam de supermaquiavelismo do Kremlin. Seguiu-se a conhecida cadeia de acontecimentos, uma série de técnicas requintadas, aperfeiçoadas dezenas de vezes: em 14 de junho de 1940, forças armadas soviéticas invadiram a Lituânia; em 14 de julho de 1940, convocaram-se eleições “como se realizavam na URSS”; uma semana depois, o Parlamento remanescente da Lituânia requereu a inclusão do país na União Soviética; e, em 3 de agosto de 1940, o Soviet Supremo da URSS proclamou a “admissão dos três Estados Bálticos”. Onde, antigamente, tal processo exigira dois e, às vezes, quatro anos, agora se desenvolvera com tal eficiência que a máquina soviética pôde realizar seus objetivos em menos de dez meses.
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A atitude hostil das forças de ocupação soviéticas para com a religião, a Igreja e o clero católicos tornou-se manifesta durante os primeiros dias da ocupação da Lituânia. Antes mesmo da efetivação formal da incorporação do país, o governo títere agiu como se a Lituânia já fizesse parte da URSS. Iniciou-se extensa política anti-religiosa em dois sentidos consecutivos. Na primeira fase da campanha, os comunistas decidiram tomar medidas diretas para expulsar a religião das instituições públicas e liquidar todas as organizações religiosas; e, na segunda, decidiram limitar as atividades religiosas do clero e persegui-lo e às congregações.
A cronologia dos fatos demonstra como o Kremlin começou rapidamente a política anti-religiosa.
Em 25 de junho de 1940, apenas dez dias após a ocupação, o novo governo títere dos soviéticos, entre alguns de seus primeiros atos, promoveu a separação da Igreja do Estado e a da educação da Igreja. Assim, aboliu-se toda instrução religiosa nas escolas e introduziu-se a propaganda anti-religiosa no currículo.
Em 26 de julho, anulou-se a Concordata com o Vaticano, e o Núncio Papal recebeu ordem para deixar o país até 25 de agosto.
Em 27 de junho, o Ministro do Interior expediu uma ordem exigindo a retirada de licença para todas as publicações feitas antes de 20 de junho de 1940. Suprimiram-se todos os jornais e revistas católicos. Eram fúteis os esforços para se conservar, pelo menos, um catecismo ou livro de orações. Apoderaram-se de todos os estabelecimentos gráficos, sem qualquer compensação. Decretos subseqüentes exigiram a arrecadação de livros das livrarias, oficinas gráficas e bibliotecas. Executou-se, em completo sigilo, todo o trabalho de destruir livros religiosos. Foram eles feitos em pedaços ou transformados de modo a tornarem-se ilegíveis.
Em 1º. de julho, o mesmo Ministério expediu uma ordem determinando a suspensão das atividades de todas as sociedades e suas filiadas que haviam sido inscritas no registro de sociedades antes de 20 de junho de 1940. Todos os hospitais, escolas e jardins de infância particulares, todas as instituições de caridade, orfanatos e asilos de velhos foram nacionalizados sob o fundamento de que “punham em risco a segurança pública”. No tocante às sociedades puramente católicas, decidiu-se colher material suficiente sobre a influência de tais organizações junto ao público, e, também, a utilização de dissensões entre habitantes do país para fins ulteriores.
Em 2 de julho, despediram-se capelães do exército, dos hospitais, das escolas e das prisões.
Apoderaram-se de todos os seminários de teologia (em Vilnius, Kaunas, Vilkaviskis e Telsiai) durante os primeiros dias da ocupação. Após prolongados e ingentes esforços, foi permitida a manutenção de um seminário para todas as dioceses em Kaunas, o qual, após exatamente quatro meses, foi fechado em 13 de janeiro de 1941. Expulsaram-se estudantes e professores no decorrer de doze horas.
