Quaeretur peccatum illius, et non invenietur. (Sl 9, 10)
Há umas coisas que se buscam para se acharem, e há também outras, que para se não acharem é que se buscam. A mulher do Evangelho buscava a jóia, e o pastor buscava a ovelha, para achar um a ovelha e outro a jóia. Pelo contrário, aqueles exploradores, que foram em busca de Elias, quando desapareceu da terra, buscavam-no para o não acharem. Foi o caso: sendo arrebatado Elias em um carro de fogo, disseram alguns zelosos que queriam buscá-lo, porque poderia estar aí lançado em algum monte ou vale. Sabia Eliseu muito bem que Deus o tinha transportado para si, e disse-lhes: não há para que o buscar. Eles, pelo contrário, instaram tanto, até que lhes disse: buscai embora: Coegeruntque eum, donec acquiesceret, et diceret: Mittite (4 Rg 2). Partiram cinqüenta homens expeditos, cada um por diferente parte a procurar Elias — três dias andaram por cerros e campos e vales, sem descobrir rastro do que buscavam, até que, cansados, tornaram a Eliseu, o qual lhes disse com grande descanso: Não vos disse eu, que o não buscásseis? Numquid non dixi vobis: Nolite mittere? Pois se Eliseu estava certo que o não haviam de achar, porque ali havia especial mistério e obra de Deus, para que deixou estes pobres homens irem cansar-se debalde? Oh, que obrou como prudente! Se o não buscaram, a qualquer tempo haviam de dizer: Se nós o tivéssemos buscado, pode ser que o tivéssemos achado. Ah, sim. Pois buscai-o, embora: Mittite. Porque se não achareis a Elias, ao menos achareis o desengano. Porque há coisas que se buscam para o mesmo efeito de se não acharem.
Tal foi também o pecado original a respeito de MARIA Santíssima Senhora nossa Sempre pura e Imaculada. Diz o Real Profeta que se buscaria e não se acharia: Quaeretur peccatum iilius et non invenietur. Nas Letras Sagradas muitas vezes a conjunção Et vale o mesmo que a causal Quia, e faz então o Texto este sentido: que o pecado se havia de buscar, porque se não havia de achar. Edmundo Rozeto lê deste modo: Quaere peccattum illius, quoad non invenies. Buscai o seu pecado, até o não achares. Eutímio diz que isso se pode entender de Cristo Salvador nosso, no qual, por mais que seus êmulos busquem pecado, nunca o poderão achar: Potest intelligi de Christo Domino, in quo nullum est peccatum. E eu digo que, por conseguinte, pode entender-se de MARIA Santíssima Senhora Nossa; porque Filho e Mãe constituem moralmente uma pessoa, e nesta Senhora permitiu Deus que o pecado original fosse buscado por muitos exploradores: não digo eu por três dias, mas por muitos séculos; não para acharem o pecado, pois o não havia, senão para acharem que o não podiam achar. Com que a certeza que hoje temos neste ponto mais se deve à dúvida dos que não creram, do que à piedade dos que creram. Como em semelhante caso disse S. Gregório: Plus enim nobis Thomae (repare-se no nome Tomás) infidelitas ad fidem, quam fides discipulorum credentium profuit; porque a dúvida fez que pecado se buscasse, e o buscá-lo fez com que nos certificássemos de que não se podia achar: Quare peccatum illius quoad non invenies.
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Tanto deve a certeza deste ponto à dúvida que nele se levantou, que a meu entender, um dos maiores fundamentos para se tirar a dúvida era o mesmo levantar-se; porque há questões, que consigo trazem a resposta. Perguntaram os Pontífices e Sacerdotes a Cristo, se era Filho de Deus: Tu ergo es Filius Dei? Respondeu o Senhor: Vós mesmos o dizeis que eu o sou: Vos dicitis, quia ego sum. Pois se estes homens o que propõe é uma pergunta, como afirma o Senhor que eles mesmos se dão a resposta? Porque há questões que pelo modo e circunstâncias em que se levantam, levam em si mesmas a resposta. E tal era esta. Porque no livro da Sabedoria estava profetizado que lhe haviam de perguntar injuriosamente e com mau tratamento, se era ele Filho de Deus: Gloriatur Patrem se habere Deum, et Contumelia et tormento interrogemus eum. E como nesta ocasião se cumpria à letra esta profecia, fazendo-se ao Senhor esta pergunta entre mil injúrias e tormentos, bem se vê que na mesma pergunta ia embebida a resposta. Vós que me perguntais diz o Senhor, nisso mesmo afirmais que eu sou Filho de Deus: Vos dicitis, quia ego sum.
