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Art. 2 ― Se o amor é causa do ódio.

(IV Cont. Gent., cap. XIX).
 
O segundo discute-se assim. ― Parece que o amor não é causa do ódio.
 
1. ― Pois, noções que por oposição se dividem são naturalmente simultâneas, como se diz1. Ora, o amor e o ódio, sendo contrários, dividem-se por oposição. Logo, são naturalmente simultâneos, e portanto o primeiro não é causa do segundo.
 
2. Demais. ― Um contrário não é causa do outro. Ora, amor e ódio são contrários. Logo, aquele não é causa deste.
 
3. Demais. ― O posterior não é causa do anterior. Ora, o ódio é anterior ao amor, segundo parece, pois implicando ele o afastamento do mal, o amor importa na aproximação do bem. Logo, aquele não é causa deste.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho, que todos os afetos são causados pelo amor2. Logo, também o ódio, que é um afeto da alma.
 
Solução. ― Como já dissemos3, o amor consiste numa certa conveniência entre o amante e o amado, e o ódio, numa certa repugnância ou dissonância entre um e outro. Ora, o que convém a um ser deve se considerar antes do que o que lhe repugna, pois o que repugna é corruptivo ou impeditivo do conveniente. Por onde e necessariamente, o amor há-de ser anterior ao ódio; e só se odeia o que contraria o bem conveniente que se ama. Ora, neste sentido todo ódio é causado pelo amor.
 
Donde a resposta à primeira objeção. ― Das noções que se dividem por oposição umas, naturalmente são simultâneas, real e racionalmente; assim, duas espécies animais ou duas espécies de cores. De outras porém, simultâneas racionalmente, uma é realmente anterior à outra, de que é a causa, como é patente com as espécies dos números, das figuras e dos movimentos. Outras por fim não são simultâneas, nem real nem racionalmente, como a substância e o acidente, pois aquela é realmente causa deste, e o ente, na sua noção racional é atribuído primeiro à substância e depois ao acidente, porque a este não se atribui senão enquanto pertence à substância. ― Ora, o amor e o ódio são por certo naturalmente simultâneos, no ponto de vista racional, não porém no real. Por onde, nada impede seja o amor causa do ódio.
 
Resposta à segunda. ― O amor e o ódio são contrários quando referidos ao mesmo objeto. Mas, não o são quando se referem a objetos contrários, sendo nesse caso um a conseqüência do outro; pois pela mesma razão pelo qual amamos uma coisa odiamos a sua contrária. E assim, o amor de uma leva-nos a odiar a outra.
 
Resposta à terceira. ― Na ordem da execução, primeiro nos afastamos de um termo e, depois, achegamo-nos ao outro; mas, o inverso se dá na ordem da intenção pois afastamo-nos de uma para nos achegarmos ao outro. Ora, o movimento apetitivo pertence mais à intenção do que à execução. Logo, o amor é anterior ao ódio, sendo um e outro movimentos apetitivos.

  1. 1. Praedicamentis, cap. X.
  2. 2. XIV De civitate Dei, cap. VII.
  3. 3. Q. 29, a. 1.
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