Todos os mosteiros foram fechados durante o primeiro mês do regime soviético. Apoderaram-se também de todas as propriedades e dos depósitos em bancos. Com poucas exceções, apossaram-se das casas dos sacerdotes para servirem aos objetivos do Partido Comunista Nacional. Todos os bispos funcionários do estabelecimento episcopal foram banidos de suas residências. Entre os últimos a serem expulsos de suas residências figuravam o arcebispo de Kaunas e seu auxiliar. As autoridades soviéticas não destinaram sequer uma residência ao bispo nem ao sacerdote expulsos. Tornara-se difícil ao clero encontrar aposentos em qualquer lugar, porque todas as casas haviam sido nacionalizadas. Alguns bispos eram constantemente despejados dos aposentos que lhes tinham sido cedidos por particulares.
Cessou o pagamento de estipêndio aos bispos. Confiscaram-se todas as terras da Igreja. Tendo conhecimento do profundo afeto dos católicos, na Lituânia, à religião e à Igreja, o governo títere não ousou, porém, tocar nos templos; mesmo assim, cruzes e outros símbolos religiosos foram implacavelmente destruídos à margem das estradas.
Em face da bárbara perseguição anti-religiosa, católicos e bispos protestaram vigorosamente. Alguns membros e grupos de associados de organizações religiosas dirigiram requerimentos ao Conselho de Comissários do Povo da República Popular da Lituânia, explicando que uma ou outra organização de caráter puramente religioso não devia ser incluída entre as organizações que punham em risco “a segurança do Estado”. Todos esses esforços malograram, porém. Igualmente, pais requereram fosse restabelecido o ensino religioso nas escolas, a expensas eles próprios. Foram, no entanto, inúteis seus esforços. Em 24 de julho de 1940, o bispo V. Brizgys dirigiu, diretamente ao Comissário do Povo para a Educação, um memorando sobre a situação das escolas na Lituânia. Em 25 de agosto e 4 de setembro de 1940, o arcebispo J. Skvireckas enviou uma carta pastoral ao Presidente da títere república popular da Lituânia e ao Primeiro Secretário do Partido Comunista Nacional protestando contra os rigorosos decretos e pedindo que se libertassem os presos políticos. Em todos os casos, os protestos foram respondidos com nova série de decretos anti-religiosos. Quando os bispos Brizgys e Borisevicius foram protestar junto a N. Pozdnyakov, embaixador soviético na Lituânia e, ao mesmo tempo, junto ao poderosíssimo delegado do Kremlin, e perguntaram-lhes sobre a possibilidade de prosseguirem os trabalhos do seminário de teologia, em Kaunas, declararam prontamente que os esforços nesse sentido eram imprudentes: “Os senhores estão preparando jovens para o sacerdócio e, dentro de poucos dias, a Igreja ( Católica ) não mais existirá; para que fins servirão, então, esses sacerdotes?” .
Quatro meses depois, o governo soviético desencadeou vigorosa campanha contra a observância dos feriados cristãos – domingos, Natal, Páscoa, etc. Outras medidas anti-religiosas proibiam a todo clérigo visitar paroquianos e ministrar ensino religioso às crianças em qualquer tempo, e membros do clero foram forçados a assinar um formulário no qual confessavam que assim lhes havia sido ordenado:
Eu, o sacerdote abaixo assinado (...), residente no distrito de (...), na aldeia de (...), confesso que em (...) de abril de 1941 fui informado ter sido absolutamente proibido e não ter direito algum de ensinar religião a crianças em idade escolar, quer na escola quer em minha residência quer em qualquer outro lugar. Não tenho, portanto, direito algum de conversar com elas sobre questões religiosas.
Fui, ao mesmo tempo, informado de que serei considerado responsável se deixar de cumprir essa ordem, em que aponho minha assinatura.
Os invasores consideravam o clero, de todas as seitas, inúteis consumidores de alimentos, feitores de escravos da população e inimigos do sistema socialista soviético. Mantinham-se sob vigilância todos os passos do clero. As autoridades da NKVD eram, constantemente, incitadas a expandir a rede de agentes-delatores e a recrutar agentes, mesmo à força, entre os membros do clero.