A dúvida ou questão de se MARIA Santíssima foi concebida em graça também é deste gênero; porque se o seu pecado se havia de buscar para não se achar, a mesma dúvida que o buscava nos tira da dúvida de o haver, e nos põem na certeza de que o não há. Deixai-os duvidar, Mittite: que esse é o meio que a Providência Divina escolhe para tirar da dúvida: Quaeretur peccatum illius, et non invenietur. Levantou-se a questão, porque sabia Deus que se havia de decidir em favor da Virgem; logo, a mesma pergunta leva consigo a resposta, e a mesma dúvida nos tira de toda a dúvida.
E, senão, digam-me: Se alguém soubesse que um seu grande amigo queria habilitar-se com sentença de genere, para subir a dignidades, e tivesse notícias certas e ocultas que o tal amigo tinha vício ou infecção no sangue, e estivesse na sua mão atalhar esta pertenção, para que o vício não se apareça, não o havia de fazer assim? Claro está que sim. Logo se Deus soubesse que sua Mãe Santíssima não tinha pureza por parte do sangue de Adão, para que havia de permitir que se levantasse esta questão, e que se inquirisse este ponto não havendo de sair a favor da Virgem? Por quanto a Igreja Católica havia de averiguar a verdade, muito mais decoroso era não se falar em tal com empenho e estrondo. Logo, o mesmo haver questão decide a questão, porque não havia Deus de consentir que se movesse demanda contra sua Mãe Santíssima, senão para dar poe ela a sentença. Sem e José, como bons filhos, cobriram com a capa a seu pai Noé, para que não fosse vista sua indecência. Acaso Cristo é menos amoroso e revente Filho de sua Mãe Santíssima? Não, por certo. Logo, se soubesse que havia aqui a indecência da primeira mancha, havia de cobri-la com a capa do silêncio. E não foi assim, antes quis que se ventilasse em público, porque a não havia. Logo, a dúvida nos tira da mesma dúvida. Vós perguntais, se a Senhora foi sempre imaculada? Pelo mesmo caso estais dizendo que sim, que sempre foi pura e cândida e imaculada: Vos dicitis, quia ego sum.
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Confirmo este pensamento, porque também de MARIA Santíssima estava profetizado que havia de haver semelhantes questões, apra que constasse mais de suas excelências. E em que texto se acha esta profecia? Eu tomo primeiro meu resalvo para o que pretendo dizer; porque sei, pela mesma Escritura Sagrada, que as Escrituras não se interpretam livremente pelo arbítrio, ou engenho de cada um: Omnis prophetia Scripturae (diz meu Padre S. Pedro) propria interpretatione non fit.Contudo, o que direi é somente propondo, e com a devida sujeição aos Sagrados Doutores e sentir da Igreja Católica. Isto suposto, diz um lugar dos Cantares: Revertere, revertere, Sulamitis, revertere, revertere, ut intueamur te. Voltate, voltate Sulamitis, voltate, voltate para que vejamos bem sua formosura. Os Setenta: Convertere, convertere, vira-te para nós. E o Escoliastes acrescenta: Intuebimur in te quasi in spectaculum: Contemplaremos em ti como em um admirável espetáculo. Quem é o que fala neste verso e com quem se fala? Os Expositores comumente dizem que falam os ministros ou familiares da casa do Esposo, que é o mesmo que se disséssemos, os fiéis e os santos da Igreja de Cristo. E que todo este livro dos Cantares encerra as excelências e prerrogativas da Virgem e que esta é a Sulamitis, que quer dizer pacífica, ou perfeita, escusa de se provar, por ser coisa mui sabida.
