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Art. 2 — Se a concupiscência é causa da dor ou tristeza.

O segundo discute-se assim. — Parece que a concupiscência não é causa da dor ou tristeza.
 
1. — Pois, a tristeza em si mesma diz respeito ao mal, como já demonstramos1. Ora, a concupiscência é um movimento do apetite para o bem. O movimento porém, que tende para um contrário, não pode ser causa do que respeita ao outro contrário. Logo, a concupiscência não é causa da dor.
 
2. Demais — A dor, segundo Damasceno, refere-se ao presente2; a concupiscência porém, ao futuro. Logo, esta não é causa da dor.
 
3. Demais — O deleitável em si mesmo não é causa da dor. Ora, a concupiscência é em si mesma deleitável, como diz o Filósofo3. Logo, não é causa da dor ou tristeza.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho: A ignorância do que devemos fazer e a concupiscência do que é nocivo são acompanhadas sempre do erro e da dor4. Ora, a ignorância é causa do erro. Logo, a concupiscência o é da dor.
 
Solução. — A tristeza é um movimento do apetite animal. Ora, o movimento apetitivo tem, como já dissemos5, semelhança com o natural. E disto podemos assinalar dupla causa; uma, a modo de fim; outra, como aquela donde procede o princípio do movimento. Assim, a causa, quase final, da queda de um corpo pesado, é o lugar inferior; porém o princípio do movimento é a inclinação natural, procedente da gravidade. Ora, a causa, quase final, do movimento apetitivo é o seu objeto. E por isso dissemos antes6, que a causa da dor ou tristeza é o mal anexo. E por outro lado, a causa, que é como aquilo donde procede o princípio de tal movimento, é a inclinação natural do apetite, que se inclina, primeiro, ao bem e, consecutivamente a repudiar o mal contrário. Por onde, o princípio primeiro deste movimento apetitivo é o amor, que é a inclinação primeira do apetite para a consecução do bem; e o segundo princípio é o ódio, que é a inclinação primeira do apetite para evitar o mal.
 
Como porém a concupiscência ou cobiça é o primeiro efeito do amor, com a qual nos deleitamos, conforme já dissemos7, em máximo grau, por isso, Agostinho freqüentemente toma pelo amor a cobiça ou concupiscência, como também já dissemos8; e deste modo a considera como a causa universal da dor.
 
Mas, a concupiscência mesma, considerada na sua noção própria, é às vezes causa da dor. Pois tudo o que impede um movimento de chegar ao seu termo lhe é contrário. Ora, o contrário ao movimento do apetite é causa de tristeza. E por conseqüente, a concupiscência vem a ser causa de tristeza, na medida em que nos contristamos com a tardança ou a total eliminação do bem desejado. Não pode porém ser a causa universal da dor, porque nos entristecemos mais com a perda dos bens presentes, com os quais já nos deleitamos, que com a dos futuros que desejamos.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A inclinação do apetite para a consecução do bem é a causa da inclinação do mesmo para evitar o mal, como já dissemos. E daqui resulta que os movimentos do apetite, que respeitam o bem, são considerados causa dos que dizem respeito ao mal.
 
Resposta à segunda. — O desejado, embora seja realmente futuro, já é contudo e de certo modo presente, enquanto esperado. — Ou podemos dizer que, embora o bem desejado seja futuro, há contudo atualmente um impedimento, que causa a dor.
 
Resposta à terceira. — A concupiscência é deleitável, enquanto permanece a esperança de alcançar o desejado; mas perdida esta, por um impedimento superveniente, a concupiscência causa a dor.

  1. 1. Q. 36, a. 1.
  2. 2. II Orth. Fid., cap. XII.
  3. 3. I Rhetor., cap. XI.
  4. 4. Enchir., cap. XXIV.
  5. 5. Q. 36, a. 1.
  6. 6. q. 36, a. 1.
  7. 7. Q. 32, a. 6.
  8. 8. Q. 30, a. 2, ad 2.
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