(II, q. 84, a . 9, ad 2).
O primeiro discute-se assim. Parece que a dor não é paixão da alma.
1. — Pois, nenhuma paixão da alma existe no corpo. Ora, a dor pode nele existir, conforme aquilo de Agostinho: a chamada dor do corpo é a corrupção repentina da saúde daquilo que a alma, usando mal, sujeitou à corrupção. Logo a dor não é paixão da alma.
2. Demais — Toda paixão da alma reside na potência apetitiva. Ora, a dor reside não nessa potência, mas, na apreensiva, conforme Agostinho: a dor do corpo é causada pelo sentido que reside a um corpo mais poderoso. — Logo, a dor não é paixão da alma.
3. Demais — Toda paixão da alma diz respeito ao apetite animal. Ora, não a esse apetite, mas antes, ao natural é que diz respeito a dor, conforme Agostinho: Se não restasse nenhum bem em a natureza, a dor não seria a pena do bem perdido. Logo, a dor não é paixão da alma.
Mas, em contrário, Agostinho coloca a dor entre as paixões da alma, baseado naquilo de Virgílio: Por isso temem, desejam, alegram-se e sofrem.
Solução. — Assim como o prazer requer duas condições — a união com o bem e a percepção dessa união, assim também duas são as exigidas pela dor — a mescla com algum mal que o é porque priva de algum bem, e a percepção dessa mescla. Ora, se aquilo que se mescla não tiver, em relação ao com que se mescla, a natureza de bem ou de mal, não pode causar prazer nem dor. Por onde é claro que o objeto do prazer e da dor é o apreendido sob a noção de bem ou de mal. Ora, o bem e o mal como tais constituem o objeto do apetite. Logo, é claro que o prazer e a dor dizem respeito ao apetite.
Ora, todo movimento apetitivo ou inclinação consecutiva à apreensão diz respeito ao apetite intelectivo ou sensitivo. Pois, a inclinação do apetite natural não segue a apreensão do apetente, mas, de outrem, como já dissemos na primeira parte. E como o prazer e a dor pressupõem, no mesmo jeito, um sentido ou uma certa apreensão, é manifesto que tanto esta como aquele existem no apetite intelectivo ou sensitivo.
Ora, todo movimento do apetite sensitivo se chama paixão, como já dissemos; e principalmente o que implica algum defeito. Por onde a dor, como existente no apetite sensitivo, se chama muito propriamente paixão da alma; assim como as moléstias corpóreas chamam-se propriamente paixões do corpo. E por isso Agostinho chama especialmente à dor sofrimento.
Donde a resposta à primeira objeção. — Diz-se que a dor é corpórea porque a causa de dor está no corpo; assim, quando sofremos algo que lhe é nocivo. Mas o movimento da dor sempre reside na alma, pois o corpo não pode padecer dor se não a sofre a alma, como diz Agostinho.
Resposta à segunda. — Diz-se que a dor respeita ao sentido, não por ser ato da virtude sensitiva, mas porque é necessária à dor corpórea, bem como ao prazer.
Resposta à terceira. — A dor, pela perda de um bem, demonstra a bondade da natureza; não que a dor seja ato do apetite natural, mas porque do sentir a natureza o aparta-se de algum objeto desejado como bem, procede a paixão da dor no apetite sensitivo.