Uma ordem estritamente confidencial colocou todos os sacerdotes “sob controle formal”, o que significava dever todo clérigo, sem exceção, ser espionado, mantendo-se um dossiê para cada um deles. Os dossiês deviam conter todas as informações que fosse possível colher, não só concernentes a declarações e atos dirigidos contra o governo pelo clérigo como, também, informações sobre o caráter, a vida particular, os pais, os irmãos e outros parentes dele. Cada um desses dossiês destinava-se a ser fonte completa de informações sobre o clérigo em questão, para ser utilizado a qualquer tempo no caso de acusação e julgamento. Disso resultou que cada sacerdote optaria por uma destas alternativas: ser deportado para a Sibéria ou espionar outros sacerdotes e paroquianos. Cento e cinqüenta sacerdotes católicos foram presos na Lituânia durante o primeiro ano da ocupação soviética.
A situação tornou-se estarrecedora depois do irrompimento da guerra entre a Alemanha e a URSS. De 22 de junho de 1940 até o dia em que a última unidade das forças armadas soviéticas deixou a Lituânia, 15 sacerdotes foram assassinados. Aproveitando-se do levante contra o domínio soviético, 16 sacerdotes conseguiram escapar da prisão e, assim, salvar a vida. Doze sacerdotes foram deportados para a União Soviética; somente dois deles regressaram depois de uma fuga dramática, ao escaparem de uma coluna que marchava para a morte. Seis desapareceram sem deixar vestígios e o restante fugiu para a Suécia ou para a Alemanha.
Não existe, nas leis internacionais, qualquer base possível para a deportação para a União Soviética de cidadãos da ostensivamente independente república da Lituânia.
Eis, no entanto, o que se passou: na noite de 11 de julho de 1940, cerca de duas mil pessoas, na Lituânia, foram presas e deportadas. As que conseguiram escapar à prisão, nessa noite, foram perseguidas e capturadas tempos depois.
Os piores momentos da primeira ocupação soviética ocorreram em junho de 1941. Durante as noites de 14 a 21 de junho, 34.620 lituanos, na maioria pertencentes à elite do país, foram deportados. Durante sua retirada da Lituânia, os comunistas massacraram em massa todos os que se achavam no campo de concentração de Parvieniskiai e a maior parte dos que se encontravam nas prisões de Vilnius e Kaunas. Numa só noite, na floresta de Rainiai, foram massacrados todos os intelectuais dessa localidade. Na estrada de Minsk a Mogilev, numa floresta próxima a Cherven, mais de dois mil lituanos, trazidos das prisões do país en route, para deportação para a URSS, foram ceifados por metralhadoras da guarda de escolta.
De conformidade com um plano de Ivan Serov, vice-comissário soviético da Segurança Pública, cerca de 700.000 lituanos, inclusive quase todos os sacerdotes e diretores de organizações católicas, seriam deportados, só da Lituânia; e foi somente o avanço alemão que impediu a execução do plano.
A SEGUNDA OCUPAÇÃO SOVIÉTICA
Em agosto de 1944, após três anos de ocupação nazista, a Lituânia caiu novamente sob o jugo soviético. Sobreveio um segundo governo de terror e violência, caracterizado por deportações em massa dos habitantes e do clero, e duras medidas anti-religiosas.
A Constituição da República Socialista Soviética da Lituânia parece garantir a liberdade de consciência. Dispõe seu artigo 96:
A fim de assegurar, aos cidadãos, liberdade de consciência, a Igreja, na RSS da Lituânia, fica separada do Estado, e a escola da Igreja. Reconhecem-se a todos os cidadãos a liberdade de culto religioso e a de propaganda anti-religiosa.