Isto assim suposto, pergunto agora: Que querem dizer os fiéis à Senhora, em lhe dizerem que se volte para verem sua formosura? Voltar no sentido corpóreo e material não pode ser, pelo indecoroso; há de ser logo no sentido espiritual. Pois chamar-se-ão aqui voltas as vezes que a Senhora volta a nós seus olhos para nos favorecer desde o Céu? Também não; porque isso seria voltar a Senhora para nos ver a nós, e o texto diz que se volte para nós a vermos como é formosa:Ut intueamur te. Venho pois a concluir, que estas voltas são as que a Senhora dá intencionalmente enquanto considerada pelos nossos entendimentos, já a esta, já àquela luz, já por uma, já por outra parte, para examinarmos e descobrirmos como em tudo é perfeita: bem como uma imagem primorosa para ver se tem defeito por alguma parte, a viramos de muitos modos, e a contemplamos à várias luzes. E como o Espírito Santo sabia que destas voltas, ou questões, sempre havia resultar maior clareza e conceito das perfeições de sua Esposa; por isso introduz ali os fiéis dizendo: Volta-te, volta-te para vermos sua formosura. Convertere, convertere Sulamitis convertere, ut intueamur te.
Nem parece carecer de mistério repetir-se a palavra Convertere quatro vezes; porque quatro vezes houve já na Igreja revoltas sobre vários pontos das prerrogativas da Senhora, e sempre ficou aparecendo mais sua formosura. Primeiramente, vieram os hereges Nestorianos negando ser a Senhora verdadeira Mãe de Deus. Vieram duzentos Bispos no Concílio de Éfeso à este ponto, e definiram que era verdadeiramente Mãe de Deus. Vieram os hereges Helvidianos e os Antidicomarianitas, e puseram mancha na Virgindade da Senhora depois do parto. Vieram a este ponto os Padres dos Sínodos V, VI e VII, e os do Concílio do Latrão, e definiram que a Senhora sempre fora Virgem. Vieram Calvino, Kemnitio, Brentio e outros ministros do diabo semelhantes, e atreveram-se a dizer, blasfemamente, que a Senhora tivera pecado atual, ao menos venial. Vieram a este ponto duzentos e setenta Bispos no Concílio de Trento, e declararam que a Igreja tinha que a Senhora, por especial privilégio, fora limpa de todo o pecado atual. Eis aqui já três voltas da Sulamitis. Faltava ainda outra sobre se a Senhora teve, ou não, pecado original, ao menos no primeiro instante de seu ser. Esta custou mais que as outras, por isso mesmo que os que defendiam que sim, tivera pecado original, não eram hereges, senão varões Católicos, pios e zelosos. Mas, enfim, resultou daqui que veio a confiar como certo, que sempre fora imaculada. Com que todas estas voltas, ou exames, que a Senhora padeceu intencionalmente no nosso discurso, foram ordenadas por Deus, para que se visse melhor sua formosura perfeitíssima: Convertere, convertere Sulamitis: convertere, convertere, ut inueamur te. Logo, se estava profetizado que a Senhora havia ser assunto destas questões, com o fim de constar melhor de suas prerrogativas: bem dizia eu, que pelo mesmo caso que a dúvida se movo, não tem dúvida a questão; porque se a metade da profecia se cumpriu já, que era levantar-se a dúvida: Convertere; também se havia de cumprir a outra metade, que era sair em favor da Virgem: Ut intueamur te.