Repete esse dispositivo, palavra por palavra, dispositivo correspondente da Constituição da URSS. A interpretação oficial soviética do artigo deixa perfeitamente clara a distinção entre “liberdade de culto religioso” e “liberdade de propaganda anti-religiosa”: aos adeptos de uma religião permite-se apenas a prática passiva da religião, mas encoraja-se os inimigos da religião a usarem a arma agressiva da propaganda e, nisso, são auxiliados pelo regime soviético.
O verdadeiro significado dessa “liberdade de consciência” foi formulado como se segue:
Em nossa sociedade, liberdade de consciência significa participação voluntária e ativa na luta para extirpar, da consciência do povo, todos os vestígios do passado. (...) Assim, a consciência do homem soviético, sendo expressão da percepção socialista, exige-lhe opor-se a tudo que impeça o progresso do comunismo em nossa sociedade e impõe-lhe ativa participação, pela palavra e pela ação, na realização do grande programa de Stalin para edificar o comunismo.
Todas as leis anti-religiosas e ordens da MVD têm estado em pleno vigor desde a promulgação da Constituição da RSS da Lituânia; nenhuma foi revogada ou alterada, pois é precisamente por meio de “medidas administrativas” que se pode levar a efeito a política anti-religiosa do governo, sem serem violados os princípios traçados pela Constituição.
As disposições anti-religiosas básicas do decreto de 23 de janeiro de 1918 foram expedidas durante a primeira ocupação soviética através de inúmeras ordens estritamente confidenciais da MVD, as quais não só regulavam rigorosamente as atividades religiosas como, também, colocavam a hierarquia e o clero sob controle direto do regime soviético. Para exercerem o ministério, sacerdotes e bispos deviam dirigir-se às autoridades leigas locais para registro. Com a concessão ou retirada do registro, o Estado tem meios para paralisar o clero, estabelecer discriminações contra determinadas paróquias em favor de outras ou promover a cooperação do clero com as autoridades soviéticas se tal política é considerada vantajosa ao regime em qualquer ocasião.
Outro subterfúgio para paralisar as atividades da Igreja e apressar-lhe a extinção é a destruição de suas bases econômicas. Não se permite até mesmo o pagamento de mensalidades dos fiéis; permitem-se apenas coletas, em bandejas, entre os membros de uma congregação religiosa. Qualquer espécie de atividade por parte das igrejas, com fins de organização, é proibida, inclusive a organização de excursões, bibliotecas, salões de leitura, cooperativas, assistência mútua, etc. Embora o Artigo 10 assegure a comunidades religiosas o uso de um templo e dos necessários objetos litúrgicos, estes fornecidos gratuitamente pelos soviéticos locais, isso, na prática, não ocorre; além do mais, a conservação do templo fica a cargo da comunidade religiosa.
Os artigos anti-religiosos do Código Penal apresentam as duras disposições da lei estatutária. Várias cláusulas tratam de ofensas cometidas por aqueles que violam a lei que diz respeito à separação da Igreja do Estado. Nos termos do Artigo 122, proíbe-se aos sacerdotes ministrarem o ensino religioso a menores, quer particularmente, quer em instituições e escolas estatais; nem podem eles, segundo o Artigo 126, realizar ofícios religiosos fora das igrejas. Em outras palavras, mantém-se a religião atrás de uma muralha.
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Criou-se o Conselho para os Negócios de Cultos Religiosos, a fim de ser estabelecida a necessária ligação entre as autoridades soviéticas e a Igreja Católica na Lituânia. Está ele ligado ao Conselho de Ministros da RSS da Lituânia, e o presidente é funcionário governamental. O Conselho é auxiliado pela MVD e pelos órgãos de segurança do Estado.
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Segundo informações existentes, dos nove bispos que exerciam atividades na Lituânia, em 1944, restavam em fins de 1955 apenas um, Msgr. Kazys Paltarokas, bispo de Panevezys. O restante foi deportado não só pelos alemães como, também, pelas autoridades soviéticas.
O governo soviético tem tentado, desde 1944, todos os meios para criação de uma Igreja Nacional na Lituânia, como foi feito em alguns dos outros países subjugados. Tem tentado, pela intriga, pelas lisonjas e pelas prisões, recrutar jovens e ativos elementos para as fileiras dessa Igreja Nacional. Tem procurado, entre os sacerdotes, grupos de “ativistas” para fazerem propaganda contra a hierarquia eclesiástica e, com isso, formarem o primeiro núcleo. Intensificou, ao mesmo tempo, a propaganda contra o Vaticano. Seus esforços, porém, malograram completamente.
Teve melhor êxito a pressão contra os bispos e administradores católicos, no sentido de transformarem a Igreja Católica em veículo de propaganda comunista. Foram eles forçados a participar da campanha pela “paz mundial”, a condenar o rearmamento da Alemanha Ocidental e do Japão e a pregar a propaganda soviética.
Existe atualmente na Lituânia apenas um seminário de teologia: o de Kaunas, com 75 estudantes. Em 1953, somente 17 sacerdotes foram ordenados, número insuficiente para preencher a perda, por morte natural, dos sacerdotes idosos. É impossível julgar o tipo de estudante que cursa o seminário, porquanto o relatório que dá essa informação não aborda a questão; somente incidentalmente menciona a idade dos estudantes aceitos. Fica, portanto, em aberto a questão sobre se o seminário está formando sacerdotes imbuídos da verdadeira fé cristã. O objetivo educacional geral, de criar um novo “homem soviético” possuidor de idéias soviéticas, aplica-se também ao seminário. Está nisso o perigo inerente à situação de um seminário de teologia patrocinado pelas autoridades soviéticas.
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No que tange à perseguição ao clero pelo governo soviético, modificou-se a política de após-guerra. Ao invés de uma atitude francamente hostil para com o clero, os que estão no poder empregam ameaças e pressões de ordem administrativa. Oficialmente, tudo está em ordem; na prática, porém, as condições são aterradoras. Se a perseguição dos fiéis leigos segue quase o mesmo padrão em toda a União Soviética, a perseguição ao clero varia, pois os sacerdotes da Igreja Ortodoxa Russa são tratados com menor severidade que os de outras seitas religiosas. A tática empregada pelo governo soviético na Lituânia não está em atacar o clero individualmente, e sim por meio de ameaças e pressão para tornar-lhe a vida tão dura, de modo a forçá-lo a renunciar ao trabalho. A imprensa soviética muito raramente menciona o clero católico, mas, se o faz, é para estimatizá-lo como o maior ludibriador e, portanto, o mais perigoso “inimigo do povo”; como “parasita consumidor do povo”, “feitor de escravos do povo” e “inimigo da civilização, da ciência, da arte e do modo de vida soviéticos” . Todos os sacerdotes são mantidos “sob controle formal” da MVD.
Muitos são os meios a que os comunistas recorrem para exercer pressão econômica. O clero da paróquia tem que pagar, por exemplo, catorze vezes mais que a tarifa prevalecente para a eletricidade – 5 rublos e 59 kopeks por quilowatt, ao invés de 40 kopeks. Idêntica discriminação existe nos aluguéis: enquanto um cidadão comum para de 30 a 40 kopeks mensais por metro quadrado de espaço no aposento, o clérigo deve pagar 2 rublos e 20 kopeks.
Segundo a TASS, havia 741 sacerdotes na Lituânia em janeiro de 1954. Tomando isso por base, significa que a Igreja Católica, nesse país, perdeu 753 sacerdotes, isto é, cinqüenta por ano, sem mencionar os monges. Assim, as prisões e deportações por suposta colaboração com o movimento clandestino, bem como com a morte de clérigos idosos, reduziram-lhes as fileiras a um número incrivelmente baixo.