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Só nos falta neste quarto Convertere outro Concílio, que o defina de fé. Mas não tarda quem vem e se não temos o Concílio já de presente, temo-lo também em profecia por testemunho de um Varão mui abonado em virtudes, e dons celestiais. Quem é? O Ven. Padre Fr. Domingos Ruzola, Geral que foi dos Carmelitas descalços, a quem o Sumo Pontífice chamou da Espanha à Roma para o ter em sua companhia. Este, passando de Roma para Sicília, hospedou-se na Cidade de Salermo, no Convento dos Padres Dominicanos, os quais, pelo conceito que de suas virtudes tinham, e para o honrar mais, lhe deram a cela em que ali vivera o glorioso Doutor da Igreja, Santo Tomás. Estimou o servo de Deus este grande favor, gastou toda aquela noite em oração, encomendando-se ao S. Doutor, o qual se dignou de o visitar aparecendo-lhe cheio de glória, e falando com ele com amorosa lhaneza lhe disse, como e todo gênero de questões prováveis se havia acomodado à doutrina comum que corria nas Escolas, e como em Paris, onde se achava, corria a opinião menos pia, essa seguira; porém, que agora no Céu via duas verdades no Verbo Divino. Primeira, que Omnipotens Deus gloriosae Virginis Matris MARIAE corpus, et animam, ut dignum Filii sui habitaculum effici mereretur, Spiritu Sancto cooperante, praeparavit. — que o Onipotente, Eterno Deus, pela graça do Espírito Santo, preparou o corpo e alma da gloriosa Virgem Mãe para ser digna morada de seu Filho, porque tão pura criara sua alma, que ainda que o corpo tivesse mancha, seria incapaz de a receber dele, e tão puro criara seu corpo, que nenhum defeito tivera, nem moral, nem natural. Segunda verdade, que viria tempo, em que a Igreja faria um Concílio, no qual se definiria este ponto em favor da Virgem para maior glória sua. Isto disse Santo Tomás, e desapareceu. Eis aqui a quarta volta acabada de dar. E que lhe dizer, para maior glória sua, senão o que tinha dito Salomão:Convertere, ut intueamur te? Ou o que tinha dito Davi, que o pecado da Senhora se buscria, para o efeito de se não achar: Quaeres peccatum illius quoad non invenies?
Oh puríssima MARIA, verdadeira Mãe do mesmo Deus, sempre Virgem, sempre Santa, sempre intacta, e imaculada em corpo e alma: se vós toda estais vestida de Sol: Amicta sole; porque parte poderíeis fazer sombra ou estar escura? Dêem-se os entendimentos mais perspicazes quantas voltas quiserem, que quanto mais examinarem, mais perfeições, mais excelências, mais prerrogativas hão de descobrir. Bendito seja o Senhor que tal Criatura concebeu na sua idéia, e produziu na natureza das coisas; pois só por vós unicamente adquire mais honra, e glória, que pelo resto de todas as mais criaturas. Meu espírito se alegra com vossas ditas, se consola e goza com vossas perfeições e, rendido ante vosso soberano acatamento, vos ama, louva e magnifica: pedindo-nos juntamente, nos façais com vossa poderosa intercessão dignos de que vos amemos, e sirvamos a vós e a vosso benditíssimo Filho, para chegarmos a ver o espetáculo admirável de vossa formosura, participação da sua infinita: Intuebimur in te quasi in spectaculum.
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Em outro sentido podemos, para nossa doutrina, tomar as palavras do nosso tema: Quaere peccatum illius quoad non invenies. Isto é, que busquemos pelo exame da consciência nossos pecados até os não acharmos. Porque muitos se os não acham, não é porque os não haja, senão porque os não buscam. Si dixerimus quonia peccatum non habemus, ipsi nos seducimus: se dissermos (diz S. João) que não temos pecados, enganamo-nos a nós mesmos. Pois, em que está aqui o engano? Não pode uma pessoa algumas vezes não achar em si pecados? Não os achar bem pode; porém, não os ter em quanto vive neste mundo, não pode ser. E S. João não diz, se dissermos que não achamos em nós pecados, enganamo-nos; senão, se dissermos que não temos pecados, enganamo-nos: Si dixerimus, quonia peccatum non habemus. Aqui, pois, está o engano: em cuidarmos que o mesmo é não vermos os nossos pecados, que não haver em nós pecados. Sendo que, para uma coisa não aparecer, basta que se não busque, e para não a haver, às vezes não basta que se não ache; porque em MARIA Santíssima não se achou o pecado, não porque se não buscasse, senão porque o não havia; em nós, não se acha pecado, não porque o não haja, senão porque se não busca. Davi pedia a Deus perdão dos seus pecados ocultos (Sl 18, 13): Ab occultis meis munda me. Se eram ocultos, não sabia que tinha tais pecados: pois pede perdão a Deus dos pecados que não sabe se os tem, tão sobre o certo e seguro, como se os tivera? Sim; porque por serem ocultos, não deixam de ser pecados, e não é o mesmo não os ver, que não os haver. Logo, ainda que Davi para si seja inocente, para com Deus porte-se como pecador: chore e peça perdão: Ab occultis meis munda me.