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Na RSS Lituânia, há três “processos” legais para desmembramento das Igrejas: aluguéis elevados, campanha de coletivização e o decreto de 1949. Os templos nacionalizados e os objetos litúrgicos são alugados às paróquias a preços exorbitantes, que sobem a 10.000 rublos por ano, segundo a cubagem deles, enquanto que os aluguéis para acomodações e morada são calculados de conformidade com a área. Qualquer congregação que deixa de pagar o aluguel vê-se frente à decisão do chefe soviético local de fechar a igreja. Os paroquianos esforçam-se ao máximo, tanto mais que a lealdade deles para com a Igreja constitui o meio passivo de mostrarem-se contra o regime; são, porém, tão pobres que, às vezes, têm as igrejas que ser fechadas. Os templos têm, forçosamente, que levar existência tão apagada quanto possível, e é esse, precisamente, o desejo das autoridades. Muitas paróquias foram eliminadas e algumas igrejas destruídas, em virtude da campanha para coletivização da propriedade das terras. Em 1949, o chefe do Conselho para os Negócios de Cultos Religiosos, na RSS da Lituânia, expediu um decreto dispondo que não seria permitido existirem duas igrejas distantes uma da outra sete quilômetros. Qualquer igreja supérflua seria, nos termos desse decreto, imediatamente entregue para uso do Estado. O efeito, naturalmente, foi paralisar a vida da Igreja nas grandes vilas e cidades.
Em janeiro de 1954, segundo declaração oficial soviética, havia 688 igrejas abertas na Lituânia. Segue-se, portanto, que 514 templos não servem a seus próprios fins ou estão sendo usados para fins não-religiosos. É verdade que algumas igrejas, dadas sua história e arquitetura, foram reparadas interna e externamente a expensas do governo soviético. Foram restauradas, entretanto, não como locais de culto e sim como edifícios de interesse arquitetural do Estado.
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Aos domingos, essas igrejas, que permanecem abertas, enchem-se de fiéis, mais da metade dos quais são mulheres velhas; os cidadãos comuns julgam prudente não as freqüentar. A situação é bastante diferente nas igrejas rurais: em feriados especiais, o povo a elas comparece em grande número, e esse fato é apregoado ao mundo, em geral, como “prova” da liberdade religiosa na RSS da Lituânia.
Embora não seja oficialmente proibido o culto público e tenha sido banida por Khrushchev a “interferência administrativa” de indivíduos e organizações locais nas atividades de associações e grupos religiosos, muitos obstáculos têm sido inventados pela MVD, por “agitadores” e pelas organizações de jovens. Na Lituânia, tem-se que pagar uma taxa de 600 rublos por um casamento na igreja, ao passo que a cerimônia civil custa apenas seis rublos. As autoridades soviéticas providenciam funerais gratuitos e concedem um “prêmio de progresso”, de 500 rublos, se a família do falecido concordar em substituir a cruz por um retrato de Lenine e o sacerdote por um membro do Partido Comunista.
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Um decreto da Comissão Central do Partido de Toda a União, publicado em 10 de novembro de 1954 – “Erros na Difusão da Propaganda Ateísta-Científica Entre a População” – estabeleceu o tom para nova política anti-religiosa. O ponto principal não era haver demasiada propaganda anti-religiosa, e sim que ela provara ser ineficaz e contrária à ordem de Lenine, de março de 1919. A esse tempo, Lenine traçara a política da propaganda anti-religiosa como se segue:
O Partido (...) organiza a mais extensa propaganda científica, educacional e anti-religiosa possível. É necessário, ao mesmo tempo, evitar, cuidadosamente, ofensas aos sentimentos religiosos de fiéis que possam conduzir ao fortalecimento do fanatismo religioso.
Revivendo instruções de Lenine, a Comissão Central salientou que se devia colocar a propaganda em bases mais convincentes e mais científicas, de modo que os fiéis pudessem “libertar-se de erros religiosos”. Instruíram-se os propagandistas a limitarem-se à “propaganda persistente e sistemática por meio do esclarecimento das massas: conferências, conversas, agitação com demonstrações visuais, filmes e bibliotecas”. Foram prevenidos para trabalharem habilidosa, sistemática, persistente e urgentemente, sem, porém, que o trabalho ferisse os sentimentos dos fiéis, porquanto ataques insultuosos contra os fiéis e o clero poderiam resultar no fortalecimento e, mesmo, na intensificação de preconceitos religiosos entre o povo.
Assim, o decreto da Comissão Central reconheceu virtualmente que, durante trinta anos, o regime soviético, a despeito das injunções de Lenine, havia empregado as seguintes “medidas ilegais”: autoridades governamentais haviam “intervido nas atividades de associações religiosas e demonstrado dureza para com o clero”; a “imprensa e a propaganda verbal (dos soviéticos) tinham se entregado a uma atitude incorreta para com os fiéis e o clero”; e os jornais haviam “publicado artigos anti-religiosos com cabeçalhos sensacionalistas e empregado caricaturas ofensivas para ilustração dos artigos”.
Cumpre, entretanto, salientar que, embora a religião na RSS da Lituânia não esteja, na atualidade, sofrendo franca perseguição, não se encontra certamente livre, e é atormentada por outros meios. Continua, como antes, a campanha anti-religiosa, talvez até com maior vigor. As funções da Liga dos Ateus Militantes, abolida em 1942, fora assumidas pela Associação para a Propagação do Conhecimento Político e Científico de Toda a União. Esta associação forneceu para a Lituânia, em 1952, 379 propagandistas especialmente treinados; organizou 13.716 palestras contra a religião, em 1953, 17.305 em 1954 e 9.142 no primeiro semestre de 1955, e publicou dez panfletos anti-religiosos. O próprio título dos panfletos constitui um guia muito claro do conteúdo. A fé religiosa é atacada por todos os recursos da propaganda do Estado, inclusive jornais, rádio, televisão, livros, revistas e cinema. Fazem-se palestras em toda a Lituânia “revelando as superstições religiosas”, em base científica, ao mesmo tempo em que o regime soviético envida todos os esforços no sentido de impedir que os cidadãos deixem o trabalho para observarem os feriados religiosos. É completamente fora de dúvida que a propaganda anti-religiosa seja desempenhada por espontânea iniciativa de sociedades comuns de pessoas de espírito anti-religioso ou que a iniciativa privada esteja atrás dessa atividade.
De todas as Igrejas de caráter internacional, a Católica é a que sofre especial ataque da RSS da Lituânia, o mais compacto país católico da URSS. O Vaticano – esse complexo que combina influências orientadoras tanto espirituais como temporais, com força surpreendentemente exuberante – tem sido considerado pelo Kremlin, sempre, uma ameaça especial e vê-se agora frente ao mais sério desafio a ambos os atributos desde as invasões dos bárbaros da Idade Média. É constantemente chamado “inimigo da liberdade de consciência, da liberdade de palavra, da imprensa, das reuniões, dos sindicatos, etc.”. Além disso, o Vaticano e seus bispos são acusados de “reacionários, forjadores de guerras, inimigos do socialismo e da democracia e caluniadores do comunismo”. Os propagandistas concluem suas arengas insistindo na necessidade de aniquilar totalmente a Igreja Católica.
Outro veículo para a propaganda anti-religiosa, na RSS da Lituânia, são as escolas primárias e secundárias e os estabelecimentos de ensino superior. Em 1934, o governo soviético concitou os professores a desfecharem uma guerra contra a religião. O estatuto que se publicou para as escolas primárias e secundárias, a esse tempo, diz:
As escolas primárias e secundárias devem assegurar a educação anti-religiosa dos alunos e basear o ensino e o trabalho educacional numa luta ativa contra a religião e sua influência sobre os estudantes e a população adulta.