Perguntará alguém: E como se nos ocultam estes pecados? Respondo. A nossa mesma natureza os encobre debaixo das suas inclinações. Queria Labão achar os seus ídolos e não os pode descobrir, porque Raquel, sua filha, os tinha metido debaixo dos aparelhos dos camelos, e sentou-se em cima, fingindo um achaque para se não levantar: Abscondit idola subter stramenta cameli, et sedit desuper, etc. A aplicação ao que queremos dizer é clara. Por ventura os nosso pecados e apetites não são os nossos ídolos? Ainda mal que tanto adoramos neles! Mais: E as nossas inclinações brutais não são os aparelhos do camelo, e invenções com que se cobre, arma e defende a nossa natureza? Sim, são. E Raquel não é o nosso amor próprio assentando-se em cima e fingindo achaques? Tudo é verdade. Pois, quereis vós achar os ídolos? Dai com esses aparelhos por terra. Se o fizerdes, haveis de achar muita altivez de coração, que estava debaixo do que chamamos honra; muita malícia contra o próximo que estava debaixo da prudência, muita cobiça das coisas terrenas, que estava debaixo do cuidado da família; muito amor aos que nos lisonjeiam, que estava debaixo da caridade; muita confiança do entendimento próprio, que estava debaixo da ciência; muitas irrisões dos defeitos alheios, que estavam debaixo do entretenimento; muitas relaxações do espírito, que estavam debaixo da Eutrapélia, ou recreação honesta; muitas ingratidões com os benfeitores, que estavam debaixo do desapego e retiro; muitas negligências no servir a Deus, que estavam debaixo da falta de saúde; e para não ser mais prolixo, haveis de achar muito de que pedir perdão a Deus, que vós cuidáveis que vos deviam pedir perdão a vós, se tal se suspeitasse: porque como a formosa Raquel do nosso amor próprio que é filha do mesmo espírito, que busca estes defeitos, estava assentada em cima, e fingindo achaque de que se não podia levantar, todos esses defeitos não se viam, mas uma coisa é não os ver, outra não os haver. Por isso, enquanto não aparecem, sempre se há de pedir perdão dos ocultos: Ab occultis meis munda me.
Mas sempre o remédio para aparecerem é buscá-los: e não só remédio para aparecerem, senão também remédio para se irem diminuindo; porque o exame da consciência, e o conhecimento próprio de tal sorte descobre os nossos vícios, que também nos purifica de grande parte deles. Moisés meteu uma vez a mão no peito, e saiu-lhe leprosa, meteu-a outra vez, e saiu-lhe limpa. Meta cada um a mão no seio da consciência muitas vezes, que alguma pode ser que saia limpa; e se não sai limpa, ao menos conheça-se por leproso. Algumas pessoas metem a mão na consciência todas as vezes que o relógio dá horas, e com isto andam muito mais limpas; cada um faça como puder, e como lhe aconselhar quem o governa. Mas tenha sempre por certo que uma as coisas que o demônio mais nos procura impedir, é que a alma olhe para si mesma, e se conheça: Perpetua daemonum in entio, et labor in eo consistit, ut non sinat nos cor nostrum observare, disse S. Efício.
Senhor, sem a vossa graça todas nossas diligências são inúteis, e todas nossas doutrinas infecundas: Ajudai-nos, por vossa misericórdia, que sejamos Santos, pois, nos mandais que o sejamos; ou, ao menos, já que não somos santos, a conhecer que o não somos, senão miseráveis pecadores. Conheça-me eu a mim, e conheça-vos a Vós: Noverim me, noverim te. A mim, para humilhar-me, a vós para honrar-vos, e servir-vos; a mim para me aborrecer; a vós para amar-vos e estimar-vos sobre todas as coisas; a mim para me desprezar e abater; a vós para vos louvar eternamente, pelos séculos dos séculos. Amém.