Em primeiro de janeiro de 1954, 24.469 membros do Partido, 9.224 membros-candidatos, 164.828 pioneiros e 99.094 membros do Komsomol, na RSS da Lituânia, estavam participando da propaganda anti-religiosa em todo o país, de conformidade com os regulamentos que governam as respectivas organizações.
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Segundo a rádio de Moscou, dois novos bispos da Igreja Católica-Romana foram sagrados em 1955 na catedral de Panevezys. Foram identificados como P. Mazelis e J. Stankevicius; o primeiro fora, anteriormente, administrador da diocese de Telsiai e o segundo das de Kaunas, Kaisiadorys e Vilkaviskis. Nesse mesmo ano, as autoridades soviéticas permitiram a publicação de um livro de orações lituano, de 275 páginas, e de um calendário católico. Foi inesperada surpresa para o mundo livre, mas cumpre salientar que medidas dessa natureza apenas indicam mudança de tática, não uma reviravolta na política religiosa. A Igreja Católica ainda não goza, na Lituânia, dos direitos de entidade legal; as disposições anti-religiosas não foram alteradas nem revogadas; a propaganda anti-religiosa não cessou, nem os bispos e sacerdotes exilados retornaram ao país. A Lituânia está completamente bloqueada do mundo exterior. Não se permitiu a um só jornalista visitá-la. Relatos de pessoas que conseguiram escapar confirmam que o regime de terror continua a imperar ali, posto avançado, no norte, da civilização e da cultura ocidentais.
Do que se disse, surgem os seguintes pontos:
1 – A cláusula da Constituição que garante a todos os cidadãos “liberdade de culto religioso e liberdade de propaganda anti-religiosa” significa, apenas, a monopolização de toda propaganda sobre assuntos de religião pelo Partido, cujos ataques contra a religião permanecem, constantemente, violentos e se concentram especialmente na mocidade. Nem indivíduos nem grupos podem contestar as atividades anti-religiosas do regime soviético. Em síntese, a religião não pode ser difundida nem defendida contra os ataques de seus inimigos. Não existe, sequer, liberdade para dissentir da manifestação de atitudes anti-religiosas.
2 – De um ponto de vista formal, a asserção comunista sobre “a neutralidade do Estado para com a religião” não resiste a um exame acurado das disposições estatutárias. Pelo contrário, ao permitir que as disposições legais anti-religiosas permaneçam em vigor, o regime soviético desconsiderou suas próprias garantias constitucionais de liberdade de consciência.
3 – O verdadeiro significado da liberdade de consciência é, segundo a doutrina comunista, a “erradicação de toda sobrevivência religiosa do passado da consciência dos cidadãos”.
4 – A política anti-religiosa soviética é dúplice: a Igreja Ortodoxa Russa é temporariamente tolerada, ao passo que os católicos, na RSS da Lituânia, são perseguidos. Quanto mais determinada a oposição de uma religião às teorias ateístas e materialistas, tanto maior a perseguição.
5 – As seguintes cifras resumem as perdas infligidas à Igreja Católica da Lituânia no período de 1940 a 1955, com três anos de ocupação nazista: de 13 arcebispos e bispos, restaram 3; de 1786 sacerdotes, 741; de 1786 monges e freiras, nenhum; de 1202 igrejas, 514; de 4 seminários de teologia, 1; de 470 estudantes de teologia, 75; de 800.000 membros de sociedades e irmandades religiosas, nenhum; de 27 periódicos religiosos, nenhum; de propriedades e escolas da Igreja, nenhuma. Pesados tributos foram impostos aos templos que anteriormente se achavam isentos de tributação. Finalmente, segundo estimativas muito conservadoras, durante os anos de 1940-1941 e 1944-1955 as autoridades soviéticas foram responsáveis pelo assassínio ou pela deportação de mais de 300.000 adeptos da religião católica.
(Religião na U.R.S.S., org. Boris Iwanow, Dominus Editora, São Paulo, 1965, pags. 143-161 *** Título original: A Igreja Católica-Romana na RSS Lituana.)